Volume 12 - 2007 Editor: Giovanni Torello |
Junho de 2007 - Vol.12 - Nº 6 Artigo do mês Considerações Diferenciais em torno da Etiopatogenia da Depressão e da Melancolia PEDRO ARMELIM ALMIRO[1] Resumo No presente trabalho serão focados os principais
aspectos etiológicos da depressão e da melancolia na perspectiva psicanalítica.
Como se sabe, estas perturbações apresentam uma sintomatologia similar, apesar
da sua etiologia psíquica assumir formas distintas. Com recurso às
interpretações de Freud, M. Klein, Bergeret e Coimbra de
Matos sobre a etiopatogenia de ambas, pretende-se aqui integrar as
diversas contribuições teóricas e clarificar os aspectos psíquicos subjacentes
a estas patologias, com especial atenção à melancolia. Introdução A depressão e a melancolia são perturbações que estão
indubitavelmente associadas. Primeiro, porque as suas características clínicas
são muito similares, ou seja, a sua fenomenologia assume contornos que são muitas
vezes confundíveis para o clínico. Por outro lado, o facto do termo depressão ter
emergido das concepções freudianas de melancolia, requer uma distinção clara das
suas etiologias. Por último, o termo melancolia, que na teoria psicanalítica
designa uma perturbação mental de natureza depressiva com características muito
específicas, é comummente utilizado na linguagem corrente como um sinónimo de
depressão. Por estas razões, entendemos ser pertinente centrarmo-nos nestas
questões. 1. Conceptualizações sobre a
Depressão De acordo com BALLONE (2002), a depressão é um termo
que surgiu na psiquiatria muito recentemente, distinguindo-se da melancolia, que
se pode referir a um sintoma – ao humor negativo breve –, a uma doença – a um
conjunto interrelacionado de sintomas e de experiências –, ou pode ainda
designar um síndrome – aos sintomas psíquicos e somáticos que se organizam num
quadro clínico. A depressão como um sintoma constitui-se numa reacção
transitória face a contrariedades vivenciadas pelo sujeito como fracassos,
desapontamentos e rupturas. Os estados de humor negativo breves fazem parte das
perturbações emocionais, mas não de forma exclusiva. Apesar da depressão como
um sintoma ter uma tonalidade negativa e de ser desagradável para o sujeito, ela
é normativa e adaptativa no confronto do sujeito com os agentes stressores.
Além disso, estes períodos depressivos são pouco duráveis e desaparecem com facilidade.
A perturbação por eles causada não é significativa ao ponto de afectar o
equilíbrio do indivíduo, sendo este capaz de os ultrapassar; é uma reacção
pouco intensa. Pelo contrário, o “síndrome” depressivo caracteriza-se
pela sua persistência na afecção do humor, e os seus sintomas são duradouros e
incapacitantes. Como refere Fernandes da
Fonseca (1988, p.111), «a depressão apresenta-se, assim, do ponto de
vista sindromático, como uma estrutura de complexidade variável, susceptível de
agrupar sintomas psíquicos e somáticos, e cuja designação pode corresponder a
situações psicofisiológicas e clínicas de diversa natureza e intensidade; o
termo “depressão” pode servir, então, para designar, umas vezes, um estado de
ânimo (indivíduo que se sente triste), outras vezes um quadro clínico
(categoria etiopatogénica ou nosográfica) e, outras ainda, uma maneira de ser e
de sentir (personalidade depressiva)». A sintomatologia da depressão é muito variada e tem
uma expressão subjectiva. Existe, segundo Ballone
(2002), uma tríade de sintomas básicos que são fulcrais na compreensão da sua fenomenologia:
o sofrimento moral, a inibição global do organismo e a redução do campo
vivencial. O sofrimento moral é uma consequência da auto-estima baixa,
constituindo um fenómeno marcante e desagradável na trajectória depressiva.
