Volume 11 - 2006
Editor: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2006 - Vol.11 - Nº 2

Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria

Fernando Portela Câmara

Esta coluna descobre gradualmente sua vocação como veículo de atualização e de divulgação da psiquiatria para o público leitor da Psychiatry On-Line Brazil. Neste mês de fevereiro, esta coluna completa um ano de existência. Esperamos que o nosso trabalho possa ser útil aos leitores, cumprindo a sua finalidade de informar sobre a nossa especialidade e expor as idéias dos participantes da LBP. Fernando Portela Câmara.

Assuntos:

Síndrome neuroléptica tardia (SNM)?

A impressionante troca de e-mails sobre um caso suspeito de síndrome neuroléptica maligna este mês na LBP, culminou com o esclarecimento diagnóstico de um caso complexo e difícil. Na seqüência, o leitor terá oportunidade de acompanhar os procedimentos e os raciocínios. O caso é bem ilustrativo do valor da lista de psiquiatria brasileira e que o leitor não participante poderá usufruir aqui. Como o caso convergiu para o diagnóstico de uma psicose anticolinérgica, introduzimos este tema aos leitores não familiarizados com esta conhecida patologia (como os psicólogos e psicanalistas que nos lêem), através das palavras de um conhecido psiquiatra e professor participante da LBP.

Psicose anticolinérgica, um resumo
por Walmor Piccinini

Um paciente idoso é internado para uma cirurgia, pode ser cardíaca ou nas vias biliares. Seu pós-operatório apresenta algumas alterações de personalidade, apatia ou hiperatividade. Se apresentar apatia, é confundida com depressão e recebe antidepressivo, seja pelo clínico que o assiste, seja pela psiquiatra inexperiente. Mostra-se agitado e hiperativo, recebe antipsicótico, geralmente haldol injetável. Está pronto o clima para mais um incidente iatrogênico. O quadro se agrava e aí um psiquiatra geriátrico é chamado. Temos um caso de "Delirium" e seu tratamento consiste basicamente em retirar a medicação complicadora.
Um outro paciente, acostumado a tomar suas doses de whisky diárias e que nunca foi considerado alcoolista pela família. Ao ser internado por qualquer motivo outro, nas primeiras 48 horas começa a apresentar um quadro de ansiedade, agitação, tremores que pode ser interpretado como medo da cirurgia, medo de morrer etc. Se medicado com antipsicóticos, pode ter seu quadro agravado. Novamente temos um quadro de "Delirium" devido a uma síndrome de abstinência. Isso pode ocorrer com pacientes, que vinham utilizando antidepressivos e que sofrem uma síndrome de descontinuação.
Em resumo, as pessoas idosas apresentam "Delirium" com muito mais freqüência que imaginamos, e o terapeuta deve estar atento para esse problema. Diminuição de neurônios, menor oxigenação e maior vulnerabilidade no Sistema Colinérgico Central, torna o idoso particularmente vulnerável . Segundo Lipowski (1990) É a deficiência central colinérgica é freqüentemente presumida como o principal mecanismo fisiopatológico do delirium.
"Delirium" é uma emergência geriátrica e, ao mesmo tempo, o distúrbio psiquiátrico mais comum em pacientes idosos hospitalizados. É uma síndrome que se inicia subitamente, tem curso flutuante, e se manifesta por comprometimento global das funções cognitivas, distúrbio da atenção e do ciclo sono-vigília e atividade psicomotora anormalmente elevada ou reduzida. Em sua quase totalidade, o "delirium" é secundário a doença física grave, intoxicação medicamentosa e abstinência a hipnossedativos, álcool ou outra droga de abuso. (Meira, Rômulo. Delirium no paciente idoso- Psiquiatria na Prática Médica).
Em estudos epidemiologia dirigidos, "delirium" tem sido diagnosticado em cerca de 10 a 15 % dos pacientes de todas as idades na admissão hospitalar. Outros 5 a 30 % desenvolverão "delirium" durante o internamento, muitas vezes como conseqüência de iatrogenia. Idade, gravidade da doença física subjacente e limitação da função cognitiva são reconhecidos como os mais importantes fatores de risco para "delirium". Estima-se que 30 a 50% dos pacientes geriátricos agudos e 60 % dos pacientes geriátricos cirúrgicos apresentem "delirium" durante o internamento. Quarenta por cento dos pacientes dementados apresentam "delirium" e 25 % dos pacientes deliriosos têm algum tipo de demência.
Quanto a tratamento, acho que o caminho seguido por Lúcio e equipe é o recomendado. Cuidados gerais, hidratação e evitar qualquer medicação com possíveis efeitos anticolinégicos, entre eles cimetidina. Fisostigmina apresenta muitos efeitos secundários, é uma possibilidade resguardada para situações especiais.

* * *


Segue-se, agora, a seqüência dos e-mails:

Colegas da Lista, Parece que encontrei meu primeiro caso de SNM numa paciente de 77 anos, diabética, obesa, que ha anos vinha usando a combinação imipramina e maprotilina por conta própria. Não me perguntem de quem ela vinha obtendo a medicação. Certamente não vinha sendo prescrita por mim. Na experiência de vocês, qual a freqüência da ocorrência de síndrome neuroléptico maligna com a quetiapina (Seroquel) em pacientes idosos (acima de 65 anos)? Existe alguma medicação que seja capaz de contra atuar, por via endovenosa nos momentos de crise? Qual o limiar de dose diária de quetiapina que pode produzir esta condição? Tem algum valor obter níveis de CPK para monitorar a melhora ou agravamento dos episódios de SNM? Agradeço e gostaria de saber de suas impressões e experiências.
Lucio F. M. Villaça

Lúcio, A SNM ainda não foi descrita com seroquel, que eu saiba. Você está falando de SNM ou de discinesia tardia? Pois você fala em " momentos de crise", e SNM é quadro agudo.. Que o fez pensar nesse diagnóstico?
Ana Hounie
ps.: sugiro internar urgente na unidade intensiva, dosar o CPK, hidratar, e se for mesmo SNM fazer bromocriptina. O maior risco é o de insuficiência renal causada pela rabdomiólise. Tive um caso de SNM em criança com Tourette recentemente.

Lúcio, Eu não vi SNM com seroquel. Quanto está a CPK? Se isto for SNM é pouco provável que ela sobreviva, considerando a idade. De maneira geral eu observo que a sensibilidade paradoxal dos receptores dopaminérgicos parece maior em jovens, por exemplo, é mais comum observar distonia em jovens, embora parkinsonismo seja observado igualmente em ambos os grupos ou até mesmo mais em velhos. Então questiono o diagnóstico, talvez ela esteja em delirium, com aumento de CPK caso tenha ficado imobilizada por longo período de tempo. O tratamento inclui bromocriptina, dantrolene (caro). Eu me lembro de uma citação em um livro antigo (o III generation of progress em psychopharm) relatando melhora com um caso que recebeu calcitonina, eu creio, com o propósito de diminuir a disponibilidade de cálcio intracelular e minimizar mensageiros secundários. Caso a situação seja grave e a paciente esteja com muita rigidez, sem dúvida de que se trata de SNM, é melhor tratar com ECT o quanto antes. Os pacientes geralmente morrem por complicações secundárias, aspiração, infecção, complicadas por falência renal.
Paulo José Negro
ps.: A propósito, eu tratei uma moça de 15 anos com história de SNM (CPK ~ 7.000) desencadeada por olanzapina IM x2 com Seroquel em doses de ate' 800mg/dia. Ela fez neutropenia com clozapina. Ao mesmo tempo ela recebeu ECT (psicose com agitação, esquizofrenia). O ECT veio não só como tratamento, mas me deu tranqüilidade para aumentar rapidamente a dose de seroquel. Coisas de desespero de causa...
Paulo José Negro

Lúcio & Pessoal, A SNM já foi descrita para todos os APs, inclusive atípicos, entre os quais mesmo o aripiprazol, mas é mais freqüente com os bloqueadores D2 mais fixos e potentes. Quetiapina, portanto, boa escolha entre os atípicos. Fatores de risco incluem debilidade física, mau estado geral, distúrbios ácido-básicos e hidroeletrolíticos (hipocalemia, hipomagnesemia, em particular), doença metabólica, infecciosa, doença cerebral (especialmente TCE recente). ADs, especialmente os serotoninérgicos, parecem aumentar o risco e o diagnóstico diferencial de Síndrome Serotoninérgico com SNM branda pode ser problemático. Não seria o caso? CPK é exame inespecífico que indica apenas aumento de metabolismo protéico, o que numa diabética com algum grau de cetoacidose, não indicará necessariamente SNM. Acho que você vai precisar de um bom clínico/endócrino para lhe ajudar a acompanhar.
Leopoldo H. Frota

Obrigado pelo interesse, Ana. Existem relatos (que eu consegui levantar) de SNM com quetiapina e ate com a olanzapina. Basta ir no google acadêmico e procurar por quetiapina e SNM. Não estou falando de discinesia tardia, a paciente tem apenas alguns dias de uso de neuroléptico - no caso usou brevemente a olanzapina e agora tentamos a quetiapina, na realidade para acalmar, de momento, um comportamento agitado e agressivo (tipo delirium) que a paciente passou a apresentar depois da redução da combinação imipramina + maprotilina e complicações medicas, que já foram corrigidas.. "Crises" são as palavras que a filha usa, tentando explicar as intensificações dos sintomas, mas na verdade os sintomas, quase todos os indicativos de SNM, são contínuos, pelo menos nos últimos dias. Só faltam as alterações de temperatura. A paciente esta sendo acompanhada por um cardio e uma endócrino, alem de intermitentemente, os intensivistas, pois ela recentemente fez tromboembolia pulmonar bilateral e é diabética e esta fazendo picos de hiperglicemia. Eu a vi duas vezes, não a vi nos últimos dias, pois estou em BH, mas tenho mantido contato telefônico e sugeri obter avaliação neurológica e acompanhar a enzima CPK. Mas algo intuitivo me diz que posso estar diante deste quadro. Recomendei suspender imediatamente a quetiapina, cuja dose diária nao chegou a passar de 50 mg.
Nota: a paciente já se encontra internada em um dos melhores hospitais de Brasília. Hoje a tarde falei com a endócrino, que me informou que a paciente esta mais calma, mais sedada, a rigidez já diminuiu e eu mencionei o uso da bromocriptina

Paulo, veja minha resposta a Ana. Eu estou sugerindo a possibilidade de SNM, mas não estou apostando nela. Tanto que pedi uma reavaliação neurológica, já que a paciente vinha acompanhada pela neurologia também. RNM de crânio não mostrou nenhuma lesão recente. Eu apenas recomendei a retirada da combinação imipramina + maprotilina e uso de atípicos PRN, por causa de crises de agitação e agressividade. Alem do mais, a dose não ultrapassou 50 mg dia, a nao ser que a enfermagem esteja mentindo. Estou acompanhando o caso pois é uma paciente que ate recentemente parecia estar bem clinicamente, apesar do diabetes, obesidade e uma fratura de vértebra lombar.

Leopoldo, A paciente esta bem assistida do ponto de vista endocrinológico, cardiológico e ja passou varias vezes pelos intensivistas, por outras razoes. Como disse, a quetiapina foi usada por apenas uma semana e a dose diária não ultrapassou 50 mg. Mesma coisa para a olanzapina. Eu não estou acompanhando no momento, pois estou em BH, mas já acionei a neurologista para confirmar ou afastar este diagnostico. Mas eu queria ouvir a opinião inicial de vocês, principalmente por que a família insiste que eu acompanhe a distancia a evolução do quadro neurológico.
Lucio F. M. Villaça

Eu nunca observei uma SNM em idosos com quetiapina; tenho experiência pelo menos em 30 casos, idade média 70 anos, ambos os sexos, com posologia de 200 mg/die até 900 mg/die. Alguns são psicóticos e requerem dosagens maiores. O efeito adverso mais freqüente que observei foi a sedação.
Existe alguma medicacao que seja capaz de contra atuar, por via endovenosa nos momentos de crise ? Acho que não, mas não tenho muita experiência no tratamento da SNM. Um miorrelaxante? Qual o limiar de dose diária de quetiapina que pode produzir esta condição? Acho que seja uma questão de sensibilidade individual. Mas neste caso, os dois tricíclicos, pela ação anticolinérgica, não podem ser responsáveis?
Andréa Mazzeo

Follow up: Estou acompanhando com contatos diários com a família e a endocrinologista. Ontem, perdemos o referencial de dosagem do CPK, pois a paciente acabou sendo contida fisicamente no leito, em razão da agitação que tomou conta dela durante a noite. No dia anterior ela esteve sedada a maior parte do tempo com o uso de bzd (parece que foram usados alprazolam e flunitrazepam consecutivamente). Dias antes, a paciente vinha insistindo em voltar a usar imipramina e maprotilina e eu contra indiquei a volta a estas duas medicações por causa do comprometimento cardiovascular que ela já apresenta. Por outro lado, seria possível a ocorrência de uma síndrome serotoninérgica com a retirada de tricíclicos que a paciente vinha usando ha tempos? Eu sempre soube que a SS ocorreria com a combinação de dois AD, especialmente se um deles for um IMAO. Poderia também ocorrer quando se associa um ISRS a um neuroléptico? Estou tentando imaginar a situação em diferentes contextos. Ha um lapso de tempo na historia desta paciente em que ela nao esteve sob meus cuidados e eu não sei dizer qual a dose diária da combinação ela esteve usando.
Lucio F. M. Villaça

