Volume 11 - 2006
Editor: Giovanni Torello

 

Dezembro de 2006 - Vol.11 - Nº 12

Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria

Fernando Portela Câmara

Esta coluna resume os principais fatos e novidades veiculadas na Lista Brasileira de Psiquiatria.

Assuntos:

A LBP VISITA PORTUGAL

A LBP visitou o Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos em Lisboa, Portugal, no dia 10 de novembro de 2006, nas pessoas de Giovanni Torello e Fernando Portela Câmara, respectivamente, editor-chefe da Psichiatry On-Line Brazil e co-editor da coluna da LBP (Foto 1).

Foto 1: Da esquerda para a direita, Portela e Giovanni ladeando o busto de Júlio de Matos, fundador do Hospital que hoje leva o seu nome.

Fomos apresentados ao diretor do Hospital, o Dr. Luiz Gamito, que nos mostrou todas as dependências, museu, e, com seu bom humor, nos contou a história do desde sua fundação até os dias de hoje, e as mudanças ocorridas.

O Hospital Júlio de Matos nos impressionou pela sua organização, administração e funcionamento. Na foto 2, abaixo, um dos corredores do hospital, cujo aspecto nos dá uma idéia da atmosfera de tranqüilidade e qualidade de atendimento.

Foto 2: Corredores do HJM. A tranqüilidade solene do ambiente reflete todo o hospital.

            Na ocasião, ocorria uma exposição de pinturas e desenhos dos internos do hospital no hall de entrada. Nosso fotógrafo, o estudante de psicologia Leonardo Cardoso Portela Câmara, fotografou toda a exposição, e abaixo vai uma amostra da mesma para os leitores da POL-Br, e para a curiosidade daqueles que estudam este tipo de material.

 

 

 

 

 

ATUALIZAÇÃO

DESSINCRONIZAÇÃO CORTICAL E SINTOMAS PSICÓTICOS (ESQUIZOTIPIA) ASSOCIADOS AO USO CRÔNICO DA CANNABIS.


A sincronização cortical nas faixas das freqüências beta (15-30 Hz) e gama (30-80 Hz) parece ser importante para a integração e captação da percepção, aprendizagem associativa e atenção consciente. Esta sincronização é promovida em parte por interneurônios GABAérgicos, e encontra-se comprometida nos estados psicóticos, incluindo a esquizofrenia. Skosnik e colaboradores consideram que o uso da cannabis produz alterações no padrão de sincronização neural.  É bem conhecido o fato que cannabis induz sintomas psicóticos e deficit cognitivo em alguns indivíduos, e que receptores canabinóides centrais localizam-se na mesma área dos interneurônios GABAérgicos; além disso, agonistas canabinóides reduzem a atividade oscilatória (40-Hz) do hipocampo in vitro.  


Skonisk e col. examinaram as respostas eletroencefalográficas a estalos auditivos de várias frequência em 17 usuários crônicos de cannabis e 16 não usuários, bem como traços de personalidade esquizotípicas e aberrações perceptuais. Comparado aos controles, os usuários de cannabis demonstraram menores picos espectrais durante a estimulação de 20-Hz (particularmente em certos eletrodos fronto-centrais) e menores taxas sinal/ruído. Usuários também tinham altos escores de personalidade esquizotípica e de aberrações perceptuais. Aqueles usuários com os mais altos escores esquizotípicos tinham os menores picos no EEG para estímulos de 20-Hz.


A correlação entre sincronização alterada e alta esquizotipia em usuários crônicos de cannabis sugere que a dessincronização cortical está implicada tanto no uso da cannabis quanto no aparecimento tardio dos sintomas psicóticos. Indivíduo vuilneráveis à esquizotipia podem ser mais tendentes ao abuso de cannabis e outras substâncias psicose-indutoras. Por outro lado, numerosos mecanismos têm sido propostos para associar o uso de cannabis, déficit de atenção, sintomas psicóticos e dessincronização neural. Contudo, para conectar o uso crônico de cannabis com esquizofrenia clínica, serão necessários estudos prospectivos para mostrar que o abuso de cannabis leva à uma progressiva dessincronização cortical associada à uma progressiva esquizotipia.  