Trata-se de um sentimento de auto-depreciação, de auto-acusação, de
inferioridade, de incompetência, associado a culpa, rejeição, fraqueza,
fragilidade. Por sua vez, a inibição global do organismo caracteriza-se por uma
lentificação dos processos psíquicos e físicos na sua globalidade – astenia, apatia,
desinteresse e falta de motivação (repercute-se na dificuldade em suportar
tarefas elementares do quotidiano e em tomar decisões). A redução do campo
vivencial, por fim, diz respeito à anedonia, que se caracteriza pela perda
progressiva do prazer do sujeito em tarefas que anteriormente eram aprazíveis. Como refere Fernandes
da Fonseca (1988), o sintoma predominante em todos os quadros
depressivos é a denominada tristeza
patológica, que se caracteriza por um estado patológico de abatimento
associado à perda dos impulsos e do interesse. Nos quadros clínicos de
depressão, essa tristeza assume características muito similares às da tristeza
normativa, pelo que a sua origem remete sempre para a confrontação com
acontecimentos de vida negativos (fontes de stress).
No entanto, o que as distingue é o prolongamento temporal e a intensificação
dos sintomas. A tristeza patológica é a consequência de um conjunto de conflitos
latentes que operam na estrutura psicológica do sujeito (tristeza vital), ou
que são sustentados por uma reacção exagerada da sua personalidade precipitada
por acontecimentos de vida (reacção vivencial). A tristeza neurótica e a
tristeza reactiva constituem o que BALLONE (2002) denomina por sofrimento
moral. 2. Depressão e Melancolia Embora a melancolia e a depressão apresentem uma
sintomatologia homóloga, a sua etiologia psíquica assume contorno muito distintos,
quer devido ao quadro sintomatológico que as caracteriza, quer devido aos
processos psíquicos que as regulam (GRINBERG, 2000; MénéCHAL, 2002; AMARAL, 1997). As perspectivas psicanalíticas da depressão
focalizam-se na perda, real ou imaginária, do objecto amado, em consequência da morte, separação ou rejeição do
mesmo, real ou simbólica (Bergeret,
2000; MénéCHAL, 2002). Num ensaio denominado Luto e Melancolia, SIGMUND FREUD (1917) referiu que na depressão,
após a perda do objecto, os sujeitos se tornam frequente e injustificadamente
autocríticos, nutrindo sentimentos de raiva em relação a si próprios. Eles definem-se
como inúteis, sem valor, mostram-se inadequados e incriminam-se pela situação
de perda. Nas suas próprias palavras: “os traços mentais distintivos
da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse
pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e
qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de
encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa
expectativa delirante de punição. Esse quadro torna-se um pouco mais
inteligível quando consideramos que, com uma única exceção, os mesmos traços
são encontrados no luto. A perturbação da auto-estima está ausente no luto;
afora isso, porém, as características são as mesmas”. Neste texto, o autor aponta para a necessidade de
clarificar o conceito de melancolia, uma vez que esta, na sua concepção,
assumia várias formas clínicas. A sua integração no conceito de melancolia não
estaria devidamente delineado, nem mesmo pela psiquiatria descritiva (FREUD, 1917, 1957). Braconnier (2000, pp.144-145) refere que «o objecto
surge na teoria freudiana a propósito dos efeitos da sua perda; (…) a relação
que liga o objecto à melancolia constitui também uma perda para o Ego; isto
mostra bem que o Ego é alimentado pelo objecto, que faz parte da sua estrutura,
ao ponto que esse Ego possa querer suprir essa carência – na altura da perda –
identificando-se com ele». Com efeito, o sujeito deprimido tenta lidar com a perda
do objecto perdido introjectando-o simbolicamente como se de uma parte do Ego
se tratasse, experienciando continuamente sentimentos de carácter ambivalente:
o sujeito pode amar um objecto perdido, mas, simultaneamente, sentir ira em
relação a ele. No entanto, quando tal acontece, os sentimentos negativos
associados ao objecto tornam-se voltados para o Ego, sendo que o factor crucial
é a raiva internalizada e o evento desencadeante a perda do objecto (Freud, 1917, 1957; M. Klein, 1968). Numa outra perspectiva, M. Klein (1969) afirma que pensar a depressão em termos de
relação objectal implica equacioná-la de acordo com a qualidade da relação
materna durante o primeiro ano de vida, pelo que a trajectória tomada no
desenvolvimento do aparelho psíquico assume um papel fulcral. Na posição esquizoparanóide (0-4 meses), o
seio materno é o primeiro objecto pulsional e reveste-se de grande valor
afectivo, permitindo ao bebé projectar simultaneamente na mãe sentimentos de
ódio e de amor, conforme ela satisfaz ou não os seus desejos. Por meio da clivagem, a criança divide o seio
materno em bom e mau objecto. O bom seio
é aquele que satisfaz as suas necessidades e que é investido positivamente,
como fonte de amor, segurança, preservação e bem-estar. Ao invés, o mau seio é aquele que constitui uma
fonte de frustração, decepção e ameaça, suscitando ódio e uma raiva de
destruição. Assim, a ambivalência ódio-amor projectada num mesmo
objecto vai determinar a qualidade da relação mãe-filho que, através do bom ou
do mau objecto, é explicada pela dualidade do sistema pulsional no qual
coexistem pulsões opostas: as pulsões amorosas positivas (Eros) e as pulsões de destruição negativas (Thanatos). Como consequência da clivagem do seio, o bebé vive num
mundo eminentemente ameaçador e de natureza conflitual, que advém da não-consciencialização
global dos objectos pulsionais. Estes aparecem-lhe de forma parcial, não só
devido ao facto do objecto se apresentar clivado, como também por causa do seu
Ego se encontrar ainda clivado nesta fase. Deste modo, a consolidação da diferenciação psíquica,
característica da posição esquizoparanóide, consiste em tirar para fora de si
os maus objectos e incorporar em si os bons, permitindo-lhe aceder à posição depressiva (4-12 meses). Tal
processo é possível através da projecção
e da incorporação-introjecção.
