Volume 11 - 2006
Editor: Giovanni Torello

 

Abril de 2006 - Vol.11 - Nº 4

História da Psiquiatria

APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA MINEIRA Á LUZ DAS SUAS PUBLICAÇÕES.(I)

Walmor J. Piccinini


Introdução

Há cerca de dez anos iniciamos um trabalho de coleta de tudo que os pesquisadores na área da saúde mental publicaram em livros, revistas especializadas e revistas médicas em geral. Iniciamos com os trabalhos escritos por psiquiatras, depois incluímos psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros. Esse material, reunido sob o nome de Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria, pode ser encontrado em:

http://biblioserver.com.br/walpicci

A reunião persistente desse material tem nos permitido construir a História da Psiquiatria Brasileira. Além da visão geral da história, vamos construindo uma idéia de como ela se processou nos Estados brasileiros. Já publicamos material sobre o Rio Grande do Sul, sobre Pernambuco e sobre vultos da psiquiatria brasileira. Todo esse material pode ser examinado em http://www.polbr.med.br

Nesse artigo, que desenvolveremos por partes, vamos mergulhar na História da Psiquiatria em Minas Gerais. Para isso utilizamos o livro de J.A.Moretzsohn, História da Psiquiatria Mineira. 1989. Ed.Coopmed. Artigos on-line, teses e outras fontes.

Associações Psiquiátricas em Minas Gerais

Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais
Presidente: MERCEDES JUREMA DE OLIVEIRA ALVES
Endereço: AV. DO CONTORNO 5351 - SALA 712 - CRUZEIRO
30110-100 - BELO HORIZONTE - MG
Telefone institucional: (31) 3248-9785/9786
Telefone consultório: (31) 3227-6710
Residência: (31) 3291-9487
Celular: (31) 9981-8517
E-mail: [email protected]
Site: http://www.aap-mg.org

Associação Mineira de Psiquiatria
Presidente: MAURICIO LEÃO REZENDE
Endereço: AV. JOÃO PINHEIRO, 161 - CENTRO
30130-180 - BELO HORIZONTE - MG
Telefone institucional: (31) 3213-7457
Telefone consultório: (31) 3261-1850
Residência: (31) 3344-8483
Celular: (31) 9613-7708
E-mail: [email protected]

Associação Psiquiátrica de Juiz de Fora - APJF
Presidente: SÍLVIO DE OLIVEIRA
Endereço: RUA OSCAR VIDAL Nº 150 - SALA 302 - CENTRO
36010-060 - JUIZ DE FORA - MG
Telefone institucional: (32) 3218-7610
Fax: (32) 3212-5877
Telefone consultório: (32) 3215- 9113/6298
Residência: (32) 3215-8389
Celular: (32) 9987-9186
E-mail: [email protected]

Sociedade de Neuropsiquiatria de Minas Gerais
Presidente: ALMIR RIBEIRO TAVARES JÚNIOR
Endereço: RUA. DOS OTONI, 909 / 1001 - SANTA EFIGÊNIA
30150-270 - BELO HORIZONTE - MG
Telefone institucional: (31) 3273-0606
Fax: (31) 3274-0795
E-mail: [email protected]

A ordem de apresentação das entidades é a mesma que aparece na página da Associação Brasileira de Psiquiatria. Em termos históricos, a Associação Mineira de Psiquiatria é a mais antiga.

O atendimento ao doente mental em Minas Gerais começou antes da existência de psiquiatras e, diferentemente da maioria dos outros estados, onde as Santas Casas dominavam a assistência, o Estado de Minas Gerais assumiu o encargo de guarda e atendimento. Em vários artigos há referência a atendimento aos loucos nas enfermarias das Santas Casas de Diamantina e São João Del Rei. Depois da inauguração do Hospício Pedro II em 1852, para lá eram encaminhados os doentes mineiros. Os menos aquinhoados eram recolhidos as cadeias públicas ou perambulavam pelas ruas. A pressão da opinião pública fez com que as forças políticas se movimentassem para criar um local de tratamento. Desses tempos protopsiquiátricos alguns nomes se destacam: Antônio Gonçalves Gomide (1770-1835), nascido na cidade de Piranga, estudante no Seminário Diocesano de Mariana e diplomado em Medicina pela Universidade de Edimburgo. O segundo nome citado é o do Dr. Josephino Santa Rosa (1878-1950), formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e sua tese de doutoramento foi sobre "Neuroses Femininas". O terceiro nome é o do Dr. Joaquim Antonio Dutra, também formado na Fac. De Medicina do Rio de Janeiro e tornou-se o primeiro diretor do Hospício de Barbacena em 15 de junho de 1903.