Mas a CPK inicial estava aumentada? E se for um delirium por abstinência? E se ela tiver tido um AVC? Já foi feita RMN?
Ana Hounie

A CPK inicial não estava aumentada, segundo me informou a endócrino agora a tarde. Também não ha evidencias de que a paciente tenha tido um AVC, verificado por meio de exames recentes de neuroimagem. E quanto a síndrome de descontinuarão dos antidepressivos, estou verificando a literatura a respeito, levando em conta que a paciente ha muitos anos vinha usando a combinação imipramina e maprotilina, por sua própria conta. Tentei fazer uma retirada gradativa destes medicamentos, mas a paciente não aceitou. Ficou sem ser atendida por mim por algum tempo, provavelmente porque SE OPUNHA a essa retirada. É muito provável que algum outro colega tenha mantido e receitado a combinação. Como recentemente sofreu queda com fratura de vértebra lombar e teve que ficar imobilizada, deve ter passado a usar a medicação como forma de aliviar a dor local e obter sedação diurna e noturna. Contudo, ha duas semanas, alem de um aumento preocupante da glicemia, apareceu com uma tromboembolia pulmonar bilateral, o que a obrigou a re-internar-se para tratamento intensivo. Foi então que decidimos retirar de vez os dois antidepressivos, ancorados em evidencias de que estavam fazendo mais mal do que bem a paciente. A partir dai a paciente passou a ter períodos de agitação e sugeri o uso da olanzapina (depois substituída pela quetiapina) pelo seu efeito sedativo, seletivamente administrada a noite, quando a paciente piorava do quadro de delirium. Mas, pelo visto, ela também nao tolerou nem a olanzapina nem a quetiapina. É o que posso informar no momento. Passou o dia calma hoje, função renal dentro de limites de normalidade e PVC estável em 14. Espero que continue assim e melhorando.
Lucio F. M. Villaça

Lucio, imagino que já esteja pesquisada para infecção. Ela pode estar com quadro inicial de demência. esses pacientes ficam mais sensíveis e ao menor decompensamento do quadro metabólico fazem delirium. Se ela não tolerou olanzapina, tente risperidona ou o velho haldol em doses baixas. eu tentaria deixar com o mínimo de medicação possível. pense também em discinesia tardia.
Ana Hounie

Meu caro Lúcio. A Síndrome Neuroléptica Maligna é muito rara, vi poucos casos na minha vida. Aparentemente tua paciente fez um quadro bastante comum de "psicose anticolinérgica", deve melhorar se não a encherem de medicação. Cuidados clínicos, contenção e uso de atípicos como estás fazendo. No mais é ter paciência.
Walmor Piccinini

...pois é, pode ser simplesmente um delirium, com overeaction dos internistas. Como diletantismo, uma possibilidade em reações catastróficas a (doses baixas) antipsicóticos em pacientes com demência, o diagnóstico de demência de corpos de Lewy pode ser considerado.
Paulo José Negro

Pessoal, Pelo que constato, essa discussão sobre SNM esta nos tornando "estrelas" da noite para o dia ... De qualquer modo, obrigado pelo suporte. Nunca li tanto sobre antidepressivos e atípicos em minha vida, principalmente agora que estou aposentado e só no atendimento de consultório e ocasionalmente, em hospitais particulares de Brasília. Tive muita experiência com a clozapina e nos últimos tempos tenho trabalhado com alguns pacientes com olanzapina e quetiapina, mas esse caso aí realmente me pegou de surpresa. Periga chegar a conclusão, que se o paciente é idoso e medicamente complicado, pode ter delirium de qualquer coisa. A paciente tem tudo para nenhuma medicação neuroléptico e antidepressiva dar certo. Pode ate ter efeitos paradoxais, por isso não vou nem tentar sugerir o uso de outros medicamentos que não foram usados ainda. Como a risperidona e o haloperidol. Com pacientes extremamente agitados, já cheguei a recomendar haloperidol por via EV, diluído e feito lentamente, a cada hora, ate a sedação completa. Isto está nos guidelines do Mass General, apesar de ser contrário as recomendações do FDA. Mas eram pacientes jovens, ou de meia idade e não tinham uma condição mÉdica complicadora. Essa aí tem.
Essa hipótese de um quadro cerebral orgânico agudo, tipo delirium, induzido por efeito anticolinergicos é muito provável mesmo. Vou mencionar isso a endocrinologista esta tarde. Estou mais aliviado pensando que a hipótese de uma síndrome neuroléptica maligna esta se tornando mais remota a cada hora. Não voltarei a recomendar antidepressivos para ela, pois alem do mais não vejo sintomas antidepressivos óbvios para continuar tratando.
Lucio F. M. Villaça

ps.: Hoje ainda não tive noticias da paciente, mas estou sentindo que o quadro vai evoluindo para uma reação do tipo delirium, possivelmente do tipo que o Walmor indicou, já que na historia clinica ha abuso de AD e possivelmente a situação tenha sido acutizada com o uso destes medicamentos enquanto a paciente esteve em tratamento intensivo de outras complicações medicas, diabetes, insuficiência cardíaca e trombo-embolia pulmonar.

Walmor e colegas da Lista, As últimas informações obtidas da medica endócrino que acompanha a paciente são de que o quadro clinico de agitação e confusão mental melhorou consideravelmente apenas mantendo medidas de suporte e hidratação endovenosa. A paciente evolui tendo apenas períodos breves e ocasionais de desorientação. Eu sugeri medidas ambientais para que os dias, e principalmente as noites, sejam mais tranqüilos para a paciente e familiares. Não foi usada a fisostigmina. Também não voltou a usar a combinação antidepressiva nem qualquer neuroléptico. Apenas pequenas doses de benzos, alprazolam e lorazepam.
Lucio F. M. Villaça

Colisteiros,
O psiquiatra que atende no hospital geral não tem como escapar ser chamado para atender a essas situações. Durante 30 anos fui exposto a esse tipo de problema no HFA, pois a interconsulta e liaison psychiatry eram meus momentos prediletos, alem da parte administrativa e supervisão de residentes e estagiários.
Enquanto residente, no Canadá e EUA, trabalhei muito com pacientes apresentando a síndrome de alucinações auditivas e visuais no curso do alcoolismo crônico e esse foi o trabalho de fim de residência, mas sem chegar a ser uma tese. Revi mais de 100 prontuários de pacientes com hx de alcoolismo e que apresentavam esses fenômenos. Depois entrevistei esses pacientes para constatar o progresso na condição. Alguns, que havia tido os tais DT's estavam francamente demenciados. Concordo com o que o Walmor diz, geralmente nos chamam quando estão perdidos (os intensivistas) pois um quadro psiquiátrico como esse não parece interessá-los muito. Também somente agora parecem estar correlacionando com o alto índice de mortalidade que acompanha os deliria, especialmente no idoso e complicados com problemas médicos. Essa situação descrita é típica. A filha da paciente chegou a me mandar um e-mail pedindo para voltar com a imipramina e a maprotilina para a mãe dela, pois desde que a combinação havia sido encerrada a mãe não tinha sido a mesma pessoa. Estava agitada, agressiva, impaciente e confusa. Então, por pena ou para não continuar ouvindo as queixas da família, alguém do staff no hospital mandou voltar temporariamente com os AD.
As coisas estão evoluindo vagarosamente, mas acho que conseguimos sair da fase critica definitivamente. Voltarei a ver a paciente na quarta feira, quando retornar a Brasília. Bom que não se confirmou a SNM.
Lucio F. M. Villaça


Maconha e melancolia

Uma importante reflexão de Manoel T. Berlinck sobre o uso social da maconha, extensão do seu artigo "Ipanema e a clínica Psicanalítica", aparecido na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental.

Esta associação, entre maconha e melancolia é muito interessante e precisa ser explorada com cuidado e delicadeza.
No caso descrito pelo antropólogo Eduardo Galvão, entretanto, (que não tem nada a ver com Frei Galvão, santo brasileiro a respeito do qual já escreveu Durval Mazzei Nogueira Filho, num artigo luminoso publicado na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental) a Panema é um estado causado por severas proibições. As transgressões a essas proibições são Panema. Por exemplo, comer peixe limpo e preparado por mulher grávida é Panema.
Ipanema seria, então, um estado sem pecado, sem proibições, como bem observou Chico Buarque ("Não há pecado do lado de baixo do Equador"). Mas, também, sem mania, acrescento. Pois a mania é a impossibilidade de reconhecer o estado de melancolia que nos afeta.
Quanto à maconha, penso que seu efeito é oposto ao da cocaína ou da anfetamina, que são drogas maníacas. Neste sentido, é possível dizer que a maconha coloca o sujeito num estado melancólico.
Penso, porém, que a maconha estimula um estado esquizo, uma certa fragmentação do ego sem ser acompanhado, necessariamente, pela paranóia, que freqüentemente acompanha esses estados de fragmentação. A maconha aumenta a sensibilidade, reduz o contato com o chamado "superego" e possibilita viagem "livre-associativa".
Lí, uma vez, num livro chamado Pato lógico, de M.D. Magno, a seguinte observação, que vai aqui parafraseada: o tratamento (psicanalítico) do alcoolismo só começa quando o psicanalista perguntar ao paciente: "a quem você está dando de beber?"
Não tenho dados epidemiológicos sobre o consumo dessas drogas. Mas, minha hipótese é que a maconha é consumida predominantemente pela população pobre de regiões "atrasadas", de cidades relativamente pequenas, como o Norte e o Nordeste e a cocaína e anfetamina são consumidas pela população das grandes metrópoles. Mas, para contradizer minha hipótese, há o guaraná, droga estimulante, maníaca, costumeiramente consumida na região Amazônica. Há quem diga, também, que a maconha é droga geral e irrestrita no Brasil.
Em 1962-64 trabalhei com um antropólogo norte-americano da Califórnia, que realizava uma pesquisa sobre hábitos de consumo de bebidas alcoólicas. Vindo dos EUA, ele me dizia que o brasileiro bebia muito pouco. Mas, que não nos iludíssemos. Em 20 anos, os brasileiros seriam tão consumidores de bebidas alcoólicas como os norte-americanos. O álcool é droga melancólica. Você viu o ma-ra-vi-lho-so filme sobre Vinicius de Moraes? Saí do cinema liquidado, principalmente porque acompanhei Vinicius durante um certo período de minha vida. E vi o filme desde uma outra posição. Vinicius (como Tom Jobim, [...] e outros) era muito, mas muito melancólico. Era, também, muito maníaco. Vinicius tinha duas manias, nesta ordem: whisky e mulher. Sem essas duas drogas, Vinicius ficava catatônico.
O que não víamos, na época, eram as outras drogas - maconha, cocaína, anfetamina. Hoje, é possível adquirir qualquer droga, a preços módicos, via Internet. Elas são entregues no local solicitado. Todos vocês - como eu - recebem, quase que diariamente, ofertas de drogas via Internet, em oferta. Recebo mais ofertas disso do que de bebidas alcoólicas. A venda de drogas pela Internet é um problema grave para o tráfico em favelas. O traficante favelado vai ter que se plugar. Ou cair fora. Há, aí, um problema de logística que quero ver traficante resolver.
O Brasil mudou! Está muito mais complexamente drogado!
O mais eficiente mecanismo sócio-cultural anti-drogas, no Brasil, não é a polícia. São as Igrejas Evangélicas. Elas restauram a auto-estima e organizam o ego da população pobre e da pequena classe média.
Asseguram uma estabilidade familiar, permitem o emprego estável e o reconhecimento institucional como recurso estruturante. Além disso, permitem e até estimulam o erotismo.
O combate à toxicomania só é eficaz através de mudança de grupo de pertinência. Não há psicoterapia, nem remédio, nem AAAs, que tirem nequinho do alcolismo. Ele só deixa a bebida se mudar de grupo. As Igrejas Evangélicas oferecem essa oportunidade para os alcoolistas e outros drogaditos.
Você já foi ao infernal subúrbio de Sampa, ou do Rio (a chamada ZN)? Lá só tem uma alternativa: a birosca, o botequim miserável onde rola cachaça e cerveja. Junte isso com altíssimas taxas de desemprego, falta de perspectivas e baixíssima auto-estima. Resultado? Melancolia e drogadição.
Neste sentido, há uma forte dimensão política no movimento evangélico no Brasil. Não é por acaso que se criou um partido político controlado pelo bispo [...]. Não é por acaso que o Garotinho e a Rosinha têm forte base política no Rio e em outros estados da União, onde o fundamentalismo evangélico cresce.
Acredito que, nos anos vindouros, a grande polarização política no Brasil e na América Latina será entre o populismo lulista e o fundamentalismo evangélico. A social-democracia tucana só terá chance se oferecer ao povão aquilo que, até agora, não conseguiu oferecer. A social-democracia tucana é eminentemente elitista. Oferece um estado de bem-estar resultante de gestão eficiente, reconhecimento de certos privilégios que são completamente estranhos ao povão como, por exemplo, ciência e tecnologia, alta cultura, educação superior etc. O povão não sabe o que é isso. O povão quer comer, quer sair da bebedeira, quer emprego, quer auto-estima. O Lula é tão forte (acredito que será re-eleito com boa vantagem, especialmente se o seu concorrente for o Alkimin) porque ele é o retrato do bem-sucedido, aos olhos do povão. E ele sabe disso. Ele aposta no voto dos pobres, ele fala pros pobres. Ele está cagando e andando para a população da Zona Sul, como ele mesmo disse, num discurso da semana passada. Ele toma umas e outras. Mas nada grave (por enquanto, pelo menos). O povão não sabe o que é taxa de juros, o que é FMI. O povão quer comida, emprego e, principalmente, auto-estima. Essa sensação de ser esquecido, marginal, ignorado, abandonado é muito dura. E os tucanos, pobres tucanos, não sabem como lidar com isso. Acreditam na eficiência administrativa. Mas isso é pouco.
Então, o horizonte é o de uma polarização entre populismo esquerdista - Lula, Chaves, Kishner, o cocaleiro boliviano, o uruguaio - e o fundamentalismo evangélico. A social-democracia tucana, com sua arrogância elitista, vai ocupar um terceiro lugar, que, se bem administrado, poderá, até, lhe proporcionar o poder. Assim é a democracia.
Manoel Berlinck

