Volume 12 - 2007
Editor: Giovanni Torello

 

Dezembro de 2007 - Vol.12 - Nº 12

Psiquiatria Forense

COMO CONSEGUIR CARACTERIZAR UM QUADRO DEPRESSIVO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS NO TRABALHO?

Hilda Morana

Geralmente o médico assistente e o próprio paciente exageram no relato e na apresentação dos sintomas, dificultando a avaliação do perito.

 

As queixas mais freqüentes dos periciandos, que se submetem a perícia alegando problemas psiquiátricos,  é a de depressão.   Para eles, isto é muito claro. É o que sentem!  Tristeza, desânimo, revolta, medo de sair de casa, falta de entusiasmo, outros medos imotivados,  insônia, inapetência, anedonia.  Relatam também ficarem muito nervosos no local de trabalho. Chegam a afirmam que “ tremem” só de passar em frente ao local de trabalho.

 

Pois bem, isto é depressão?

 

 

O que se verifica é que os sintomas depressivos, muitas vezes, são apenas conseqüências de outros fatores que podem ser médicos como, pós-cirurgias, dores crônicas, doenças crônicas e outros. Ou, problemas de ordem pessoal como: desentendimentos com chefias, transferência de setor de trabalho, local de trabalho distante da residência, agressões sofridas no trabalho, problemas conjugais, problemas com os filhos, doença de familiares ou morte dos mesmos.  Todas essas possíveis desavenças acabam levando a que alguns periciandos se desinteressem por suas funções trabalhistas e  virem a requer licença por depressão.

 

 

O médico do trabalho percebe que o problema não é clínico, que o quadro não configura uma patologia e sim queixas  de ordem social ou trabalhista, mas tem, diante de sim, um sujeito que exige o seu direito a beneficio por se queixar de depressão. E aí? O que fazer? Encaminhar pra a Assistente Social? Pode ser, mas, na prática, o que vai mesmo acontecer é que a Assistente Social vai chorar junto com o paciente e nada resolver.

 

Encaminhar para onde? Para quem? Negar o benefício e sofrer um processo administrativo, ou uma agressão física?  O paciente normalmente é portador de atestado que  declara o CID F32 ou F33, fornecido por médico psiquiatra e, faz uso de antidepressivos. 

 

Em maio de 1999 foi criada nova Lista de Doenças Profissionais Relacionadas ao Trabalho (Decreto nº 3.048/99, DOU 15/05/995 do MPAS)

 

Em relação aos Transtornos Mentais (TM ) relacionados ao trabalho ( RT) as síndromes ficaram assim divididas:

 

  -  Síndromes Psiquiátricas Orgânicas.

  -  Síndromes Psiquiátricas Não – Orgânicas.

  - Síndromes Psiquiátricas relacionadas aos acidentes do trabalho, as doenças ocupacionais e aos fatores psicossociais no trabalho.

 

O quadro abaixo foi elaborado por *(Camargo, Caetano, Guimarães, 2004)

 

1- Síndromes Psiquiátricas Orgânicas relacionadas ao trabalho:

Neurointoxicações ocupacionais, causadas por agentes (produtos químicos) que causam lesões diretamente no cérebro e o alcoolismo crônico.

2- Síndromes Psiquiátricas Não-Orgânicas relacionadas ao trabalho. São desencadeadas por conflitos emocionais vinculados às condições e a organização do trabalho. Aqui são relacionados os Transtornos: Depressivos; Estresse pós-traumático e a síndrome de Burnout.

3- Síndromes. Psiquiátricas relacionadas aos acidentes de trabalho, às doenças ocupacionais e aos fatores psicossociais no trabalho.

Acidentes de trabalho – transtornos ansiosos, fóbicos, depressivos.

Doenças ocupacionais- PAIR; LER/DORT; AIDS.

Fatores psicossociais no trabalho: Reações ao estresse ocupacional. Agravamento de: A) tabagismo, cafeína; B) Enfermidades: cardiovasculares, gastrointestinais e músculo- esqueléticas.

 

Existe ainda a Classificação de Schilling

Grupo I 

 Doenças profissionais. Ex: neurointoxicações ocupacionais.

Grupo II

 O trabalho como fator de risco.  Ex: transtorno do estresse pós-traumático.

Grupo III

 O trabalho como desencadeador de um distúrbio latente. Ex: episódios depressivos.