Legislação Psiquiátrica em Minas Gerais

1. Lei N. 290 de 16 de agosto de 1900.
"Crea no Estado a Assistência de Alienados e contém outras disposições a respeito".
Decreto de N.1.579 A - de 21 de Fevereiro de 1903. (Approva o regulamento que organiza a Assistência de Alienados).
Cap.I. artigo1.- Fica criada na cidade de Barbacena, com uma Colônia Anexa que a completa, destinada a receber os habitantes do Estado que, por motivo de alienação mental, carecerem de tratamento - Lei 290, de 16 de agosto de 1900.
2. Lei N.778 de 16 de setembro de 1920. Autoriza o poder executivo a Reformar os serviços de Assistência a Alienados e dá outras providências. Através dessa lei é criado um pavilhão neuropsiquiátrico anexo a Faculdade de Medicina. Em 19 de agosto de 1924 passa a chamar-se Hospital Raul Soares. Decreto N.6.169 - De 31 de agosto de 1922. "Regulamento Afonso Penna"
3. Lei N. 961 reorganiza os serviços sanitários do Estado. Decreto N.7.556 Cria um Hospital Psychiatrico na cidade de Oliveira. Decreto N.10.556 Crea a Inspetoria Geral de Assistência Hospitalar e de Alienados; dá outras providências.
Segundo J. A. Moretzsohn: "As normas assistenciais introduzidas pelo Presidente Bernardes e modificadas pelo Presidente Antonio Carlos perduraram até 1932. Naquele ano a Assistência Psiquiátrica que, inicialmente, fora subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior" e depois á "Secretaria de Estado de Segurança e Assistência Pública", tornou-se subordinada á "Secretaria de Educação e Saúde Pública", que fora criada em 1928. O decreto 10.556 do Presidente Olegário Maciel criando a Inspetoria Geral de Assistência Hospitalar já subordinada a Secretaria de Educação e Saúde Pública, trouxe a psiquiatria para área muito mais adequada às suas finalidades e, ao mesmo tempo, a dotando de um órgão normativo específico.(1)
Decreto 11.165, de 23 de dezembro de 1933, do Interventor Benedicto Valladares Ribeiro transforma a Inspetoria em Diretoria.
Decreto N. 11.276 de 27 de março de 1934, estabelece o "Regulamento da Assistência Hospitalar do Estado de Minas Gerais".
A Diretoria de Assistência Hospitalar foi o órgão central e coordenador a Assistência Psiquiátrica do Estado desde sua criação até a criação do Departamento Estadual de Saúde em 1946. Decreto Lei N.1724 de 29 de abril de 1946. Dá autonomia e nova denominação á Diretoria de Saúde Pública. (Reforma Alvino de Paula).
Em 1948, o Governador Milton Soares Campos cria a Secretaria de Estado da Saúde, sendo seu primeiro titular o Professor J.Baeta Viana (1894-1967).
Em 1968 a Lei N. 4.963- de 25 de setembro de 1968 autoriza o Poder Executivo a instituir a Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica com sede em Belo Horizonte e dá outras providências.
Em 1995, no dia 15 de janeiro, foi sancionada a lei 11.802. Essa lei dispõe sobre a promoção da saúde e da reintegração social do portador de sofrimento mental: determina a implantação de ações e serviços de saúde mental substitutivos aos hospitais psiquiátricos e a extinção progressiva destes; regulamenta as internações especialmente a involuntária e dá outras providências. O texto completo da lei e as que a sucederam pode ser encontrado em:

www.abpbrasil.org.br/legislacao/publicacoes/legislaçao.pdf

Em 1 de dezembro de 1997 é promulgada pelo governador uma lei mais restritiva a hospitalização psiquiátrica.
O Decreto 42.910 de 26 de setembro de 2002, estabelece que sofrimento mental compreende as patologias e condições relacionadas no CID-10. Reitera a proibição de novos leitos psiquiátricos em ambiente fechado e esclarece a situação da internação voluntária e a da involuntária.

