Volume 10 - 2005
Editor: Giovanni Torello

 

Abril de 2005 - Vol.10 - Nº 4

História da Psiquiatria

Apontamentos sobre a História da Revista Brasileira de Psiquiatria

Walmor J. Piccinini

Estamos nos aproximando de um marco histórico da psiquiatria brasileira, em 2006, a Associação Brasileira de Psiquiatra completará 40 anos de existência. Sua fundação ocorreu em 13 de agosto de 1966. Nesse dia, no Hospital Pinel no Rio de Janeiro, um grupo de representantes das diversas regiões do país, em concorrida assembléia, aprovou os estatutos, fundou a ABP e elegeu seu primeiro presidente, o Professor José Leme Lopes. O Rio de Janeiro foi escolhido como sede da Secretaria Geral e da Tesouraria. O grande debate foi sobre a forma da constituição da Associação, um grupo propunha uma associação individual, outro pretendia uma Federação de Associações. Um dos líderes do primeiro grupo foi o Professor Clóvis Martins, de São Paulo. Mesmo derrotado em suas propostas, Clóvis Martins participou ativamente da Assembléia, secretariou a sessão e lavrou a ata. Como prêmio de consolação recebeu a incumbência de ser o editor da futura revista da abp. Nos propomos contar alguns fatos envolvendo a acidentada história dessa revista que hoje, é considerada a mais importante revista de psiquiatria do Brasil.

A idéia de ter uma revista própria foi colocada nos estatutos da ABP. Desde seu começo ficou estabelecido que a revista ficaria em São Paulo. Isso trem sido mantido e somente uma vez a editoria saiu de São Paulo e nós iremos contar o que aconteceu.

Recebida a missão, o professor do Departamento de Psiquiatria da USP, Clóvis Martins, assumiu a editoria da revista e fez mais, pela falta de registro jurídico da abp, a revista foi registrada em seu nome, o que gerou, mais adiante, uma série de conflitos e incompreensões. No ano de 1967, foi editado seu primeiro número e ela seguiu com a mesma editoria por cinco anos.

A relação do editor da Revista com as sucessivas diretorias da ABP foram se complicando, as despesas eram grandes, a ABP lutava com a falta de recursos, as dívidas da revista eram responsabilidade do editor. Essa relação conflituosa culminou com a interrupção da produção da revista por vários anos. Não entrevistamos as pessoas envolvidas, muitas já falecidas, mas arriscamos a dar uma idéia isenta do que aconteceu. No último número da revista o editor publicou o balancete acusando um déficit de Cr$ 13.272,93. Não é fácil ter uma idéia dos valores daquela época, mas seria próximo dos 30% do valor total. A ABP não assumiu as despesas, o editor ficou contrariado, houve o rompimento e, como nas disputas infantis, o editor colocou a bola debaixo do braço e foi para casa. Antes desse desentendimento, Clóvis Martins presidiu o Primeiro Congresso da ABP, junto com o VI da APAL, em 1970, em São Paulo. Nesse ano foi eleito Presidente da APAL e como conseqüência do “imbróglio” da revista, sua presença foi rareando nos eventos psiquiátricos nacionais. Foi lamentável.

A partir de 1973 a ABP ficou sem uma revista de circulação nacional, isso incomodava seus associados. Na Assembléia de Delegados de 1975 optou-se por novo caminho, esquecer a RBP e editar uma nova publicação com o nome de Revista da ABP. Da decisão até a concretização passaram-se mais dois anos. David Zimmermann na presidência da ABP, depois de muitas tentativas de negociação diplomática com o a antigo editor e diante das dificuldades financeiras, aproveitou a infra-estrutura da Associação Médica do Rio Grande do Sul, colocada à disposição por seu presidente que era Harri Valdir Graeff, um psiquiatra e com apoio de Hans I. Schreen presidente da SPRS, re-editou a revista em Porto Alegre. Ela saiu com o título ABP Revista.Foi apenas um número. Em agosto de 1977 surgia o volume um de número 1 da ABP Revista. Seu Editor foi o Prof. Aristides Volpato Cordioli com Ivete Enck, José Ricardo Pinto de Abreu e Paulo Fernando B.Soares como editores assistentes. Os editoriais não fazem menção a Revista Brasileira de Psiquiatria, Clóvis Martins não é citado, seu nome foi congelado na história da ABP.

Terminada a gestão Zimmermann, assumiu a ABP, Ulysses Guimarães, e nova interrupção aconteceu. O motivo de sempre, falta de recursos.

Novo hiato na publicação, a revista foi relançada em 1979, ainda na gestão de Ulysses Vianna Filho. A editoria voltara para São Paulo. O Editor chefe foi Sérgio Dario Seibel e como co-editores os doutores Joaquim Lopes Alho Filho e Sérgio Hazov Coure. Do Editorial de relançamento, assinado pelo próprio Ulysses Vianna extraímos algumas linhas: “Somente uma entidade como a ABP, pode assumir a responsabilidade de editar uma revista de cunho nacional, o que, aliás consta dos seus estatutos. Desse modo, logo depois de sua fundação (1966) foi editada a Revista Brasileira de Psiquiatria, sob a responsabilidade do Dr. Clóvis Martins, que registrou a revista em seu nome, pois a ABP não tinha na ocasião registro oficial” Segue-se referência a Assembléia de Delegados que exigia uma revista e a interrupção por dois anos, motivada pelos custos elevados.