Trabalho citado:

Skosnik PD et al. Psychophysiological evidence of altered neural synchronization in cannabis use: Relationship to schizotypy. Am J Psychiatry 2006 Oct; 163:1798-805.

O SALÁRIO AVILTANTE DO MÉDICO BRASILEIRO

O Estado de São Paulo de 11/12/06, publicou reportagem com o título “Médicos, primos pobres do Estado”, denunciando os baixos salários dos médicos. “Enquanto a nata do Judiciário discute um teto salarial que se aproxima de R$ 30 mil mensais, um médico com doutorado do Hospital das Clínicas, a nata da medicina brasileira, tem um salário-base que vai de R$ 1,4 mil a R$ 1,7 mil mensais. O Estado concede adicionais que produzem uma média final que raramente chega a R$ 4 mil - um sexto do que querem ganhar os procuradores de São Paulo. Mas o forte da remuneração final dos médicos é a gratificação por plantões (R$ 380 cada um, com um máximo de 12 por mês) e a produtividade. Os dois não são pagos nas férias e no 13º salário nem computados no cálculo da aposentadoria”.

O Estadão observou que os médicos “começaram a ser mal remunerados por Estados e municípios na primeira metade da década de 90, quando a universalização da saúde - o SUS - passou a consumir recursos cada vez maiores e os governos perceberam que seria preciso remanejar gastos”.


Um médico no Estado de São Paulo ganha R$ 2.052,35, sem contar os plantões e a produtividade. Um urologista com doutorado, afirmou que seu holerite do Hospital das Clínicas traz todo mês uma remuneração de R$ 1.400 líquidos e os R$ 4 mil só são atingidos com a complementação de uma fundação do HC.


O forte da remuneração são os plantões, que podem render até R$ 4.560 em um mês, mas não se reflete nos pagamentos de férias e do 13º nem é computada para a composição futura das aposentadorias dos médicos.

APROVADA A LEI DO ATO MÉDICO

A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou, por unanimidade,  substitutivo da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) aos projetos de lei dos ex-senadores Geraldo Althoff (PLS 25/02) e Benício Sampaio (PLS 268/02)  que regulamentam o exercício da Medicina.

Lúcia Vânia lembrou que, das profissões de saúde regulamentadas no país, a Medicina é a única que ainda não tem o seu campo de atuação delimitado em documento legal e nem tem determinadas quais atividades devem ser exercidas exclusivamente por médicos.

O empenho da senadora em democratizar o debate e buscar o consenso entre todas as profissões de saúde envolvidas foi elogiado pelos senadores presentes que ressaltaram a importância da matéria.

O PL será apreciado em segundo turno pela Comissão de Assuntos Sociais.

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 268 (SUBSTITUTIVO) , DE 2002

Dispõe sobre o exercício da medicina.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O exercício da medicina é regido pelas disposições desta Lei.

Art. 2º O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza.

Parágrafo único. O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde para:

I – a promoção, a proteção e a recuperação da saúde;

II – a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças;

III – a reabilitação dos enfermos e portadores de deficiências.

Art. 3º O médico integrante da equipe de saúde que assiste o indivíduo ou a coletividade atuará em mútua colaboração com os demais profissionais de saúde que a compõem.

Art. 4º São atividades privativas do médico:

I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica;

II – indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios;

III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;

IV –intubação traqueal;

V – definição da estratégia ventilatória inicial para a ventilação mecânica invasiva, bem como as mudanças necessárias diante das intercorrências clínicas;

VI – supervisão do programa de interrupção da ventilação mecânica invasiva, incluindo a desintubação traqueal;

VII – execução de sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral;

VIII – emissão de laudo dos exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos invasivos e dos exames anatomopatoló gicos;

IX – indicação do uso de órteses e próteses, exceto as órteses de uso temporário;

X – prescrição de órteses e próteses oftalmológicas;

XI – determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;

XII – indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde;

XIII – realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;

XIV – atestação médica de condições de saúde, deficiência e doença;

XV – atestação do óbito, exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico.