 

Como já referido em outro trabalho apresentando na Sessão Forense desta revista:

Depressão atinge mais o trabalhador.

Em parceria com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), a Universidade de Brasília (UnB) realizou um pesquisa para analisar os freqüentes afastamentos no ambiente do serviço. A revelação é que 48,8% dos trabalhadores que se afastam por mais de 15 dias do trabalho sofrem com algum problema de saúde mental, sendo que o principal motivo é a depressão. Constatou-se que 99% dos benefícios concedidos do INSS para trabalhadores que sofreram transtornos mentais foram relacionados a problemas na vida pessoal, e não ao trabalho. Pesquisadores da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB observaram quatro ramos de atividades: financeiros (bancários), fabricação de produtos químicos, fabricação de produtos de metal e metalurgia básica. Índices mostraram que os bancários correm mais riscos de se afastarem do trabalho por mais de 15 dias consecutivos do que as outras profissões analisadas. As informações são do Jornal de Brasília de 29 de março de 2004

 

Em relação ao Funcionalismo público a reportagem de Simone Iwasso revelou que:

O Estado de São Paulo gasta por ano R$ 290,5 milhões com funcionários que faltam ao trabalho por motivos de saúde, dos quais R$ 165,9 milhões se referem somente aos custos com servidores da área da educação. O valor é o equivalente ao Orçamento de um ano do Programa Escola da Família em todas as 5.216 unidades da rede. Levantamento obtido com exclusividade pelo Estado aponta que em 2005 foram 5,5 milhões de faltas - 4 milhões na educação -, em uma folha de pagamento que engloba 444 mil servidores da administração direta. Os dados de 2006 ainda não estão consolidados.

Esse é o custo mínimo, já que o cálculo não contabiliza faltas abonadas, previstas em lei. Na educação, setor com 65% dos servidores estaduais (285 mil, 90% deles professores), o valor pode dobrar, se for incluído pagamento dos substitutos, que recebem por dia trabalhado. Em média, no funcionalismo estadual, há um índice de 9,8% de faltas - na educação, a taxa é de 9,5%; na saúde, de 10,5%.

Na prática, para cada cem dias contratados, um funcionário falta a praticamente dez. Na educação, os 9,5% de faltas representam um mês em um ano, num cálculo aproximado. Isso porque o ano letivo tem 200 dias, com 20 dias de aulas por mês. O que não quer dizer que o aluno fica sem aula, pois há o professor substituto. Mas, segundo especialistas, a descontinuidade influencia diretamente na aprendizagem.

O levantamento foi feito com base no banco de dados da Secretaria de Estado da Fazenda, da Unidade Central de Recursos Humanos da Casa Civil e do Departamento de Perícias Médicas da Saúde. A metodologia seguiu os padrões da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O objetivo foi registrar o absenteísmo - quando o profissional não comparece ao trabalho - e verificar o custo disso para os cofres públicos.

 

SÍNDROME  DEPRESSIVA  E  PERÍCIA PSIQUIÁTRICA

 

Médicos do Trabalho habitualmente fazem perícia em todas as áreas das especialidades médicas. A Associação Nacional de Médicos Peritos conta com mais de 4000 associados, sendo que ao redor de apenas 0,2%, são psiquiatras. Dessa forma pode-se imaginar a dificuldade que estes médicos têm para definir se as queixas depressivas são suficientes ou não para a concessão de benefícios trabalhistas.

 

Ainda não entendo como isto é permitido. Eu jamais me atreveria a fazer uma perícia que não fosse da minha especialidade, mas esse é assunto para outra matéria.

Em todo o caso, vai aí algumas dicas possíveis  para um melhor esclarecimento desta questão.

 

É preciso reafirmar que a Psiquiatria é a clínica médica mais fácil dos Periciandos conseguirem seus benefícios, e também a mais vantajosa para eles, pois as licenças costumam ser mais longas que as demais especialidades médicas.

 

A avaliação em Psiquiatria, longe de ser subjetiva é, contudo, demorada, uma vez que demanda  a necessidade de  uma adequada história de vida e dos fatos, para se aplicar a semiologia e a interpretação psicopatológica correta.  