Contudo, se a incorporação se der em relação ao mau objecto, o tipo de angústia
é o de fragmentação, uma vez que o bebé sofre uma ameaça da pulsão de morte –
este é precisamente o processo que caracteriza a melancolia. Na posição
depressiva, a criança consciencializa-se de que a mãe é um ser diferente
dela, que é total e autónoma, e como tal existe a possibilidade de a perder –
este é um processo que tem lugar por meio de uma diferenciação nas representações
do Self e da mãe. O sentimento de
ameaça de perda e a instabilidade que se gera em torno da principal relação
afectiva constitui a principal fonte de angústia; daí que o desmame e as
separações sejam causadores de um sofrimento insuportável, instaurando nela o
medo de perder o objecto amado – a mãe
fantasmatizada. Nesta fase de desenvolvimento, a criança apercebe-se da
inevitável precariedade da relação objectal e vive os fantasmas de abandono e
de separação (M. Klein, 1968,
1969; SEGAL, 1975; Braconnier,
2000; Richard, 2001). Por conseguinte, M.
Klein (1969, 1996) sugere que, quando a experiência infantil com a mãe
não promove sentimentos de bem-estar, de amor e de segurança, a criança torna-se
incapaz de ultrapassar a ambivalência face aos objectos amados. Tal facto
impele para um risco iminente de experienciar um episódio depressivo, já que a
predisposição para a depressão resulta do fracasso precoce em ultrapassar os
medos depressivos e as ansiedades, bem como em estabelecer um bom nível de auto-estima. De acordo com DUBOR (1998), existem dois estilos
educativos que podem originar o funcionamento patológico referido por M. KLEIN
(1969): um, caracterizado por uma mãe hiperprotectora, que não permite à
criança aceder ao desejo, uma vez que ela (a mãe) está sempre presente, provocando
na criança uma supressão da motivação para o atingir; outro, caracterizado por
uma mãe ausente, que não permite à criança ligar “a espera penosa e as
representações do objecto desejado”. 3. Estrutura Melancólica da
Personalidade e Depressão Como refere Jean
Bergeret (2000), a estrutura
melancólica da personalidade é intermediária em relação à estrutura esquizofrénica e à estrutura paranóica. Contudo, a
melancolia ocupa um lugar completamente à parte da classificação estrutural psicótica, na medida em que a sua
etiologia é bem distinta da das perturbações psicóticas – estas asserções
baseiam-se na sua Teoria Estrutural da Personalidade, em que o autor distingue
personalidade psicótica e personalidade neurótica, referindo o conceito de
estrutura da personalidade (cf. BERGERET, 2000). A estrutura melancólica é caracterizada por uma
deterioração regressiva referente em simultâneo ao Ego e à libido, o que a
diferencia das estruturas esquizofrénica e paranóica que consistem numa fixação
arcaica no Ego e na libido. A melancolia corresponde, do ponto de vista tópico, a
uma falha do Ego e a uma falha do Ideal do Ego conjuntamente. Do ponto de vista
económico, ela implica uma regressão, como consequência da activação da falha narcísica,
aos estados pré-genitais oral e anal. E o tipo de angústia que a caracteriza é
a angústia de fragmentação
(caracterizadora das psicoses), mas esta conserva ainda elementos da sua
evolução anterior como a ansiedade anaclítica e fóbica. Neste sentido, o
sentimento de que o objecto está perdido constitui agora uma ameaça imediata de
fragmentação, enquanto que na fase posterior (não psicótica) a angústia se
refere ao risco de perda de objecto – esta caracteriza a depressão (DUBOR,
1998; CHARTIER,
1998; Bergeret,
2000; Braconnier, 2000; Ménéchal, 2002). Bergeret (2000, p.91) enfatiza que na melancolia «os
mecanismos de defesa são representados primeiro (…) pela recusa da realidade, mas uma recusa secundária de uma parte da
realidade que já tinha podido ser reconhecida anteriormente, antes de se