Enquanto que a cocaína cria realmente uma espécie de mania artificial, parece-me que o álcool não origina mania nem melancolia, mas apenas permite que as emoções se manifestem, livres do peso que o autocontrole nos exige. O bêbado chora quando fica triste, e canta, grita e abraça todo mundo quando fica alegre. Sendo o álcool ansiolítico, funciona inibindo o autocontrole e a repressão sem bloquear o afeto.
Já a maconha parece produzir um real desligamento, não apenas afetivo mas também perceptivo e cognitivo, e o que pode parecer melancolia talvez seja apenas indiferença contemplativa. Na antiga Índia, a utilização do bhang (preparado de Cannabis, como a maconha ou o haxixe), com o propósito de facilitar a introspecção e a meditação, era bem aceita pela casta dos Brahmins ou brâmanes. Esta casta, uma aristocracia moral e espiritual, não via com bons olhos o uso do álcool, considerado como liberador das paixões e dos instintos inferiores. Já com os guerreiros ou Kshatriyas, que representavam a autoridade e o poder temporal, ocorria o oposto. De maneira semelhante à atitude das sociedades ocidentais, eles desprezavam o bhang e faziam uso do daru, uma bebida de alto teor alcoólico. Essa atitude dos brâmanes era semelhante à dos muçulmanos. Nas sociedades competitivas, não admira que o problema esteja nos estimulantes como a cocaína e as anfetaminas, que são as drogas que se usam em cavalos de corrida e em disputas esportivas. A cafeína estimula apenas a cognição, sem euforia. O álcool não estimula nem dá coragem diretamente, mas tira o medo e a ansiedade. Não é à toa que o tema constante de Vinícius era o não ter medo da paixão:

Quem já passou
Por esta vida e não viveu

Pode ser mais, mas sabe menos do que eu Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou
Pra quem sofreu, ai
Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não
Não há mal pior
Do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir?
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão

Você que lê e não sabe
Você que reza e não crê
Você que entra e não cabe
Você vai ter que viver
Na tonga da mironga do kabuletê

Você que fuma e não traga
E que não paga pra ver
Vou lhe rogar uma praga
Eu vou é mandar você
Pra tonga da mironga do kabuletê

Cláudio Lyra Bastos

Cláudio, A maconha chegou ao Brasil no século XVI com os primeiros negreiros e os primeiros escravos africanos. A escravidão já era praticada na África há muitos séculos e os escravagistas de lá haviam aprendido que as pessoas só aceitam ser escravos devidamente maconhados. Devidamente maconhados, as pessoa tendem a aceitar qualquer indignidade. Olhe à sua volta, repare. Desde então, no Brasil nunca mais faltou maconha nas senzalas nem nas cadeias. Quando falta, tem revolta na certa. Ainda que, pelo menos até agora, nunca tivesse constado formalmente da pauta de negociações com os "homi". Para mim e nestas circunstâncias, o adjetivo desmotivador é eufemístico. Julgo melhor desumanizador, brutificador ou algo assim.
Luis Salvador

É verdade, mestre. Mas o mesmo efeito de dissociação e indiferença pode ser usado para diversos fins, dependendo do contexto e das circunstâncias. Para um brâmane poderia servir para desligar o espírito das coisas mundanas e elevar a alma; para um hashishin, serviria para diminuir o apego à vida e auxiliá-lo a cumprir a sua missão; para um preso ou um escravo, ajudaria a esquecer o seu infortúnio. Cláudio Lyra Bastos

É, Cláudio, é um ponto de vista. Mas presume a suposição de que estaria sendo usada intencionalmente para isto ou aquilo. Não é?
Luis Salvador

O álcool, as anfetaminas, etc. podem desencadear manias sintomáticas ou secundárias com características próximas das manias ditas periódicas ou bipolares. Na embriagues simples, afora a excitação intelectual e motora, a loquacidade e a perda do controle de si, nota-se uma sensação de tristeza ou euforia. E na embriagues mais grave, a exaltação do humor é cada vez maior. Por outro lado, ninguém se droga para mergulhar na melancolia.
Na POLB de Maio 2005, apresentei a tradução de um trabalho de Erick Jean-Daniel SINGAYNY, intitulado « O toxicômano teria perdido a dimensão do sagrado? Envio somente uma passagem que relata, de maneira admirável, a experiência do toxicômano: «A droga viria modificar os estados da consciência, abrir a porta aos espaços psí-quicos vividos como dilatados, ao mergulho transpessoal («estados não ordinários da consciência» segundo Grof, 1996) geralmente incontrolados e perigosos. O doente toxicômano é então atingido na sua própria sagração, ele é de « maneira anormal encadeado no fundo dele mesmo» (Palem, 1997). O que ele encontrou nisso, quando o acolhemos, é bastante contraditório porque o tratamento que lhe propomos, mesmo que seja o mais « acolhedor», só faz «cortar» a parte da « raão» que é a dele na medida em que seu mal é uma «contradição» (Hegel) no meio da razão.
Um poeta do Século XIX, Gérard de Nerval, mostrou-nos esta extraordinária contradição: « Eu vou tentar ¦transcrever as impressões de uma longa doença que se desenrolou inteiramente nos mistérios de meu espí-rito ; e eu não sei porque me sirvo deste termo doença, porque nunca, no que me diz respeito, senti--me tão bem. As vezes, eu pensava que a minha força e a minha atividade duplicavam; parecia-me tudo saber, tudo compreender; a imaginação trazia-me delí-cias infinitas. Ao recobrar o que os homens chamam razão, devo lastimar tê-la perdida?» (p.695). E mais adiante: « A partir do momento em que este ponto me deu a certeza de que eu estava submisso às provas da iniciação sagrada, uma força invisível entrou no meu espí-rito».
Eliezer de Hollanda

Intelectopatia e o aparelho de influenciar de Tausk

Este assunto, por demais interessante, foi um dos pontos altos da LBP este mês. Questiona-se a inteligência tal como a concebe a razão iluminista.

Em 1945, dois filósofos alemães - Horkheimer e Adorno - escreveram um livro marcante denominado A dialética do Iluminismo. Nele - escrito, diga-se de passagem, na California, onde estavam exilados - argumentam que a razão Iluminista (e eu diria, a inteligência em geral) é uma defesa da paranóia. De fato, "entender", "compreender", "explicar" o mundo e seu funcionamento é um recurso defensivo. O mundo, desde que o homem é homem, é vivido como ameaça. Aliás, só para complicar um pouquinho mais, a noção de causa é propriamente paranóica. A suposição de que o mundo possui uma ordem causal é uma suposição paranóica que resulta numa máquina de influenciar. O grande e torturado Victor Tausk foi quem sacou isso.
Berlinck

Berlinck, poderia nos explicar esteconceito de "aparelho de influenciar"?
Portela

Portela, "Aparelho de influenciar" é a expressão usada por Victor Tausk em "Da gênese do 'aparelho de influenciar' no curso da esquizofrenia", publicado em 1919, para se referir a uma construção maquínica, que tem a propriedade de "fazer com que algo aconteça" no psicótico. Trata-se de um instrumento construído pelo delírio. Segundo Tausk, o "aparelho de influenciar" esquizofrênico é uma máquina de natureza mística. Apenas por alusões, os doentes podem indicar a sua estrutura. Compõe-se de caixas, manivelas, alavancas, rodas, botões, fios, baterias etc. ...Diz, além disso: "À medida que a difusão das ciências técnicas avança, vê-se que todas as forças naturais domesticadas pela técnica são trazidas a contribuir na explicação do funcionamento deste aparelho; mas o conjunto das invenções humanas não basta para explicar as notáveis ações dessa máquina pela qual os doentes se sentem perseguidos". (in Victor Tausk, Chaim S. Katz e Joel Birman (orgs), Tausk e o aparelho de influenciar na psicose. São Paulo: Escuta, 1990, p. 40)
O delírio psicótico apresenta sempre esse aparelho de influenciar, que já havia sido descoberto pela psiquiatria clínica, antes de Tausk. Entretanto, este autor vai fundo na construção do significado desse aparelho, coisa que não foi feita por aquela disciplina.
A noção de causa, absolutamente central para a ciência, é, como sabemos, um delírio maquínico equivalente ao produzido pelo psicótico. Nós, os cientistas, construímos complexos aparelhos de influenciar fazendo "com que algo aconteça". Somos especialistas em estabelecer co-relações entre "fenômenos", dizer, com isso, que há causa, ou seja, que a, quando se co-relaciona com b, causa b e, a partir daí, construímos máquinas de influenciar de grande alcance.
Deleuze e Guatari, em O anti-édipo, se apropriam do aparelho de influenciar para tirar, dessa apropriação, numerosas reflexões muito interessantes.
Em poucas palavras, estou sugerindo que a "visão científica" do mundo, baseada na noção de causa, nada mais é do que um aparelho de influenciar, um delírio místico controlado e que, no fundo (e no raso), nós, os cientistas, somos construtores de aparelhos de influenciar considerados legítimos.
Mas, atenção, não é possível confundir cientista com tecnólogo. Ciência é algo que terminou há bem um século. Hoje, o que existe, é tecnologia. O aparelho de influenciar cada vez mais eficaz. A diferença entre o cientista e o tecnólogo é que aquele só delirava. Este atua o delírio.
Manoel Berlinck

Como diabos haverá tecnologia sem ciência?
Luis Salvador

Obrigado, Berlinck. Impressionou-me desde aquela sua palestra, juntamente com a emblemática língua de Biswanger. O conceito tornou-se, então, filosoficamente importante para mim. É interessante como o delírio se apodera dos mecanismos que criamos, denunciando uma fenomenal farsa.
Portela

Então, consideremos o aparelho "científico" de influenciar. É uma tese, não é a única, mas é bom que a consideremos para diminuir a ilusão científica da verdade, o que nos permite ver o mundo por um aspecto mais político, a verdade como a construção de sentido criada por uma elite, como hoje são as multinacionais de tecnologia. Mas as multis que produzem tecnologia nada querem saber da verdade (por isto a ciência está em queda livre) e sim da manipulação direta de corpos e mentes, como fazem as drogas. Os aparelhos de tecnologia agem como simuladores, aproximando realidade e ficção. A verdade, que era tida como promovendo iluminação, perdeu lugar para a simulação. Vejam que no meu raciocínio os jogos eletrônicos e todo tipo de aparelhos digitais cada vez mais complexos consumidos no dia a dia, agem no cérebro como drogas, espera-se que como smart drugs. Já há pesquisadores defendendo isto.
E o pior é que as multi sabem o que estão fazendo quando usam a tecnologia para criar aparelhos de influenciar. As pesquisas em neurociência detectam experimentalmente que não há diferença entre realidade e simulação. Isto está na teoria a respeito da descoberta dos "mirror neurons". Digitem no Google e se surpreenderão. Ramashandram considera as conseqüências de sua descoberta para o século XXI como da mesma ordem da descoberta do DNA para o século XX. Estou estudando o assunto e gostaria de debatê-lo com vocês ou talvez escrever algum artigo a respeito.
Boa semana a todos
Nívia Bittencourt