§ 1º Diagnóstico nosológico privativo do médico, para os efeitos desta Lei, restringe-se à determinação da doença que acomete o ser humano,aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por no mínimo dois dos seguintes critérios:

I – agente etiológico reconhecido;

II – grupo identificável de sinais ou sintomas;

III – alterações anatômicas ou psicopatológicas.

§ 2º Não são privativos do médico os diagnósticos funcional, cinésio-funcional, psicológico, nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva.

§ 3º As doenças, para os efeitos desta Lei, encontram-se referenciadas na décima revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.

§ 4º Procedimentos invasivos, para os efeitos desta Lei, são os caracterizados por quaisquer das seguintes situações:

I – invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos;

II – invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos;

III – invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos.

§ 5º Excetuam-se do rol de atividades privativas do médico:

I – aplicação de injeções subcutâneas, intradérmicas, intramusculares e intravenosas, de acordo com a prescrição médica;

II – cateterização nasofaringeana, orotraqueal, esofágica, gástrica, enteral, anal, vesical e venosa periférica, de acordo com a prescrição médica;

III – aspiração nasofaringeana ou orotraqueal;

IV – punções venosa e arterial periféricas, de acordo com a prescrição médica;

V – realização de curativo com desbridamento até o limite do tecido subcutâneo, sem a necessidade de tratamento cirúrgico;

VI – atendimento à pessoa sob risco de morte iminente.

§ 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.

§ 7º O disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia

Art. 5º São privativos de médico:

I – direção e chefia de serviços médicos;

II – coordenação, perícia, auditoria e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, a atividades privativas de médico;

III – ensino de disciplinas especificamente médicas;

IV – coordenação dos cursos de graduação em medicina, dos programas de residência médica e dos cursos de pós-graduação específicos para médicos.

Parágrafo único. A direção administrativa de serviços de saúde não constitui função privativa de médico.

Art. 6º A denominação de “médico” é privativa dos graduados em cursos superiores de medicina e o exercício da profissão, dos inscritos no Conselho Regional de Medicina com jurisdição na respectiva unidade

da federação.Art. 7º Compreende-se entre as competências do Conselho Federal de Medicina editar normas sobre quais procedimentos podem ser praticados por médicos, quais são vedados e quais podem ser praticados em caráter experimental.

Parágrafo único. A competência fiscalizadora dos Conselhos Regionais de Medicina abrange a fiscalização e o controle dos procedimentos especificados no caput, bem como a aplicação das sanções pertinentes em caso de inobservância das normas determinadas pelo Conselho Federal.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

CONSENTIMENTO INFORMADO PARA PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS E TERAPÊUTICOS - RESOLUÇÃO 1081/82 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições que lhe confere a Lei n. 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n. 44.045, de 19 de julho de 1958, resolve:

Art. 1º O médico deve solicitar a seu paciente o consentimento para as provas necessárias aos diagnóstico e terapêutica a que este será submetido.

Art. 2º Quando o paciente não estiver em plenas condições para decidir, o consentimento ou autorização para necropsia poderá ser dada por pessoa de sua família, ou seu responsável, em caso de paciente considerado incapaz..

Art. 3º Nos hospitais, casas de saúde, maternidades e outros estabelecimentos de saúde que internem pacientes, poderá ser solicitada autorização para necropsia, de preferência no ato do internamento.

Art. 4º A obtenção de autorização para necropsia jamais será condição para efetuar-se o atendimento ou o internamento do paciente.

Art. 5º Os estabelecimentos de saúde capacitados à realização de necropsia através de seus serviços de patologia, deverão firmar acordos com os organismos oficiais, para que essa necropsia seja realizada de modo condizente com a legislação. - Murillo Bastos Belchior, Presidente.

Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM 1081/82 (DOU, 23/03/1982:4.996).