 

Para os Médicos do Trabalho a questão que mais incomoda é a diferença  entre as pessoas quanto ao modo de reagir aos problemas psicossociais, emocionais e  relacionados ao estresse, de modo geral. Não há como formatar uma tabela que seja válida para todos os padrões de respostas afetivo-emocionais entre as pessoas.

 

A única sugestão que me ocorre é orientá-los para uma anamnese voltada para a história de vida do sujeito. Ou seja, buscar o padrão de reação emocional, de humor, da capacidade de resiliência e das características da personalidade do sujeito a ser examinado.

 

Outra questão é a de proceder a um levantamento epidemiológico em seu local de trabalho, seja uma fábrica, seja uma empresa ou mesmo na administração pública. A idéia é cruzar os dados dos diagnósticos fornecidos por cada setor da instituição ou da secretaria a que pertence o trabalhador. Muito há de surpreender os resultados.

 

Em levantamento que realizei no  Departamento de Perícias Médica do Estado de São Paulo pude constatar que as professoras, em dados estatisticamente válidos, (foram analisadas 242.000 guias de licenças) apenas recorrem ao recurso da licença médica depois de aproximadamente 20 anos de trabalho ativo e 50 anos de idade.  O que antes me parecia um abuso por parte desta categoria profissional, que é a maior secretaria, em número de funcionários do Estado, as queixas tornaram-se, para mim, coerentes e compreensíveis. Depois do período mencionado de efetivo exercício da função não toleram mais alunos, barulho de escola, desentendimentos com diretoria e outros fatores relacionados, de forma a se tornarem incapazes de continuar a exercerem a sua função. Contudo, no momento da perícia as suas queixas são vagas, imprecisas, dando a impressão de simulação. Foi apenas depois de compreender a regularidade epidemiológica dos dados que  pude ter a tranqüilidade necessária de fornecer a licença devida nestes casos.

 

 

Os TRANSTORNOS DEPRESSIVOS incluem:

 

•    

TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR

 

•    

FASE DEPRESSIVA DO TRANSTORNO BIPOLAR

 

•    

DISTIMIAS

 

•    

TRANSTORNOS DEPRESSIVOS SEM OUTRA CLASSIFICAÇÃO:

 

 

- TRANSTORNO DEPRESSIVO MENOR (os sintomas não alcançam a severidade necessária para um diagnóstico de transtorno depressivo maior);

 

 

 

- TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE BREVE (os episódios depressivos verdadeiramente alcançam a severidade necessária para um diagnóstico de transtorno depressivo maior mas sua duração não é suficiente para preencher os critérios diagnósticos de tempo, derivado do CID-10);

 

 

A rigor, apenas duas condições perfazem o diagnóstico de depressão:

 

F30 e F31- Transtornos Do Humor.  

Esta condição patológica evolui por fases nítidas de manifestação.

Nestas condições, devido ao intervalo lúcido, ou seja, quando o sujeito está em remissão (F31.7), verificar se a perícia retroage para o período em que o periciando estava em surto.

Nos transtornos do humor (F30 e F31) ocorre que em alguns casos o sujeito é capaz de desenvolver algumas atividades e não outras. Devido à labilidade do humor há casos em que o sujeito precisa ser aposentado em uma atividade, mas é capaz de se manter trabalhando em outras, o que gera algumas controvérsias na perícia. Sempre que puder, encaminhar o sujeito que se queixa de não suportar a atividade laborativa que exerce, para a readaptação de função.

 

F32; F33 – Episódio Depressivo e Transtorno depressivo recorrente.

Nestes casos avaliar se o sujeito apresenta:

1)      Franca queixa de falta absoluta de disposição para fazer suas coisas (o indivíduo vai exemplificar como se ele fosse um carro sem gasolina, ele quer andar mas não consegue).

2)      Queixa de humor depressivo e falta de motivação. Periciando refere que tudo lhe parece ruim, apenas consegue perceber os aspectos negativos da realidade.

3)      Anedonia. Periciando se queixa de que não vê graça em nada da vida. Falta de prazer para qualquer atividade.

4)      Alterações do sono e/ou do apetite e/ou da auto-estima devem acompanhar o quadro clínico.

 

F34 – Transtornos Persistentes do Humor

Não cabe licença médica por se tratar de transtorno persistente (caracteropatia). Nesses casos a condição deveria ter sido analisada no exame de ingresso e ter sido verificada a condição da personalidade em função da atividade a ser executada.

 

Hilda Morana


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