Também acho que o Berlinck tem mesmo razão: a ciência foi sufocada pela tecnologia.
Já no caso dessa tese do Ramachandran, tenho sérias dúvidas. Uma experiência que vi em vídeo me faz crer que esses mirror neurons - mesmo que interessantíssimos do ponto de vista neurofisiológico - possam pouco ter a ver especificamente com a evolução da mente humana. No vídeo, era mostrado um polvo num aquário, dentro do qual um vidro com tampa de atarrachar era jogado. Dentro do vidro havia um siri, alimento favorito dos polvos. O polvo tentava de toda maneira abrir o vidro, mas não conseguia e acabava desistindo. Logo após, o experimentador colocava uma divisória de vidro no aquário, com um outro polvo que podia ser visto através dela. Esse outro era mais sabido, e dominava a técnica de desatarrachar tampas de rosca. Quando o vidro era jogado lá, o polvo esperto rapidamente abria o vidro e comia o siri. O polvo inepto ficava só olhando pelo vidro até que, prosseguindo a experiência, um novo vidro com siri era jogado para ele. Desta vez ele não hesitou, e em poucos segundos desenroscou a tampa e encaçapou o siri, exatamente como havia observado o outro fazer. Só olhando, ele aprendeu os movimentos corretos com as suas oito pernas e mandou ver.
Ora, os polvos são moluscos - como as ostras e lesmas - e nem têm cérebro, mas apenas gânglios nervosos em volta do tubo digestivo. O seu aparecimento data do Cambriano (há uns 500 milhões de anos). Quem tem uma tese - sem nenhuma base neurofisiológica, mas muito interessante - sobre essa fase final da evolução da mente humana é um arqueólogo, Steven Mithen.
Cláudio Lyra Bastos

Em uma reunião recente na Universidade discutia-se que perfil haveria de ter um "cientista" e "Pesquisador", que o faria diferente daqueles que só são dotados de "perfil" de Médico,de engenheiro etc,etc,etc. Mesmo tendo em conta as orientações da Capes ou do CNPq, achei bizarra essa discussão calcada em dicotomias e fadada ao subjetivismo..., sei lá???!!!
Surpreso fiquei,quanto informado fui que a busca desse perfil de pesquisador diferenciador e divisor de águas esta presente, mais do que nunca, nos centros de pesquisas das Universidades da Europa... Agora, com a interessante discussão de Berlinck sobre "aparelho de influenciar", fico aqui matutando com meus botões: Cientista Pesquisador delira e tecnocrata (médico,engenheiro, etc, etc) executa, torna operacional esse delírio do pesquisador, será isso um delírio individual ou institucional?
João Adolfo Mayer

... Ciência é algo que terminou há bem um século. Hoje, o que existe, é tecnologia. O aparelho de influenciar cada vez mais eficaz. A diferença entre o cientista e o tecnólogo é que aquele só delirava. Este atua o delírio.
Manoel Berlinck

Os estereótipos da linguagem cinematográfica parecem dar razão ao Berlinck. O cientista do século XIX (tipo Dr. Frankenstein) costuma ser uma figura trágica que desafia a natureza, um mago ou um sábio mais ou menos calcado na figura do Próspero, da Tempestade. Já os cientistas atuais sempre parecem um bando de burocratas patetas e irresponsáveis que fabricam bombas (ou vírus, ou dinossauros) num laboratório do governo para depois vendê-las a grupos terroristas. Na série Star Wars, enquanto todos manipulam equipamentos de alta tecnologia, nunca aparece nenhum cientista nem ninguém jamais fala em ciência - só em política e religião - usando vestimentas da Idade Média, especialmente hábitos monásticos.
Cláudio Lyra Bastos

Mais um no espectro bipolar

Uma pequenas discussão na LBP organizou-se em torno de um artigo saído no Journal of Affective Disorders, vol. 89(1-3), Dezembro, 2005, Demographic and clinical features of schizoaffective (schizobipolar) disorder- A 5-year retrospective study. Support for a bipolar spectrum disorder, de Antonio E. Nardi, Isabella Nascimento, Rafael C. Freire, Valfrido L. de-Melo-Neto, Alexandre M. Valença, Mônica Dib, Gastão L. Soares-Filho, André B. Veras, Marco A. Mezzasalma, Fabiana L. Lopes, Gabriela B. de Menezes, Leila O. Grivet e Marcio Versiani, Institute of Psychiatry, Federal University of Rio de Janeiro, Brazil:
Schizobipolar disorder is considered related to both schizophrenia and bipolar disorder. We aimed to describe with retrospective methodology the demographic, clinical, and treatment features in a group of schizobipolar disorder patients who have been treated for at least a 5-year period and compare them with bipolar I and schizophrenic patients who were treated during the same period. We compared the demographic and clinical data of 61 schizobipolar, 57 bipolar I, and 55 schizophrenic outpatients who were diagnosed and treated for at least 5 years in the outpatient clinic in the Federal University of Rio de Janeiro. The schizobipolar disorder patients had a profile similar to the bipolar I patients but are significantly different from schizophrenic patients in educational level, marital status, occupation, drug and alcohol abuse episodes, presence of depressive, mixed and maniac episodes, family history of bipolar I and mood disorders, and use of medications. Only the age of onset, suicide attempts, and family history of suicide are not significantly different among the groups. The schizophrenic patients used antipsychotics for more days and the schizobipolar and bipolar I used more antidepressants and mood stabilizers. 37 (60.6%) schizobipolar patients had their diagnosis changed to bipolar disorder by their physician in different periods during the period studied. It is a retrospective data description based on a naturalistic treatment. The family history was collected from the patient and whenever possible from one first-degree relative. Conclusion Schizobipolar disorder patients have demographic, clinical and therapeutic features similar to bipolar I patients and data support its definite inclusion in the bipolar spectrum group.
Uma pequenas discussão na LBP organizou-se em torno de um artigo saído no Journal of Affective Disorders, vol. 89(1-3), Dezembro, 2005, Demographic and clinical features of schizoaffective (schizobipolar) disorder- A 5-year retrospective study. Support for a bipolar spectrum disorder, de Antonio E. Nardi, Isabella Nascimento, Rafael C. Freire, Valfrido L. de-Melo-Neto, Alexandre M. Valença, Mônica Dib, Gastão L. Soares-Filho, André B. Veras, Marco A. Mezzasalma, Fabiana L. Lopes, Gabriela B. de Menezes, Leila O. Grivet e Marcio Versiani, Institute of Psychiatry, Federal University of Rio de Janeiro, Brazil: Schizobipolar disorder is considered related to both schizophrenia and bipolar disorder. We aimed to describe with retrospective methodology the demographic, clinical, and treatment features in a group of schizobipolar disorder patients who have been treated for at least a 5-year period and compare them with bipolar I and schizophrenic patients who were treated during the same period. We compared the demographic and clinical data of 61 schizobipolar, 57 bipolar I, and 55 schizophrenic outpatients who were diagnosed and treated for at least 5 years in the outpatient clinic in the Federal University of Rio de Janeiro. The schizobipolar disorder patients had a profile similar to the bipolar I patients but are significantly different from schizophrenic patients in educational level, marital status, occupation, drug and alcohol abuse episodes, presence of depressive, mixed and maniac episodes, family history of bipolar I and mood disorders, and use of medications. Only the age of onset, suicide attempts, and family history of suicide are not significantly different among the groups. The schizophrenic patients used antipsychotics for more days and the schizobipolar and bipolar I used more antidepressants and mood stabilizers. 37 (60.6%) schizobipolar patients had their diagnosis changed to bipolar disorder by their physician in different periods during the period studied. It is a retrospective data description based on a naturalistic treatment. The family history was collected from the patient and whenever possible from one first-degree relative. Conclusion Schizobipolar disorder patients have demographic, clinical and therapeutic features similar to bipolar I patients and data support its definite inclusion in the bipolar spectrum group.

Seguiu-se a seguinte discussão na LBP:

Não sei se notaram a origem (autores/filiação institucional), bem como a relevância do paper encaminhado silenciosamente ontem, belo e ensolarado domingo, por Nosso atento Guia. Aquela velha estória: -mais uma vez a Europa e os USA se dobram diante do Brasil....etc, etc, etc. Parabéns enfáticos aos queridos colegas do IPUB, especialmente ao competente, dedicado e meticuloso Egídio Nardi por esta perspicaz contribuição à Psiquiatria contemporânea! Nós os brasileiros, precisamos vencer nossos proverbias problemas de auto-estima ("Boi da cara preta" e outros bichos...) e ousarmos mais, sem o habitual temor/timidez/cerimônia injustificados! Quem sabe não vem até este paper demarcar o início de jornada de retorno do moderno diagnóstico pluridimensional à terra de seu criador original, o saudoso Prof. Leme Lopes,

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/Leme%20Lopes%20REVISAO%20FINAL%20-%20JBP.doc.pdf

com iminente proposta tupiniquim de uma moderna classificação diagnóstica internacional única, enriquecida pela fusão da tradição européia contida na CID-10 com o pragmatismo e a operacionalidade da norte-americana DSM-IV? Façamos votos!
Aqui já vai a primeira questão como pontapé inicial: 1) -esta proposição classificatória nosológica do Transtorno Esquizoafetivo Bipolar vem relativizar a visão diagnóstica bleuleriana da Esquizofrenia com reforço da visão nosológica kraepeliniana? Tenho outras, mas fiquemos por aqui, por enquanto.
Leopoldo H. Frota

Será que é uma novidade mesmo ou o nosso querido e meticuloso colega foi apenas inteligente e traduziu em linguagem atual a chamada doença esquizoafetiva (sai doença afetiva e entra espectro bipolar)? Isto iria acontecer mais dia menos dia, seu mérito foi chegar na frente, devemos saudá-lo por isto, além do quê os pacientes têm mais chance de recuperação neste espectro do que se forem considerados portadores de uma variante híbrida da esquizofrenia. É apenas minha opinião. Boa noite a todos
Nívia Bitencourt

Confesso que me é extremamente simpática esta proposta de classificação nosológica feita pelo Nardi e colegas do IPUB, pelo menos, deste subtipo em particular, do Transtorno Esquizoafetivo. Isto porque ainda inclino-me muito pela visão tradicional européia, fora obviamente Bleuler, com demarcação clara do diagnóstico diferencial entre a antiga Psicose Maníaco-Depressiva e Esquizofrenia. E não só evolutivamente (apud sintomas de 1ª ordem de Schneider). Fora destas duas grandes nosologias, figuravam como "Psicoses Endógenas", isto é, não Orgânicas, Sintomáticas ou Reativas, apenas as Psicoses Mistas. Entre elas, mais tarde, as Psicoses Ciclóides, genialmente identificadas e descritas tão bem pela Escola Alemã (Kleist, Leonhardt, etc). Com o aprimoramento do estudo sintomatológico/evolutivo (instrumentos padronizados), desenvolvimento de pesquisas genéticas e epidemiologia psiquiátrica, logo ficaria claro que as Mistas eram, na maioria das vezes, doenças à parte, raras (muito baixa incidência/prevalência), com definida distribuição familiar, atípicas sintomatologicamente, mas extraordinariamente uniformes dentro das famílias afetadas, vinculadas a heranças autossômicas simples, dominantes ou recessivas, de polimorfismos genéticos raros, singulares!
A questão que se impõe é a seguinte: se criteriosamente excluímos os casos de Transtorno Afetivo, bipolar ou não, com sintomas psicóticos, bem como importantes/graves/persistentes alterações do humor secundárias como não raro são vistas em Esquizofrênicos, bem como todos os Transtornos Psicóticos Breves, reativos, com sintomatologia esquizomorfa ou afetiva, tão comuns aqui no Brasil p.ex., será que sobraria muita coisa para classificar, realmente, sob a denominação Transtorno Esquizo-Afetivo? Pelo menos a ponto de justificar a freqüência com que este diagnóstico atualmente se dissemina, particularmente nos USA? Temo definitivamente que não.
E mais, como lembro no paper sobre Disfrenia Tardia (up-regulation dopaminérgica D2 mesolímbica medicamentosa), temo que alguns destes modismos diagnósticos mais recentes, possam ser atribuídas mais à introdução e disseminação do uso dos neurolépticos, com modificações iatrogênicas secundárias da sintomatologia pura, original, genuinamente vinculada à doença de base, como só antigos clínicos em época anterior à moderna Psicofarmacologia tiveram o privilégio de observar, do que a novas nosologias!