encontrar defensivamente recusada quando a estruturação psicótica, na última
fase, se revelou completamente acabada; a introjecção
veio então apoiar a recusa; (…) os
fantasmas estão ligados ao luto do objecto, luto impossível de realizar, e aos
afectos agressivos que acompanham a introjecção». A depressão
caracteriza-se, contrariamente à melancolia, pela possibilidade do sujeito
realizar o trabalho de luto, o qual,
como foi referido por Freud (1917,
1957), depende crucialmente do teste de realidade. Durante o luto, é necessário
um certo tempo para que o comando do teste de realidade seja executado
convenientemente. Quando este estiver concluído, o Ego terá conseguido libertar
a sua libido do objecto perdido, sendo que as lembranças e expectativas que
ligam a libido ao objecto, que eram hiper-investidas, são trazidas à tona,
obtendo-se então um desligamento da libido em relação a ele. Esta posição é partilhada por M. Klein (1996, 1969), mas a autora acrescenta que, além da
ligação íntima entre o teste de realidade e o luto, existe também uma ligação
profunda entre estes e os processos arcaicos da mente. Isto porque a criança
passa por estados mentais comparáveis ao luto do adulto, onde o teste de
realidade se constitui num método fulcral que ela emprega para superar os seus
estados de luto. Com efeito, no melancólico, o luto arcaico será sempre
revivido ulteriormente (Grinberg, 2000). Freud (1917) refere que a melancolia se constitui também
como uma reacção à perda de um objecto amado, mas esta difere por se tratar de
uma perda imaginária onde o objecto talvez não tenha realmente desaparecido,
mas sim que esteja perdido enquanto objecto de amor. Embora a perda seja
factual, não é possível saber claramente o que foi perdido, sendo que o sujeito
não pode receber conscientemente o que perdeu. Isto porque a melancolia está relacionada
com uma perda objectal retirada da consciência. No luto, nada existe de
inconsciente a respeito dessa perda. Por conseguinte, na depressão verifica-se que a
inibição e a perda de interesse são plenamente explicadas pelo trabalho do luto
no qual o Ego é absorvido, enquanto que na melancolia a perda desconhecida
resultará num trabalho interno semelhante responsável pela inibição
melancólica. A diferença consiste no facto da inibição do melancólico ser
obscura, uma vez que não é possível ver o que é que está na origem desta
absorção do Ego. Na melancolia, existe uma diminuição maciça da auto-estima, um
empobrecimento do Ego, que não está presente no luto, isto porque, enquanto que
no luto é o mundo que se torna pobre e vazio, na melancolia é o próprio Ego que
é pobre e vazio. 4. Aspectos Diferenciais da
Etiologia Depressiva Como refere Coimbra
de Matos (2001), a depressão, do ponto de vista dinâmico, deve ser
considerada como uma depressão reactiva,
a depressão normal, ou o fenómeno de luto, que se caracteriza pela reacção de
uma personalidade de estrutura genital ou pós-edipiana à perda de um objecto
privilegiado. Esta está associada à depressibilidade
do sujeito e é sinal de saúde mental. A depressibilidade
é um conceito definido por este autor e traduz a qualidade do sujeito de se
poder deprimir, de ser depressível, isto é, de ser capaz de fazer o trabalho de
luto. Pode ser uma depressão
patológica, a qual nem sempre atinge o grau psicótico da melancolia, a sua
problemática é expressa pela natureza narcísica dos laços objectais que
sustentam a depressão: o objecto é investido pela libido narcísica, tratando-se de um objecto narcísico, o que se
repercute numa intolerância e susceptibilidade intensa à perda do amor e da
protecção desse objecto. A angústia caracteriza-se pelo facto do sujeito sentir
que, ao perdê-lo, de forma real ou imaginária, se destaca e se afasta de uma
parte essencial de si mesmo, uma vez que o objecto é um prolongamento do