Leis defendendo teorias e técnicas de tratamento psiquiátrico.
O exame das leis, que regeram a psiquiatria mineira, nos últimos cem anos, mostra algumas características comuns que vamos examinar:
1. Uma idéia de legislar sobre métodos e ações terapêuticas. A Lei 290 de 1900 que cria a assistência aos alienados, estabelece que deveria existir um pavilhão de observação dos indivíduos suspeitos, um gabinete electro-therápico e oficinas, quando necessárias e á juízo do governo. Supõe-se que existisse um apaixonado pela eletroterapia entre os legisladores e convém esclarecer que o eletrochoque ainda não havia sido inventado, isso ocorreu em 1938.
2. O decreto n.1579 que regulamentou a lei estabeleceu normas precisas: deveria existir um médico para cada cem pacientes e seriam escolhido entre os que tivessem reconhecida e manifesta capacidade profissional referente a especialidade "moléstias mentaes". Nas suas atribuições deveriam visitar os pacientes diariamente às 8 horas da manhã. Além de outras tarefas cabia ao médico realizar a autópsia dos seus pacientes. No regulamento estão previstas as licenças para reintegração familiar. Era atribuição própria do diretor conforme o artigo 55, para manter a ordem poderia recorrer a privação de visitas, passeios ou quaisquer distrações, Determinar a reclusão solitária. Collete de forças e a céllula (quarto fechado).
3. Em 1920, o Presidente do Estado, Dr. Arthur da Silva Bernardes na sua proposta para criar um Pavilhão Neuro-psychiatrico anexo a Faculdade de Medicina, destacava a precariedade das condições do Hospício de Barbacena: "Temos de transformar a Assistência de Barbacena, de simples depósito de loucos ou asylo prisão, baldo dos mais elementares recursos therapeuticos, em um hospital de tratamento, onde os doentes, como nos demais hospitaes, possam recuperar a saúde e a liberdade."
4. O Regulamento Affonso Penna (Decreto 6.169 de 31 de agosto de 1922), defende a Reforma systemática e integral da Assistência aos Alienados em Minas Gerais e que seria uma exigência do grau de civilização que temos atingido (sic). Desaparece do Regulamento a eletroterapia e surgem as idéias eugênicas. No artigo 8 #2. Os diretores dos estabelecimentos poderão instituir conferencias públicas, mensaes, sobre assumptos de eugenia, feitas em linguagem simples e destinadas a apurar as qualidades da raça, obstando a degeneração. A proporção de médico por pacientes continuava de 1 para 100. Nas Colônias era de 1 para 200. Nas atribuições do médico-alienista constava a necessidade de, em 15 dias, apresentar um laudo escrito justificando a permanência do doente internado.
A internação de urgência poderia ser feita por dez dias, findo o prazo, o médico deveria justificar a permanência ou não do mesmo. Ficava aberta a possibilidades de médicos estranhos ao estabelecimento, que attestem o seu estado de alienação mental. O internamento voluntário deveria ter um documento assinado pelo doente e por duas testemunhas idôneas. No documento deveria constar a declaração do tempo durante o qual deseja ficar internado.
Das disposições gerais constam algumas curiosidades: A entrada á noite no pavilhão das mulheres é proibida, os médicos poderão atender emergências graves em casos excepcionais. Nenhum funcionário poderá por doente a seu serviço particular. No artigo 147 - o enfermo de alienação mental poderá ser tratado em domicilio, sempre que lhe forem administrados os cuidados necessários.Se após dois meses o paciente não melhorar, o fato deverá ser comunicado a autoridade competente, com todas as ocorrências relativas á moléstia e ao tratamento empregado. No artigo 153 - Haverá ação penal por denuncia do ministério público em todos os casos de violência e atentados ao pudor praticados nas pessoas dos alienados. Artigo 156 - É proibido manter alienados em cadeias públicas ou entre criminosos.
No Decreto n. 11. 276. Aprova, o Regulamento da Assistência Hospitalar de Minas Gerais. O regulamento é extenso e meticuloso. Chamou-nos a atenção alguns parágrafos como o 3 do Capítulo III. -Só se tornará efetiva a internação na parte fechada do estabelecimento, depois de provada a doença mental do paciente ou a impraticabilidade no serviço aberto, do tratamento que a preliminar observação do caso determinar. Diversos parágrafos mostram uma preocupação em preservar os doentes de abusos, seja de médicos, familiares ou outros interessados.
A Lei 11.802 de 18 de janeiro de 1995.
Dispõe sobre a promoção da saúde e da reintegração social do portador de Sofrimento mental: determina a implantação de ações e serviços de saúde mental substitutivos aos hospitais psiquiátricos e a extinção progressiva destes. Regulamenta as internações, especialmente as involuntárias e dá outras providências. Defende o direito ao tratamento.
Propõe recursos alternativos ao hospital psiquiátrico:
- ambulatório.
- Serviços de emergência psiquiátrica em Pronto Socorro Geral e centros de referência.
- Leitos em unidades de internação psiquiátrica em hospitais gerais.
- Serviços especializados em regime de hospital-dia e hospital-noite.
- Centros de referência em saúde mental.
- Centros de conveniência.
- Lares e pensões protegidas.
- Medicação com fins terapêuticos. São proibidas práticas terapêuticas biológicas, salvo as exceções.
- Junta médica para decidir a necessidade do procedimento.
A idéia que as medicações não sejam com fins terapêuticos deve ter sido a lembrança que na antiga União Soviética os psicotrópicos eram utilizados para dominar os dissidentes. Em decorrência disso a psiquiatria da antiga URSS foi banida do convívio com as demais sociedades psiquiátricas. Em 1977, no Congresso Mundial, foi aprovada a Declaração do Havaí, proibindo o uso político de drogas. Minas Gerais colocou em lei uma determinação semelhante.
O artigo 5 estabelece que: Fica vedado o uso de celas-forte, camisas de força e outros procedimentos violentos e desumanos em qualquer estabelecimento de saúde pública ou privado.
O artigo 6. São proibidas as psicocirurgias.
O artigo 9. A internação psiquiátrica será o último recurso.
Em cinco (5) anos os hospitais seriam reavaliados.
Em três (3) anos deverão ocorrer a desinstitucionalização de todos os pacientes
A Lei de 12.684 de 1 de dezembro de 1997.
Amplia as restrições quanto à criação de leitos psiquiátricos, inclusive particulares. Proíbe a contratação de leitos pelo setor público. Estabelece critérios para uso da eletroconvulsoterapia.. Permite a restrição física obedecendo a determinados critérios.
O Decreto 42.910 de 26 de setembro de 2002.
Estabeleceu que "sofrimento mental" corresponde as patologias e condições relacionadas no CID-10.
Reitera a proibição de novos leitos psiquiátricos em ambiente fechado.
Estabelece critérios sobre internação voluntária e involuntária.
Essa legislação psiquiátrica obedece a uma orientação nacional de determinado grupo ideológico e resultou em grandes debates em todo Brasil e, particularmente em Minas Gerais.
Como já apontamos no exame das legislações anteriores, a idéia de colocar em lei, o exercício profissional de uma especialidade é uma forma de manietá-la ao sabor de idéias do momento.