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/JBP%202%20COLUNAS%20-%20com%20referencia%20completa%20&%20foto%20-%20AGONISTAS%20PARCIAIS%20NO%20ARMAMENTARIUM.pdf

Mas, continuemos a discussão deste oportuníssimo paper do Egídio/pessoal querido do IPUB!
Leopoldo H. Frota

Também acho, Leopoldo. Há alguns anos descrevi um caso clínico comentando exatamente essa questão da mania delirante vs. doença esquizoafetiva. No meu entendimento, se esta última existe, é diagnosticada em excesso.
Cláudio Lyra Bastos

Nao era este quadro clinico que o Prof. G. Langfelt chama de a esquizofrenia de bom prognostico ? Depois passou a ser incluída dentro do espectro das desordens afetivas ?
Lucio F. M. Villaca

Lúcio, Sinceramente, não sei. Deixo aos colegas acadêmicos esta discussão. Mas suponho que alguns diagnósticos de esquizofrenia acabem sendo de origem iatrogênica, principalmente nos EUA, como o Leopoldo mencionou. Se fossem tratadas adequadamente, teriam melhor prognóstico. Pessoalmente, reservo a esquizofrenia para os casos de evolução típica com deterioração, apesar do tratamento. Pois existe um contingente enorme de psicoses que têm origem afetiva, orgânica, secundária, reativa, etc. E costumam ter evolução mais favorável uma vez tratada a doença de base.
Nívia Bitencourt

Lúcio & Nívia, Pela resposta objetiva da Nivia percebo que passara-me inadvertida a dúvida pontual colocada pelo Lúcio. O Transtorno Esquizofreniforme (não necessariamente na definição original do termo por Gabriel Langfeldt) figura na CID-10 em duas categorias diferentes:
1) quando de curta duração (breve) em F23.2 - Transtorno psicótico agudo de tipo esquizofrênico (schizophrenia-like) e
2) quando de duração mais longa e/ou como transtorno não-especificado em F20.8 - Outras esquizofrenias. Na DSM-IV constitui categoria a parte (sintomas de esquizofrenia de início agudo (em no máximo 4 semanas), com perplexidade/confusão no clímax do quadro psicótico, bom ajustamento/funcionamento social prévio, com duração mínima de 30 dias, mas no total, inferior a 6 meses, e sem deixar defeito). É uma categoria freqüentemente usada como diagnóstico provisório até que o critério de tempo (mais de 6 meses) permita diagnóstico definitivo de Esquizofrenia.
Leopoldo H. Frota

Uma pequenas discussão na LBP organizou-se em torno de um artigo saído no Journal of Affective Disorders, vol. 89(1-3), Dezembro, 2005, Demographic and clinical features of schizoaffective (schizobipolar) disorder- A 5-year retrospective study. Support for a bipolar spectrum disorder, de Antonio E. Nardi, Isabella Nascimento, Rafael C. Freire, Valfrido L. de-Melo-Neto, Alexandre M. Valença, Mônica Dib, Gastão L. Soares-Filho, André B. Veras, Marco A. Mezzasalma, Fabiana L. Lopes, Gabriela B. de Menezes, Leila O. Grivet e Marcio Versiani, Institute of Psychiatry, Federal University of Rio de Janeiro, Brazil:
Schizobipolar disorder is considered related to both schizophrenia and bipolar disorder. We aimed to describe with retrospective methodology the demographic, clinical, and treatment features in a group of schizobipolar disorder patients who have been treated for at least a 5-year period and compare them with bipolar I and schizophrenic patients who were treated during the same period. We compared the demographic and clinical data of 61 schizobipolar, 57 bipolar I, and 55 schizophrenic outpatients who were diagnosed and treated for at least 5 years in the outpatient clinic in the Federal University of Rio de Janeiro. The schizobipolar disorder patients had a profile similar to the bipolar I patients but are significantly different from schizophrenic patients in educational level, marital status, occupation, drug and alcohol abuse episodes, presence of depressive, mixed and maniac episodes, family history of bipolar I and mood disorders, and use of medications. Only the age of onset, suicide attempts, and family history of suicide are not significantly different among the groups. The schizophrenic patients used antipsychotics for more days and the schizobipolar and bipolar I used more antidepressants and mood stabilizers. 37 (60.6%) schizobipolar patients had their diagnosis changed to bipolar disorder by their physician in different periods during the period studied. It is a retrospective data description based on a naturalistic treatment. The family history was collected from the patient and whenever possible from one first-degree relative. Conclusion Schizobipolar disorder patients have demographic, clinical and therapeutic features similar to bipolar I patients and data support its definite inclusion in the bipolar spectrum group.

Seguiu-se a seguinte discussão na LBP:

Não sei se notaram a origem (autores/filiação institucional), bem como a relevância do paper encaminhado silenciosamente ontem, belo e ensolarado domingo, por Nosso atento Guia. Aquela velha estória: -mais uma vez a Europa e os USA se dobram diante do Brasil....etc, etc, etc. Parabéns enfáticos aos queridos colegas do IPUB, especialmente ao competente, dedicado e meticuloso Egídio Nardi por esta perspicaz contribuição à Psiquiatria contemporânea! Nós os brasileiros, precisamos vencer nossos proverbias problemas de auto-estima ("Boi da cara preta" e outros bichos...) e ousarmos mais, sem o habitual temor/timidez/cerimônia injustificados! Quem sabe não vem até este paper demarcar o início de jornada de retorno do moderno diagnóstico pluridimensional à terra de seu criador original, o saudoso Prof. Leme Lopes,

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/Leme%20Lopes%20REVISAO%20FINAL%20-%20JBP.doc.pdf

com iminente proposta tupiniquim de uma moderna classificação diagnóstica internacional única, enriquecida pela fusão da tradição européia contida na CID-10 com o pragmatismo e a operacionalidade da norte-americana DSM-IV? Façamos votos!
Aqui já vai a primeira questão como pontapé inicial: 1) -esta proposição classificatória nosológica do Transtorno Esquizoafetivo Bipolar vem relativizar a visão diagnóstica bleuleriana da Esquizofrenia com reforço da visão nosológica kraepeliniana? Tenho outras, mas fiquemos por aqui, por enquanto.
Leopoldo H. Frota

Será que é uma novidade mesmo ou o nosso querido e meticuloso colega foi apenas inteligente e traduziu em linguagem atual a chamada doença esquizoafetiva (sai doença afetiva e entra espectro bipolar)? Isto iria acontecer mais dia menos dia, seu mérito foi chegar na frente, devemos saudá-lo por isto, além do quê os pacientes têm mais chance de recuperação neste espectro do que se forem considerados portadores de uma variante híbrida da esquizofrenia. É apenas minha opinião. Boa noite a todos
Nívia Bitencourt

Confesso que me é extremamente simpática esta proposta de classificação nosológica feita pelo Nardi e colegas do IPUB, pelo menos, deste subtipo em particular, do Transtorno Esquizoafetivo. Isto porque ainda inclino-me muito pela visão tradicional européia, fora obviamente Bleuler, com demarcação clara do diagnóstico diferencial entre a antiga Psicose Maníaco-Depressiva e Esquizofrenia.
E não só evolutivamente (apud sintomas de 1ª ordem de Schneider). Fora destas duas grandes nosologias, figuravam como "Psicoses Endógenas", isto é, não Orgânicas, Sintomáticas ou Reativas, apenas as Psicoses Mistas. Entre elas, mais tarde, as Psicoses Ciclóides, genialmente identificadas e descritas tão bem pela Escola Alemã (Kleist, Leonhardt, etc). Com o aprimoramento do estudo sintomatológico/evolutivo (instrumentos padronizados), desenvolvimento de pesquisas genéticas e epidemiologia psiquiátrica, logo ficaria claro que as Mistas eram, na maioria das vezes, doenças à parte, raras (muito baixa incidência/prevalência), com definida distribuição familiar, atípicas sintomatologicamente, mas extraordinariamente uniformes dentro das famílias afetadas, vinculadas a heranças autossômicas simples, dominantes ou recessivas, de polimorfismos genéticos raros, singulares!
A questão que se impõe é a seguinte: se criteriosamente excluímos os casos de Transtorno Afetivo, bipolar ou não, com sintomas psicóticos, bem como importantes/graves/persistentes alterações do humor secundárias como não raro são vistas em Esquizofrênicos, bem como todos os Transtornos Psicóticos Breves, reativos, com sintomatologia esquizomorfa ou afetiva, tão comuns aqui no Brasil p.ex., será que sobraria muita coisa para classificar, realmente, sob a denominação Transtorno Esquizo-Afetivo? Pelo menos a ponto de justificar a freqüência com que este diagnóstico atualmente se dissemina, particularmente nos USA? Temo definitivamente que não. E mais, como lembro no paper sobre Disfrenia Tardia (up-regulation dopaminérgica D2 mesolímbica medicamentosa), temo que alguns destes modismos diagnósticos mais recentes, possam ser atribuídas mais à introdução e disseminação do uso dos neurolépticos, com modificações iatrogênicas secundárias da sintomatologia pura, original, genuinamente vinculada à doença de base, como só antigos clínicos em época anterior à moderna Psicofarmacologia tiveram o privilégio de observar, do que a novas nosologias!

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/JBP%202%20COLUNAS%20-%20com%20referencia%20completa%20&%20foto%20-%20AGONISTAS%20PARCIAIS%20NO%20ARMAMENTARIUM.pdf

Mas, continuemos a discussão deste oportuníssimo paper do Egídio/pessoal querido do IPUB!
Leopoldo H. Frota

Também acho, Leopoldo. Há alguns anos descrevi um caso clínico comentando exatamente essa questão da mania delirante vs. doença esquizoafetiva. No meu entendimento, se esta última existe, é diagnosticada em excesso.
Cláudio Lyra Bastos

Nao era este quadro clinico que o Prof. G. Langfelt chama de a esquizofrenia de bom prognostico ? Depois passou a ser incluída dentro do espectro das desordens afetivas ?
Lucio F. M. Villaca

Lúcio, Sinceramente, não sei. Deixo aos colegas acadêmicos esta discussão. Mas suponho que alguns diagnósticos de esquizofrenia acabem sendo de origem iatrogênica, principalmente nos EUA, como o Leopoldo mencionou. Se fossem tratadas adequadamente, teriam melhor prognóstico. Pessoalmente, reservo a esquizofrenia para os casos de evolução típica com deterioração, apesar do tratamento. Pois existe um contingente enorme de psicoses que têm origem afetiva, orgânica, secundária, reativa, etc. E costumam ter evolução mais favorável uma vez tratada a doença de base.
Nívia Bitencourt

Lúcio & Nívia, Pela resposta objetiva da Nivia percebo que passara-me inadvertida a dúvida pontual colocada pelo Lúcio. O Transtorno Esquizofreniforme (não necessariamente na definição original do termo por Gabriel Langfeldt) figura na CID-10 em duas categorias diferentes:
1) quando de curta duração (breve) em F23.2 - Transtorno psicótico agudo de tipo esquizofrênico (schizophrenia-like) e
2) quando de duração mais longa e/ou como transtorno não-especificado em F20.8 - Outras esquizofrenias. Na DSM-IV constitui categoria a parte (sintomas de esquizofrenia de início agudo (em no máximo 4 semanas), com perplexidade/confusão no clímax do quadro psicótico, bom ajustamento/funcionamento social prévio, com duração mínima de 30 dias, mas no total, inferior a 6 meses, e sem deixar defeito). É uma categoria freqüentemente usada como diagnóstico provisório até que o critério de tempo (mais de 6 meses) permita diagnóstico definitivo de Esquizofrenia.
Leopoldo H. Frota

Seguiu-se a seguinte discussão na LBP:

Não sei se notaram a origem (autores/filiação institucional), bem como a relevância do paper encaminhado silenciosamente ontem, belo e ensolarado domingo, por Nosso atento Guia. Aquela velha estória: -mais uma vez a Europa e os USA se dobram diante do Brasil....etc, etc, etc. Parabéns enfáticos aos queridos colegas do IPUB, especialmente ao competente, dedicado e meticuloso Egídio Nardi por esta perspicaz contribuição à Psiquiatria contemporânea! Nós os brasileiros, precisamos vencer nossos proverbias problemas de auto-estima ("Boi da cara preta" e outros bichos...) e ousarmos mais, sem o habitual temor/timidez/cerimônia injustificados! Quem sabe não vem até este paper demarcar o início de jornada de retorno do moderno diagnóstico pluridimensional à terra de seu criador original, o saudoso Prof. Leme Lopes,

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/Leme%20Lopes%20REVISAO%20FINAL%20-%20JBP.doc.pdf

com iminente proposta tupiniquim de uma moderna classificação diagnóstica internacional única, enriquecida pela fusão da tradição européia contida na CID-10 com o pragmatismo e a operacionalidade da norte-americana DSM-IV? Façamos votos!
Aqui já vai a primeira questão como pontapé inicial: 1) -esta proposição classificatória nosológica do Transtorno Esquizoafetivo Bipolar vem relativizar a visão diagnóstica bleuleriana da Esquizofrenia com reforço da visão nosológica kraepeliniana? Tenho outras, mas fiquemos por aqui, por enquanto.
Leopoldo H. Frota

Será que é uma novidade mesmo ou o nosso querido e meticuloso colega foi apenas inteligente e traduziu em linguagem atual a chamada doença esquizoafetiva (sai doença afetiva e entra espectro bipolar)? Isto iria acontecer mais dia menos dia, seu mérito foi chegar na frente, devemos saudá-lo por isto, além do quê os pacientes têm mais chance de recuperação neste espectro do que se forem considerados portadores de uma variante híbrida da esquizofrenia. É apenas minha opinião. Boa noite a todos
Nívia Bitencourt