próprio Ego – depressão narcísica. A desfeita narcísica provoca um sentimento
de humilhação e de raiva, que desencadeia, por sua vez, uma atitude de
afastamento ou abandono do objecto de amor (de investimento narcísico, mais do
que libidinal), instalando-se um estado depressivo no sujeito, que tende para a
cronicidade. Esta depressão não é causada por uma perda acidental, não tem o
tom do afecto do luto nem a culpabilidade da depressão melancólica ou do luto
patológico. Trata-se de uma dor psíquica, de uma “ferida” que corrói a
auto-imagem e a auto-estima. A denominada depressividade reflecte um conflito com
os “introjectos”, acarretando «uma constante situação de esmagamento do Self e esgotamento do Eu (…)» (p.47) num
esforço defensivo contínuo para não se deixar deprimir. Este tipo de depressão
é o que caracteriza a personalidade borderline. Discussão e Conclusão A literatura científica centrada na nosografia das
perturbações do espectro depressivo não deixa transparecer os aspectos
diferenciais, de natureza etiopatogénica, que se encontram subjacentes à
depressão e à melancolia (cf. DSM-III, 1980; DSM-III-R, 1987; DSM-IV-TR, 2002; ICD-10,
1992). Neste sentido, as designações de Depressão Psicótica e Depressão Neurótica
são as que melhor se ajustam a esta problemática, apesar de actualmente não
serem adoptadas. A Depressão Psicótica tem sido denominada por
endógena, endogenomórfica, melancólica, biológica ou nuclear, e enfatiza os
aspectos hereditários da depressão. Trata-se de um tipo de depressão mais
severa e persistente, onde a preponderância dos sintomas biológicos é evidente.
A Depressão Neurótica, por sua vez, tem sido mencionada como reactiva, ansiosa
ou como uma depressão decorrente das personalidades perturbadas; é mais
moderada e desenvolve-se por uma reacção aos factores de stress ambientais e a partir das vulnerabilidades inerentes à
personalidade (Bucher, 1979; Paykel,
1985; Amaral, 1997, Ballone, 2002). De facto, o que as perspectivas psicanalíticas nos
fornecem é uma caracterização etiológica das perturbações depressivas, onde a Depressão
Psicótica engloba a melancolia e as depressões bipolares (anteriormente
denominadas apenas por psicose maníaco-depressiva), na sua fase depressiva (oposta
à fase de mania) (DUBOR, 1998; MénéCHAL,
2002; ASsoun, 2002) – no DSM-IV-TR, a natureza desta fase depressiva,
presente nas Perturbações Bipolares, é indiferenciada da da Perturbação Depressiva
Major, uma vez que o que a caracteriza é simplesmente a presença de um ou mais
Episódios Depressivos Major (que no caso das Perturbações Bipolares se associa à
presença de um ou mais Episódios Maníacos, Hipomaníacos ou Mistos) –, e a
Depressão Neurótica as depressões reactivas, originadas a partir de
acontecimentos indutores de stress
(acontecimentos de vida negativos), que remetem para os quadros depressivos sob
a denominação de Perturbações do Humor no DSM-IV-TR, bem como para a
sintomatologia depressiva associada às Perturbações da Personalidade (assumindo
neste último caso outros contornos) (DUBOR, 1998; CHARTIER, 1998; MénéCHAL, 2002; APA, 2002). Para concluir, na perspectiva desenvolvimental de M.
KLEIN a melancolia tem a sua origem na fase final da posição esquizoparanóide
(0-4 meses), utilizando mecanismos de defesa mais arcaicos do que a depressão, mas
não tão arcaicos como os das psicoses – estrutura melancólica –, enquanto que a
depressão se originaria apenas a partir da posição depressiva, em que já há uma
diferenciação nas representações do Self
e da mãe e, por consequência, um medo de perder o objecto de amor – estrutura
neurótica. Bibliografia Amaral, A. (1997). Alterações circadianas na depressão. Dissertação de Mestrado, não
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Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol.XIV, 1914-1916,
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