 

Roteiro Para se Obter o Consentimento Informado

Para haver consentimento informado pe preciso que a pessoa envolvida tenha capacidade para entender e decidir e consentir de livre e espontânea vontade após receber informações sobre os riscos e benefícios do procedimento, confidencialidade e compensação (se houver algum dano), ao mesmo tempo que lhe é oferecida uma alternativa mais adequada.  Só haverá decisão se o paciente optar conscientemente entre as duas (ou mais) propostas, e somente assim ele deve autorizar. 

Sugestões de leitura:

·        Ahronheim JC, Moreno S, Zuckerman C. Ethics in clinical practice. Boston: Little,Brown, 1994:21.

·        Appelbaum PS, Lidz CW, Meisel A. Informed consent: legal theory and clinical practice. New York: Oxford, 1987.

·        Clotet J. O consentimento informado nos Comitês de Ética em Pesquisa e na prática médica: conceituação, origens e atualidade. Bioética 1995;(1):51- 59.

Tudo sobre Consentimento Informado também pode ser encontrado no site:

http://www.ufrgs.br/bioetica/bioetica.htm

OPINIÃO

[...] Tirar conclusões peremptórias sobre a psiquiatria, a partir de noticias de jornal, é uma simplificação questionável. Da mesma forma afirmar que a psiquiatria não presta atenção à dinâmica intrafamiliar, é mais uma impressão pessoal do que um fato. A realidade é a seguinte: até o inicio dos anos 70, cerca de 80% dos psiquiatras americanos estavam sendo submetidos a analise pessoal ou estavam em formação analítica. Por isso pessoas como Aaron Beck, Thomas Szazs, Eric Kandel etc, fazem referencia a terem passado sob influencia da psicanálise. Citei pessoas bem diferentes em sua linha ideológica. A atual predominância ou preferência no uso de medicação tem que ser correlacionada com isso que o PJ falou. Ha uma pressão legal para tratamentos guidelinizados, fora disso o risco de processo e grande. O Chestnut Lodge que era eminentemente psicodinâmico e psicanalítico acabou fechando diante da possibilidade de processos infindáveis, apos o episódio Lazarov(?). A influencia disso tudo na prática psiquiátrica é enorme. No entanto, não temos dados para comprovar que esteja sendo perniciosa. Voltando ao Brasil, a utilização mais freqüente de medicação associada a psicoterapia e um fato. A outra realidade é que os tratamentos são mais curtos, a sabor dos planos de saúde e a velocidade dos dias atuais. A queixa de muitos candidatos a formação analítica e da inexistência de pacientes ou a necessidade de realizar um tratamento com menos sessões etc. Partindo de outra realidade. Antes dos psicotrópicos os EUA tinham 650 mil pacientes internados, depois dos psicotrópicos e da desospitalização, temos 500 mil nas prisões e 150 mil internados. Os números se assemelham, mas houve crescimento populacional etc. Enfim, a psiquiatria está em busca de soluções, não são fáceis, não da para descartar qualquer tentativa.

Walmor Piccinini

CANTINHO DA LBP

OBITUARIO CON HURRAS
Mario Benedetti (poeta uruguaio)

Vamos a festejarlo
vengan todos
los inocentes
los damnificados
los que gritan de noche
los que sueñan de dia
los que sufren el cuerpo
los que alojan fantasmas
los que pisan descalzos
los que blasfeman y arden
los pobres congelados
los que quieren a alguien
los que nunca se olvidan

vamos a festejarlo
vengan todos
el crápula se ha muerto
se acabó el alma negra
el ládron
el cochino
se acabó para siempre
hurra

que vengan todos
vamos a festejarlo
a no decir
la muerte
siempre lo borra todo
todo lo purifica
cualquier día

la muerte
no borra nada
quedan
siempre las cicatrices

hurra
murió el cretino
vamos a festejarlo
a no llorar de vicio
que lloren sus iguales
y se traguen sus lágrimas

se acabó el monstruo prócer
se acabó para siempre
vamos a festejarlo
a no ponermos tibios
a no creer que éste
es un muerto cualquiera

vamos a festerjarlo
a no volvermos flojos
a no olvidar que éste
es un muerto de mierda


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