Confesso que me é extremamente simpática esta proposta de classificação nosológica feita pelo Nardi e colegas do IPUB, pelo menos, deste subtipo em particular, do Transtorno Esquizoafetivo. Isto porque ainda inclino-me muito pela visão tradicional européia, fora obviamente Bleuler, com demarcação clara do diagnóstico diferencial entre a antiga Psicose Maníaco-Depressiva e Esquizofrenia.
E não só evolutivamente (apud sintomas de 1ª ordem de Schneider). Fora destas duas grandes nosologias, figuravam como "Psicoses Endógenas", isto é, não Orgânicas, Sintomáticas ou Reativas, apenas as Psicoses Mistas. Entre elas, mais tarde, as Psicoses Ciclóides, genialmente identificadas e descritas tão bem pela Escola Alemã (Kleist, Leonhardt, etc). Com o aprimoramento do estudo sintomatológico/evolutivo (instrumentos padronizados), desenvolvimento de pesquisas genéticas e epidemiologia psiquiátrica, logo ficaria claro que as Mistas eram, na maioria das vezes, doenças à parte, raras (muito baixa incidência/prevalência), com definida distribuição familiar, atípicas sintomatologicamente, mas extraordinariamente uniformes dentro das famílias afetadas, vinculadas a heranças autossômicas simples, dominantes ou recessivas, de polimorfismos genéticos raros, singulares!
A questão que se impõe é a seguinte: se criteriosamente excluímos os casos de Transtorno Afetivo, bipolar ou não, com sintomas psicóticos, bem como importantes/graves/persistentes alterações do humor secundárias como não raro são vistas em Esquizofrênicos, bem como todos os Transtornos Psicóticos Breves, reativos, com sintomatologia esquizomorfa ou afetiva, tão comuns aqui no Brasil p.ex., será que sobraria muita coisa para classificar, realmente, sob a denominação Transtorno Esquizo-Afetivo? Pelo menos a ponto de justificar a freqüência com que este diagnóstico atualmente se dissemina, particularmente nos USA? Temo definitivamente que não.
E mais, como lembro no paper sobre Disfrenia Tardia (up-regulation dopaminérgica D2 mesolímbica medicamentosa), temo que alguns destes modismos diagnósticos mais recentes, possam ser atribuídas mais à introdução e disseminação do uso dos neurolépticos, com modificações iatrogênicas secundárias da sintomatologia pura, original, genuinamente vinculada à doença de base, como só antigos clínicos em época anterior à moderna Psicofarmacologia tiveram o privilégio de observar, do que a novas nosologias!

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/JBP%202%20COLUNAS%20-%20com%20referencia%20completa%20&%20foto%20-%20AGONISTAS%20PARCIAIS%20NO%20ARMAMENTARIUM.pdf

Mas, continuemos a discussão deste oportuníssimo paper do Egídio/pessoal querido do IPUB!
Leopoldo H. Frota

Também acho, Leopoldo. Há alguns anos descrevi um caso clínico comentando exatamente essa questão da mania delirante vs. doença esquizoafetiva. No meu entendimento, se esta última existe, é diagnosticada em excesso.
Cláudio Lyra Bastos

Nao era este quadro clinico que o Prof. G. Langfelt chama de a esquizofrenia de bom prognostico ? Depois passou a ser incluída dentro do espectro das desordens afetivas ?
Lucio F. M. Villaca

Lúcio, Sinceramente, não sei. Deixo aos colegas acadêmicos esta discussão. Mas suponho que alguns diagnósticos de esquizofrenia acabem sendo de origem iatrogênica, principalmente nos EUA, como o Leopoldo mencionou. Se fossem tratadas adequadamente, teriam melhor prognóstico. Pessoalmente, reservo a esquizofrenia para os casos de evolução típica com deterioração, apesar do tratamento. Pois existe um contingente enorme de psicoses que têm origem afetiva, orgânica, secundária, reativa, etc. E costumam ter evolução mais favorável uma vez tratada a doença de base.
Nívia Bitencourt

Lúcio & Nívia, Pela resposta objetiva da Nivia percebo que passara-me inadvertida a dúvida pontual colocada pelo Lúcio. O Transtorno Esquizofreniforme (não necessariamente na definição original do termo por Gabriel Langfeldt) figura na CID-10 em duas categorias diferentes: 1) quando de curta duração (breve) em F23.2 - Transtorno psicótico agudo de tipo esquizofrênico (schizophrenia-like) e 2) quando de duração mais longa e/ou como transtorno não-especificado em F20.8 - Outras esquizofrenias. Na DSM-IV constitui categoria a parte (sintomas de esquizofrenia de início agudo (em no máximo 4 semanas), com perplexidade/confusão no clímax do quadro psicótico, bom ajustamento/funcionamento social prévio, com duração mínima de 30 dias, mas no total, inferior a 6 meses, e sem deixar defeito). É uma categoria freqüentemente usada como diagnóstico provisório até que o critério de tempo (mais de 6 meses) permita diagnóstico definitivo de Esquizofrenia.
Leopoldo H. Frota

Yoga é um tratamento auxiliar válido na depressão?

No Journal of Affective Disorders, 89(1-3), 2005, apareceu o artigo "Yoga for depression: a research evidence", de Karen Pilkingtona, Graham Kirkwooda, Hagen Rampesc e Janet Richardson: Yoga-based interventions may prove to be an attractive option for the treatment of depression. The aim of this study is to systematically review the research evidence on the effectiveness of yoga for this indication. Methods Searches of the major biomedical databases... Specialist complementary and alternative medicine (CAM) and the Ind MED databases were also searched... Results Five randomized controlled trials were located, each of which utilized different forms of yoga interventions and in which the severity of the condition ranged from mild to severe. All trials reported positive findings but methodological details such as method of randomization, compliance and attrition rates were missing. No adverse effects were reported with the exception of fatigue and breathlessness in participants in one study... Conclusions Overall, the initial indications are of potentially beneficial effects of yoga interventions on depressive disorders. Variation in interventions, severity and reporting of trial methodology suggests that the findings must be interpreted with caution. Several of the interventions may not be feasible in those with reduced or impaired mobility. Nevertheless,f urther investigation of yoga as a therapeutic intervention is warranted.

Seguiu-se a seguinte discussão na LBP:

Saludos, Isso traz à baila a questão das terapias complementares (ou "alternativas"). A Yoga ou o Yôga, como quizerem, é uma prática milenar cujos benefícios são bastante conhecidos empiricamente. Na Índia existem estudos sobre o uso do Yoga como terapia. Uma paciente minha com depressão resistente melhorou muito com a prática. Para ansiosos funciona melhor ainda, o difícil, como de resto em todo tratamento, é a adesão.
Rubens Mazzini

Rubens, estou convencido que muitos pacientes deprimidos que não respondem aos AD, na verdade não têm doença depressiva. Mas síndrome depressiva secundária a ansiedade-angústia crônica. O seu caso poderia ser um desses?
Luis Salvador

Salvador: Como poderíamos diferenciar esses dois quadros citados? Qual seria a melhor abordagem desse quadro de ansiedade-angústia crônica?
Luciano Munari

Leandro, a história é típica. Há sempre um quadro antigo de ansiedade (freqüentemente desde a infância ou adolescência) sucedida pelos sintomas depressivos que, pouco a pouco, dominam o quadro. Mas persistem os sintomas de ansiedade e ou angústia. Na verdade é a antiga neurose depressiva. Os antecedentes familiares mostram ocorrência de outros casos de ansiedade. Habituei-me há muito a usar o inventário de sintomas de José Otávio de Freitas para o dd. Nestes casos, trato sempre como ansiedade. Mas sem benzodiazepínicos, a não ser em episódios agudos, preferindo o uso de AD em pequenas doses. O desaparecimento dos sintomas de ansiedade, persistindo os depressivos, me conduz a usar os AD em doses maiores. Em geral, quando é depressão secundária, os sintomas depressivos desaparecem antes dos ansiosos, mas em algumas semanas. Mas sempre sigo o conselho hipocrático: nas doenças agudas, tratamentos rápidos; nas crônicas, tratamento lento.
Luis Salvador

Salvador, os AD são os melhores ansioliticos?
Olavo Bilac

Alguns AD, em doses ansiolíticas, quase sempre muito pequenas, se relacionadas com as antidepressoras, são os únicos medicamentos seguros para tratar ansiedade crônica cronicamente.
Luis Salvador.

Caro Mestre, Alguma dica quanto a como fazer um diagnóstico diferencial nesses casos?
Rubens Mazzini

A medida é essencialmente clínica. A chave da diferenciação está na seqüência cronológica do aparecimento dos sintomas. Nas depressões secundárias à ansiedade, as manifestações ansiosas são muito anteriores às depressivas. Ainda que, quase sempre, negligenciadas.
Luis Salvador

Caros Amigos,Nesse caso, poderia se dizer, então, que a Yoga possa trazer alívio da ansiedade ao invés de para a depressão? O Mestre Salvador ainda está me devendo a resposta quanto ao diagnóstico diferencial, no início do quadro, por que depois fica fácil ;-) E, destarte, surge uma terceira questão, qual a diferença no tratamento? só as dosagens?
Rubens Mazzini

Penso que são essas "depressões" as que são curadas por terapia, medicação, etc.
LSalvador

Caro Mestre, Em resumo, a depressão que se cura é pseudo-depressão e aquilo que a cura é uma pseudo-cura. A verdadeira depressão não tem cura, apenas tratamento paliativo, alívio dos sintomas, apenas ajudamos o paciente a "ir levando" sua difícil existência, ajudando-o a lidar da melhor forma possível com sua incurável doença com remédios e terapias. Nesses casos de pseudo-depressão, então, não faz muita diferença se o alívio é buscado por terapias médicas, alternativas ou complementares, trata-se de uma questão de gosto e preferência, certo? A avaliação médica só teria importância para fazer o diagnóstico diferencial sobre se o uso de medicação estaria ou não indicado. Então, segue a pergunta, há como fazer o diagnóstico diferencial antes de ocorrer a cura? a, qual, por suposto, significaria que não havia depressão real e que a melhora ocorreria de qualquer forma, com ou sem medicação?
Rubens Mazzini

Amigo Rubens, E este alivio dos sintomas de que você fala não contraria a recomendação que todos os experts em tratamento de depressão fazem, a de obter a remissão completa dos sintomas depressivos, seja através da farmacoterapia ou da psicoterapia? Ou vc quis dizer que uma vez tendo tido um episodio depressivo será sempre possível ter outros e esse curso da morbidade ninguém poderá modificar ?
Lucio F. M. Villaça

Lúcio e demais. Antigamente se falava em depressão endógena e depressão reativa, depois apareceram inúmeras denominações, sazonal etc. Todo material de propaganda mostra a Curva de Kupfer em que é mostrada a recaída e o usual tempo em que isso acontece. A depressão é comparada a doença autoimune, melhora, mas pode recair após longos anos ou não. A Yoga pode ser benéfica para manter a eutimia, mas acho difícil que um deprimido se disponha a praticar Yoga, falta-lhe o ânimo. Psicoterapia, medicação e toda e qualquer ação terapêutica irá aumentar o prazo entre as recaídas, não necessariamente impedi-las para sempre. Isso nos leva a discutir critérios de cura que pode ser muito particular para cada terapeuta. O assunto vai longe. Um abraço a todos.
Walmor Piccinini

É mais ou menos assim, O assim me parece. Mas que vende antidepressor caro e seus acólitos levam vantagem com a confusão.
Luis Salvador

Caro Lúcio, As duas coisas. Claro que o objetivo é sempre a remissão completa dos sintomas. Coisa que, no entanto, infelizmente, na prática mesmo, nem sempre se consegue. Quanto às recaídas, são quase inevitáveis também, por mais bem tratado que esteja o paciente.
Rubens Mazzini

PSICOFARMACOLOGIA NA LBP - Leopoldo Hugo Frota

1. Cannabidiol & Esquizo Refratária - Brasil

Chamo atenção para o esforço de Zuardi & cols. em Ribeirão Preto, SP que, dando seqüência a estudos sobre o Cannabidiol (alcalóide da maconha sem efeitos neuropsíquicos/comportamentais como o THC ao qual já se chegou a atribuir potenciais propriedades antipsicóticas) acabam de publicar resultados de um pequeno ensaio aberto preliminar da substância em 3 esquizofrênicos refratários. Com resultados negativos, embora boa tolerabilidade. Que persistam nesta não esgotada linha de pesquisas, preferencialmente com amostras maiores de pacientes não necessariamente refratários, submetidos a ensaios randomizados, duplo-cegos, controlados, com diferentes faixas de doses diárias. Parabéns, de qualquer forma, pelo esforço pioneiro, mas sobretudo, principalmente, pela publicação de resultados negativos, tão freqüentemente descartados/omitidos pela literatura! Único antídoto conhecido contra as terríveis "literature bias", tão mortais às metanálises!
Zuardi AW, Hallak JE, Dursun SM, Morais SL, Faria Sanches R, Musty RE, Crippa JA. Cannabidiol monotherapy for treatment-resistant schizophrenia. J Psychopharmacol. 2006 Jan 9; Department of Neuropsychiatry and Medical Psychology, Faculty of Medicine, University of Sao Paulo, Ribeirão Preto, Sao Paulo, Brazil. Cannabidiol (CBD), one of the major products of the marijuana plant, is devoid of marijuana's typical psychological effects. In contrast, potential antipsychotic efficacy has been suggested based on preclinical and clinical data (Zuardi et al., 2002). In this report, we further investigated the efficacy and safety of CBD monotherapy in three patients with treatment-resistant schizophrenia (TRS). This was an in-patient study. All patients were given placebo for the initial 5 days, and from the 6th to 35th day (inclusive) they received CBD (initial oral dose of 40 mg reaching 1280 mg/day). On day 36th, CBD treatment was discontinued and replaced by placebo for 5 days, which was subsequently switched to olanzapine for over 15 days. Efficacy, tolerability and side effects were assessed. One patient showed mild improvement, but two patients didn't show any improvement during CBD monotherapy. All patients tolerated CBD very well and no side effects were reported. These preliminary data suggest that CBD monotherapy may not be effective for TRS.