Voltando a história, observamos os seguintes fatos:

O Instituto Neuro_Psychiatrico de Belo Horizonte foi planejado e construído sob a orientação do Professor Álvaro de Barros e foi inaugurado em 7 de setembro de 1922. Em 19 de agosto de 1924 passou a ser chamado Instituto Neuro-Psychiátrico Raul Soares, em homenagem ao Presidente do Estado falecido naquele mesmo ano. O Diretor do Instituto foi o Dr. Alexandre C. Drumonnd auxiliado pelos médicos alienistas Galba Velloso e Sylvio Cunha.
Em 1927 foi fundado o Hospital Psiquiátrico de Oliveira e em 1929 o Manicômio Judiciário de Barbacena.
Em 1931, Helena Antipof, iniciou um serviço de assistência pedagógica que redundou na fundação da Sociedade Pestalozzi, nacionalmente reconhecida como de excelência no atendimento de excepcionais. Em 1948 foi inaugurado o Hospital de Neuropsiquiatria Infantil com 100 leitos. Anexo ao mesmo funcionava o Instituto Pedagógico. No ano seguinte, em 1949, o Hospital de Oliveira foi transformado em colônia destinada exclusivamente a menores. Em 1958 o Dr. Clóvis de Faria Alvim publicou sua tese: "Introdução ao Estudo da Deficiência Mental" (Ed. Itatiaia, BH.). Em 1969 o Dr. Paulo Saraiva publica a tese "Esquizofrenia Infantil". Foi publicada pela Imprensa Oficial do Estado e consta como publicação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais. (Continua).


TOP