2. Agomelatina (Valdoxan®)

Novo antidepressivo com inédito mecanismo de ação (agonista da melatonina) encontra-se em vias de licenciamento e comercialização pelos laboratórios Servier. Refiro-me a agomelatina (agomelatine ou composto S20098, nome químico sistemático Acetamida, N-(2-(7-metoxi-1-naftalenil)etil); comercial VALDOXAN® ), em dose oral diária de 25mg. Trata-se de um agonista potente dos receptores melatoninérgicos Me1 e Me2, além de antagonista moderado serotoninérgico 5-HT2b e antagonista potente 5-HT2c. À guisa de curiosidade, não se deixe de destacar que ensaios clínicos iniciais (França, além de Alemanha, Suíça, Polônia, Canadá, etc (V. NOTA ABAIXO), foram inaugurados a partir do mesmo serviço a partir do qual Jean Delay em 1952 lançou o primeiro neuroléptico ou antipsicótico típico, a clorpromazina: as enfermarias do já célebre Hospital Sainte-Anne, em Paris. Recente artigo de autor ligado àquela unidade (Rouillon F. Efficacy and tolerance profile of agomelatine and practical use in depressed patients. Int Clin Psychopharmacol. 2006 Feb;21 Suppl 1:S31-5.), vem sumarizar o conhecimento clínico acumulado, no qual merece destaque:
1) eficácia na Depressão Maior comparável à da venlafaxina;
2) ausência de efeitos adversos pró-serotoninérgicos, inclusive sexuais, típicos dos ISRS;
3) ausência de síndrome de abstinência na retirada como observado com paroxetina e outros ADs;
4) correção dos distúrbios do sono sem sonolência diurna.
Aguardemos licenciamento por aqui (V. NOTA ABAIXO)..

NOTA: A propósito: - não nos consta ter sido ensaiado no Brasil! E pasmem!: -isto não impedirá, como nos mostram lamentáveis precedentes recentes (!), que seja muito em breve licenciado pela ANVISA, com base exclusivamente em resultados obtidos no exterior! Fato lamentável, pelo total desconhecimento da tolerabilidade de novo medicamento (!) em nossa população, miscigenada e única do ponto de vista genômico! Obrigada que está a consumir medicamentos sem eficácia e tolerabilidade devidamente comprovadas! Incompreensível política tupiniquim que insiste em burocratizar/dificultar/negar a aprovação pelo CONEP de ensaios clínicos com novos medicamentos! Isto já levou a Indústria a desistir de encaminhar protocolos, deixando de aplicar valiosos recursos por aqui! Além de ser contra o interesse científico nacional, do ponto de vista sanitário e do técnico-científico, tais decisões podem trazer prejuízos de grande monta ao país, do ponto de vista da manutenção/desenvolvimento de nosso parque bio-tecnológico, e também comercial.

3. SSR504734 - Novo Ap Glutamatérgico - (Para ATUALIZAÇÃO E-BOOK - 5O ANOS AP)

Além do imperativo envolvimento (sintomas positivos) das vias dopaminérgicas centrais D2-like (já sobejamente estabelecido a partir dos estudos iniciais Prêmio Nobel Arvid Carlsson e consubstanciados pelos estudos do mecanismo de ação dos atípicos conhecido como "fast-off", pelo grupo canadense liderado por Phillipe Seeman, de Toronto, que vieram relativizar a importância do bloqueio serotoninérgico 5Ht2) e apenas secundariamente de outras vias, como as dopaminérgicas D1-like, serotoninérgicas, colinérgico-muscarínicas, opióides, canabinóides, etc, a neurotransmissão glutamatérgica através dos receptores ionotrópicos do subtipo NMDA, tem sido vista como importante na sintomatologia negativa e cognitiva esquizofrênica, além de ter papel já comprovado na Doença de Alzheimer. Como destacamos à pág 23 de nosso e-book "Cinqüenta Anos de Medicamentos Antipsicóticos em Psiquiatria" (Novembro de 2003), após tentativas de administração do próprio aminoácido em grandes quantidades na dieta oral de esquizofrênicos, vários Inibidores do Transporte (recaptação) de Glicina tem sido desenvolvidos como novos potenciais antipsicóticos atípicos, com inédito mecanismo de ação, sem catalepsia (o aumento da oferta de glicina, como coagonista obrigatório, estimula a transmissão glutamatérgica via receptores subtipo NMDA). Conforme destacáramos no e-book, pág. 23, seção da clorpromazina: "(...) Uma linha de pesquisa recente interessante é a que procura relacionar alguns efeitos dos antipsicóticos a sua ação sobre os receptores NMDA (N-metil-D-aspartato), um subtipo de receptor glutamatérgico. O glutamato é o principal aminoácido excitatório do SNC e por esta linha de pesquisa surgiram tentativas de uso da glicina (aminoácido não-essencial potencializador do glutamato endógeno como coagonista obrigatório dos receptores NMDA) no papel de coadjuvante no tratamento da Esquizofrenia, tentativas estas que teriam resultado em redução significativa adicional de sintomas negativos sem agravamento dos positivos (67). (...)", pág. 285, seção da clozapina: "(...) Resultados promissores com melhoras significativas na sintomatologia negativa, sustentadas mesmo após a suspensão, por outro lado, também foram obtidos na associação de olanzapina ou clozapina à glicina (NEUTROFER®) em altas doses, segundo estudo conduzido por pesquisadores do Programa de Esquizofrenia e Neurociência Cognitiva do Instituto Nathan Kline de Nova Iorque (141, 142). Registre-se que a glicina é um aminoácido que age como agonista nos receptores do tipo NMDA (um dos 3 subtipos de receptores glutamatérgicos do SNC). (...)" ; além de pág. 378, seção risperidona: "(...) O mesmo pode ser dito da interação favorável observada com a adição de 50mg/d de D-cicloserina (um agonista parcial dos receptores glutamatérgicos ionotrópicos subtipo NMDA do mesmo modo que a glicina e a D-serina) ao tratamento com antipsicóticos com acentuada melhora adicional da sintomatologia negativa, fato inicialmente observado com os neurolépticos (204) e agora confirmado também para olanzapina e risperidona (227).(...)"

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/LH%20FROTA%20-%201%20Ed%20-%2050%20ANOS%20DE%20MEDICAMENTOS%20ANTIPSICOTICOS.pdf

Referencias: (67) - 67. Heresco-Levy U, Javitt DC, Ermilov M, Mordel C, Silito G, Lichtenstein M. Efficacy of high-dose glycine in the treatment of enduring symptoms of schizophrenia. Archives of General Psychiatry 1999; 56(1):29-36.
(141, 142) - 141. Javitt DC. Management of negative symptoms of schizophrenia. Curr Psychiatry Rep 2001 Oct;3(5):413-7. 142. Javitt DC, Silipo G, Cienfuegos A, Shelley AM, Bark N, Park M, Lindenmayer JP, Suckow R, Zukin SR. Adjunctive high-dose glycine in the treatment of schizophrenia. Int J Neuropsychopharmacol 2001 Dec;4(4):385-91. (227) - 227. Heresco-Levy U, Ermilov M, Shimoni J, Shapira B, Silito G, Javitt DC. Placebo-controlled trial of D-cycloserine added to conventional neuroleptics, olanzapine, or risperidone in schizophrenia. Am J Psychiatry 2002 Mar;159(3):480-2.

Aliás, para visão geral do tema, ver excelente revisão nacional por Bressan & Pilowsky (UNIFESP/Instituto de Psiquiatria de Londres) publicado na revista da ABP: Bressan RA, Pilowsky LS. Hipótese Glutamatérgica da Esquizofrenia . Rev. Bras. Psiquiatr., Sept. 2003, vol.25, no.3, p.177-183. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-44462003000300011&script=sci_arttext&tlng=pt

Pois bem, desde a década de 80 pelo menos, uma série de compostos com farmacodinãmica vêm sendo desenvolvidos em diferentes centros de pesquisa. Poucos, porém, alcançaram desenvolvimento, com possibilidades licenciamento em nova modalidade de Antipsicóticos Atípicos ou mesmo coadjuvantes aos APs tradicionais. Entre eles, um dos mais promissores, é o composto SSR504734 ( 2-Cloro-N-S-fenil 2S-piperidin-2-il metil]-3-trifluorometil benzamida, monocloridrato), um derivado piperidínico 2-substituído (não citado no e-book; ver fórmula em anexo), obtido por investigadores do Depto. de Sistema Nervoso Central da Divisão de Pesquisas da Sanofi-Synthelabo, com sede em Bagneux, França. Desde então foram publicados novos papers sobre esta substância (destacamos: Depoortere R et al. Neurochemical, electrophysiological and pharmacological profiles of the selective inhibitor of the glycine transporter-1 SSR504734, a potential new type of antipsychotic. Neuropsychopharmacology 2005 Nov;30(11):1963-85.), e ela foi incluída na ampla revisão dos Antipsicóticos Inibidores do Transportador de Glicina ("Glycine Transporter Inhibitors as Therapeutic Agents for Schizophrenia"), elaborada por Kenji Hashimoto da Divisão de Neurociência Clínica do Centro de Saúde Mental Forense, da Universidade de Chiba, Japão, num paper em vias de publicação no Recent Patents on CNS Drug Discovery.
Embora improvável que venha a ter relevante papel como monoterapia em casos agudos ou subagudos, vale a pena acompanhar o desenvolvimento deste revolucionário grupo de novos potenciais antipsicóticos atípicos.

4. Esquizofrenia & Sistema Glutamatérgico (Complemento) (Para ATUALIZAÇÃO E-BOOK - 5O ANOS AP)

A respeito da mensagem acima sobre os potenciais antipsicóticos ou coadjuvantes glutamatérgicos aos APs típicos e semi-atípicos, gostaríamos de lembrar que pesquisadores da própria UFRJ do Grupo de Neuroquímica das Patologias Neuropsiquiátricas do Depto. de Anatomia ICB-UFRJ sob a liderança do Prof. Adjunto Rogério Arena Panizzutti, MD, PhD, mantém ativa linha de pesquisas sobre o tema e transtornos neuropsiquiátricos (Alzheimer, Esquizofrenia). Detalhes em:

http://www.anato.ufrj.br/m_rpanizzutti.html

Além de inúmeras publicações próprias e c/ seus cols., Prof. Panizzutti foi o orientador de pequeno trabalho realizado por estudantes da UFRJ, Caroline Madeira Moreira & Arajany Souza Coelho, apresentado na última Jornada de Iniciação Científica promovida pelo CCS-UFRJ em outubro último, entitulado: "Estudo dos Nìveis das Enzimas do Metabolismo da D-Serina na Esquizofrenia. Disponível em:

http://www.sr2.ufrj.br/suporte/jornada/prog_ccs.pdf

Por outro lado, tb gostaríamos de destacar que o grupo de Uriel Heresco-Levy do Instituto Nathan S Kline para Pesquisa Psiquiátrica em Orangeburg, USA (atualmente Heresco-Levy é docente do Depto. de Psiquiatria da Hadassah Medical School da Universidade Hebraica em Jerusalém), responsável por boa parte dos ensaios clínicos com co-agonistas de receptores glutamatérgicos NMDA (Glicina, D-Cicloserina, D-Serina) no tratamento da refratária sintomatologia cognitiva e negativa nos esquizofrênicos crônicos, voltou a publicar no ano passado mais um ensaio, no qual em complemento ao uso da Glicina e D-Cicloserina, descrevem os bons resultados com boa tolerabilidade da D-Serina (30mg/kg/d) como coadjuvante à risperidona e olanzapina, os dois APs atualmente mais usados no mundo: Heresco-Levy U, Javitt DC, Ebstein R, Vass A, Lichtenberg P, Bar G, Catinari S, Ermilov M. D-Serine Efficacy as Add-on Pharmacotherapy to Risperidone and Olanzapine for Treatment-Refractory Schizophrenia. Biol Psychiatry 2005;57:577-585.
Trata-se de estudo duplo-cego, controlado por placebo e com mensuração das concentrações séricas, com seis semanas de duração e n = 39 pacientes refratários, com melhoras não só sobre sintomas cognitivos e negativos, como sobre sintomas positivos e depressivos secundários (v. gráfico de resultados sintomatológicos no anexo I). O interessante é que tem nítidos efeitos quando acrescentado aos neurolépticos, ainda marcantes com os atípicos de segunda geração, mas nada acrescenta à clozapina. A velha clozapina teria em possíveis efeitos glutamatérgicos diretos a razão de sua eficácia diferencial marcante na esquizofrenia refratária? Esta a especulação em curso. Informações adicionais sobre o tema além das já enviadas:
1) No ebook, pág. 378, na seção risperidona, efeitos da D-Cicloserina:

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/LH%20FROTA%20-%201%20Ed%20-%2050%20ANOS%20DE%20MEDICAMENTOS%20ANTIPSICOTICOS.pdf

"(...) O mesmo pode ser dito da interação favorável observada com a adição de 50mg/d de D-cicloserina (um agonista parcial dos receptores glutamatérgicos ionotrópicos subtipo NMDA do mesmo modo que a glicina e a D-serina) ao tratamento com antipsicóticos com acentuada melhora adicional da sintomatologia negativa, fato inicialmente observado com os neurolépticos (204) e agora confirmado também para olanzapina e risperidona (227).(...)"
(227) - 227. Heresco-Levy U, Ermilov M, Shimoni J, Shapira B, Silito G, Javitt DC. Placebo-controlled trial of D-cycloserine added to conventional neuroleptics, olanzapine, or risperidone in schizophrenia. Am J Psychiatry 2002 Mar;159(3):480-2.
(204) - 204. Goff DC et al. Dose-finding trial of D-cycloserine added to neuroleptics for negative symptoms in schizophrenia. Am J Psychiatry 1995; 152:1213-15.
2) Na revisão nacional de Bressan & Pilowsky, (v. principais agonistas/antagonistas dos receptores glutamatérgicos NMDA): Texto completo em Português:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-44462003000300011&script=sci_arttext&tlng=pt

5. Sertindol (Sertindole, Serdolect®) está de volta! - (Para ATUALIZAÇÃO E-BOOK - 5O ANOS AP)

Mês passado anunciou-se na Europa o reinício da comercialização do sertindol (4-24mg/d), AP atípico indólico de segunda geração (antagonista seletivo misto D2/5Ht2A com pequena propensão à sedação, efeitos anticolinérgicos, convulsões, discrasias, síndrome metabólica e com ganho ponderal somente superior ao da ziprasidona) que fora retirado de comercialização em 1998 (ainda não chegara a sê-lo nos USA, embora já o tivesse sido no Canadá) pela constatação de prolongamento do intervalo QTc no eletrocardiograma (acima de 425/450milisegundos), podendo conseqüentemente estar implicado em casos de morte súbita pelas graves arritmias do tipo Torsade de Pointes (estado de pré-fibrilação ventricular, fibrilação que significa funcionalmente o mesmo que parada cardíaca) que os prolongamentos deste tipo costumam prenunciar. Na ocasião houve reações por parte de especialistas que julgaram a medida apressada. Desde então, porém, as agências reguladoras aumentaram o controle para este tipo de efeito adverso por parte dos APs e não foi por outra que não esta razão que a ziprasidona, também indutora de prolongamento em animais de laboratório, embora sem comprovação de mortes súbitas na clínica em seres humanos, custaria tanto a obter licenciamento da FDA.
O sertindol (SERDOLECT®) agora com experiência acumulada em ensaios com mais de 17.000 pacientes, volta inicialmente apenas na Estônia, apesar de ter recebido renovação da autorização pela Comissão Européia para todo o continente, em 20 de dezembro do ano passado. Anunciou a Lundbeck, detentora da patente, reinício das vendas ainda neste primeiro semestre de 2006 nos países escandinavos e Alemanha, além de 15 outros países (Brasil, inclusive?) muito em breve.
Boas notícias. Mais opções, maior concorrência, menores preços finais. E pelo sim, pelo não, para que possam ir se familiarizando mais com o sertindol, para nós um ainda desconhecido atípico, embora tenha chegado a gozar de popularidade entre os especialistas europeus, particularmente colegas britânicos e mesmo canadenses, sugerimos consulta à pág. 195 de nosso e-book que se mostra ainda bastante atualizada e conta toda a polêmica do licenciamento e retirada que dá uma boa idéia da disputa do mercado norte-americano entre firmas locais e a indústria de pesquisa farmacêutica européia:

http://www.ipub.ufrj.br/FROTA%20LH%20-%20AP%2050%20ANOS.pdf

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6. Bexaroteno - (Para ATUALIZAÇÃO E-BOOK - 5O ANOS AP)

Encontra-se em fase de recrutamento nos USA (Beersheva Mental Health Center) ensaio clínico israelita/norte-americano (Vladimir Lerner e cols.), de Fase III, aberto, visando avaliar a utilidade do bexaroteno em doses baixas (intensidade da psicopatologia, qualidade de vida, performance cognitiva; 75mg/d, usual 400mg/d). É medicamento já licenciado em apresentação tópica (gel) no tratamento da psoríase vulgaris, assim como do linfoma cutâneo de células T e outras formas de dermatites micóticas, além de câncer (pulmão, trato digestivo, próstata, etc) em apresentação oral, e nesse inédito ensaio, como coadjuvante a APs na Esquizofrenia. Trata-se de um retinóide sintético, i.e. um derivado da Vit A (bexarotene, TARGRETIN® - Ligand Pharmaceuticals Inc.; LGD1069; 4-[1-{5,6,7,8-tetrahidro-3,5,5,8,8-pentametil-2-naftalenil} etenil], ácido benzóico), que age como agonista seletivo dos receptores retinóides X (agente rexinóide), cujo potencial benefício em esquizofrênicos baseia-se nas recentes hipóteses de desregulação retinóide (Goodman AB. Chromosomal locations and modes of action of genes of the retinoid (vitamin A) system support their involvement in the etiology of schizophrenia. Am J Med Genet. 1995 Aug 14;60(4):335-48. Review.) e deficiência de fatores de crescimento/desestabilização sináptica/apoptose da psicose (Moises HW, Zoega T, Gottesman II. The glial growth factors deficiency and synaptic destabilization hypothesis of schizophrenia. BMC Psychiatry. 2002 Jul 3;2:8. Full-Text grátis).
Teoricamente interessante, ressalte-se que do ponto de vista clínico-terapêutico porém, é pouco provável o aproveitamento em função dos freqüentes e graves problemas de tolerabilidade do bexaroteno, alguns já compartilhados pelos APs [hiperlipidemias, risco de pancreatite, hipotireoidismo, leucopenia, anemia, além de catarata (?)] antecipando-lhe, assim, baixa relação custo/benefício na Esquizofrenia. De qualquer forma não custa acompanhar, pelo menos por seu interesse teórico.

ATUALIZE-SE!!!

1. O mais completo trabalho sobre antipsicóticos de autoria do prof. Leooldo Hugo Frota:

CINQÜENTA ANOS DE MEDICAMENTOS ANTIPSICÓTICOS EM PSIQUIATRIA: http://www.medicina.ufrj.br/cursos/LH%20FROTA%20-%201%20Ed%20 %2050%20ANOS%20DE%20MEDICAMENTOS%20ANTIPSICOTICOS.pdf

ou

http://www.ipub.ufrj.br/FROTA%20LH%20-%20AP%2050%20ANOS.pdf

2. Tudo sobre a Disfrenia Tardia pelo seu descobridor original, prof. Leopoldo Hugo Frota:

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/JBP%202%20COLUNAS%20-%20com%20refer%EAncia%20completa%20&%20foto%20 %20AGONISTAS%20PARCIAIS%20NO%20ARMAMENTARIUM.pdf

3. Protocolo para Escolha do Antipsicótico Atípico, de autoria do prof. Leopoldo Hugo Frota:

http://www.medicina.ufrj.br/cursos/JBP%20-%20PROPOSTA%20DE%20PROTOCOLO%20PARA%20A%20ESCOLHA%20DO%20ATIPICO.pdf

Noticiário

Pacientes que pararam de tomar remédios durante a gravidez têm cinco vezes mais chances de voltar a ter sintomas depressivos - Mudanças hormonais durante a gravidez não protegem as mulheres da depressão, e aquelas que tomam antidepressivos devem continuar, apesar das preocupações sobre os danos para o feto, disseram pesquisadores na terça-feira.
"Nós constatamos que pacientes que pararam de tomar antidepressivos durante a gravidez tinham cinco vezes mais chances de voltar a ter sintomas depressivos do que pacientes que decidiram continuar (com os remédios) durante a gravidez", afirmou Lee Cohen, médico do Hospital Geral de Massachusetts em Boston que comandou a pesquisa. A taxa de recaída foi parecida para as mulheres que não estavam grávidas que cortaram ou pararam de tomar antidepressivos, de acordo com o relatório.
O estudo examinou 201 grávidas entre 1999 e 2003 que sofriam de depressão grave antes de engravidar e que mantiveram o uso do remédio ou tentaram eliminá-lo ou reduzi-lo, com medo de danificar o feto. Cohen disse que torna-se aparente que "gravidez não protege as mulheres contra depressão durante a gravidez" através dos hormônios e outras mudanças biológicas que ocorrem. O estudo, publicado no Journal of the American Medical Association desta semana, informa que os pesquisadores não constataram que os antidepressivos levam a deficiências nos bebês. Mas vários relatórios recentes informam uma possível relação entre algumas drogas e má formação no coração e angústias no recém-nascido. "O objetivo do obstetra e do psiquiatra é receitar as drogas mais seguras para o paciente", disse Jennifer Wu, obstetra do Hospital Lenox Hill em Nova York, Em vez de eliminar antidepressivos durante a gravidez, ela afirma, "um caminho melhor seria reduzir medicamentos e usar a dose menos forte possível".

OPINIÃO

Sobre elefantes e gente.

Na Índia, elefantes revoltam-se e atacam humanos e suas aldeias. Em certos lugares, uma média de 3 vítimas humanas por semana são contadas por ataques destes animais.
Pensava-se, inicialmente, que tal atitude fosse devida à escassez de alimentos, já que os agricultores cada vez mais ocupam os espaços destinados a estes animais, que necessitam de amplas florestas para sobreviverem. O governo limita, então, as manadas promovendo matanças periódicas para conter a população destes animais, pois, não há outra solução para o conflito (de fato, já é estimado que as populações de elefantes daquela área desaparecerão em algumas décadas, pois, a necessidade humana por terras e cultivo é imperiosa). Nessas matanças, os adultos são selecionados e os filhotes, desesperados, assistem à morte das mães e sofrem tremendamente com o fato, literalmente aterrorizados.
[Algumas vezes, elefantes machos tornam-se extremamente violentos e matam indiscriminadamente humanos (nas florestas, matam seus competidores imediatos, os rinocerontes), devido à um excesso de testosterona que literalmente inunda o organismo do animal.] Um estudo sociobiológico, contudo, acrescentou uma dimensão fascinante ao problema. Primeiro, mostrou o quanto os elefantes são organizados em termos de família e comunidade. São extremamente apegados e emotivos, mantém laços familiares por gerações, sofrem de luto pelos mortos e os recordam (ritualizam suas lembranças cheirando e manipulando os ossos), e os filhotes são criados por um consórcio de mães, tias e avós, como nos humanos. É este consórcio que ensina os elefantinhos a serem elefantes e cuidarem da manada. Eles se comunicam por sons e também por vibraçoes que impõe ao solo com as patas, e assim a manda sabe o que se passa ou de alguma aproximação. Também tem o maior cérebro entre os mamíferos.
O mais interessante é que várias equipes de pesquisadores acompanharam uma manada em seus paroxismos zoocida, homicida e destruidor de árvores e aldeias, e constataram, para grande surpresa, que todos os membros dessa manda eram órfãos! Alguns especialistas estenderam este estudo a outras observações e parece que - salvo juízo mais apurado - esses animais, na maioria das vezes, atacam e matam por puro desespero e medo [salvo situações acima mencionadas]. Enfim, discute-se agora se isto não é um sério indício de ocorrência do TEPT em mamíferos. De fato, este fenômeno tem sido endêmico em áreas na Índia onde os elefantes convivem estreitamente com humanos, são vítimas de um conflito de terra, e, sobretudo, vivem com freqüência a experiência de ver suas mães e entes familiares serem exterminados a tiros, integrando uma população crescente de órfãos, que formam hordas errantes.
Não resta dúvidas que este fenômeno pode ser um bom modelo para se estudar determinantes comportamentais e neurobiológicos, talvez uma boa contribuição para o estudo do TEPT, que parece ser mais amplo do que se pensa e pode ser uma variável importante ao se discutir violência, sociedade e exclusão.
Fernando Portela Câmara


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