A Revista começou com um erro na numeração e isso só foi corrigido no ano três, volume 4 (12) em 1982. Após alguns números o Editor Sérgio Seibel saiu e a editoria foi assumida por Joaquim Lopes Alho Filho e Sérgio Hazov Coure.

Em 1981 os editores explicam a decisão da diretoria da ABP de não permitir a publicação de artigos em língua estrangeira. Decisão estranha, pois em 1984 Revista ABP interrompe sua publicação e surge a Revista APAL. No ano de 1984 foram editados dois números da Revista APAL, foi uma tentativa de aproximação com os colegas latino-americanos aproveitando-se o fato de que a Diretoria da APAL nos anos de 1983 a 1985 tinha Manoel Antonio Albuquerque como Presidente, a Vice a Dra. Flor Sólis de Méndez,como Secretário o Dr. Marcos Pacheco Toledo Ferraz e Tesoureiro o Dr. Antonio Napoleão dos Santos.

A Editoria da Revista é assumida pelo próprio Manoel, junto com Marcos Ferraz e Miguel Jorge.

A Revista deixa de ser da APAL e passa a ser compartilhada, na capa vão as duas Associações, APAL e ABP. Ela assume o volume sete, número 1 (1985).

No ano sete, volume 7, número 24 entram novos editores,

Editores; Arthur Guerra de Andrade - Helena Maria Calil - Miguel Roberto Jorge e Sérgio Luiz Blay.

O Conselho Editorial: Clóvis Martins - Manoel Albuquerque e Marcos P. T. Ferraz

Na Presidência de Luiz Salvador Miranda e Sá Júnior o nome da Revista passa a ser ABP/APAL, era o volume oito, número 1 de 1986.

No vol 15 n 1 jan/março de 1993. Já sob a presidência de Othon Bastos, a editoria é assumida por Helena Maria Calil e Sérgio Luiz Blay. Os editores associados passaram a ser José Cássio da Nascimento Pitta e Sérgio Baxter Andreoli. Essa equipe permaneceu à frente da revista até o final de 1998. Em 1999, começou uma nova editoria comandada por Eurípedes Constantino Miguel Filho e Jair de Jesus Mari.

Sei que essa numeração toda dá uma idéia de certa confusão metodológica e uma busca para uma revista mais profissional. Os editoriais, pelos vários editores, sempre se pautaram pelo registro das dificuldades financeiras, a necessidade de buscar o autofinanciamento e a busca pela melhoria científica dos trabalhos. O conflito com o primeiro editor, a perda do nome, as atribulações causadas pela falta de recursos da entidade mantenedora, foram sendo assimiladas e um futuro melhor começou a ser possível.

Os atuais editores conseguiram desmanchar os mal entendidos com o primeiro editor e, felizmente, a Revista Brasileira de Psiquiatria conseguiu acertar seu rumo.

Recuperou seu nome e com a recuperação da sua identidade pode se firmar como modelo de revista psiquiátrica. A publicação de artigos em outras línguas, mormente o inglês, abriu as portas para o reconhecimento internacional e a Revista Brasileira de Psiquiatria foi reconhecida pelo Medline e está em busca de novos reconhecimentos.

O Brasil está progredindo na área de publicações biomédicas. Segundo o “Science Indicators” da “International Science Information” (EUA), o Brasil, em 2001 ocupava o 21 lugar entre os 30 países mais produtivos na área. A Argentina no 27 lugar e o México em 29 são os dois outros países da América Latina que aparecem na lista.

Do Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria que estamos construindo ao longo de dez anos de trabalho, reunimos as seguintes informações sobre as publicações da revista sob suas diferentes denominações.

801 artigos publicados.

Revista Brasileira de Psiquiatria; anos de 1967 a 1972. = 80

Revista ABP. =107

Revista ABP/APAL. =322

Revista Brasileira de Psiquiatria; anos de 1999 até 2004. =292 Total = 801

Autores com 10 ou mais trabalhos publicados:

Jair de Jesus Mari. 21 (18 antes de ser Editor responsável)

Arthur Guerra de Andrade: 17

Elisaldo A Carlini: 16

Florence Kerr-Corrêa. 16

Albina R. Torres. 13

Clóvis Martins. 10

José Alberto Del Porto. 10

Naomar de Almeida Filho. 10

Paulo Dalgalarrondo. 10

A lista de autores é grande, demonstrando uma preocupação igualitária e democrática.

A predominância em relação aos assuntos coube a álcool e drogas. São 62 trabalhos sobre alcoolismo e 162 sobre drogas em geral. Não somente sobre drogas de abuso, mas sobre novos medicamentos etc.

Temos 40 trabalhos sobre Esquizofrenia.

Sobre psicoterapia 13.

Sobre psicanálise 11.

Sobre crianças 12.

Uma grande conquista foi a publicação on-line da revista através do www.scielo.br . Os suplementos da revista vieram atender uma solicitação antiga de educação continuada, com artigos acessíveis aos psiquiatras de todas as regiões do país. A publicação em si passou a ser bilíngüe. Diferentemente de alguns que consideram esse fato uma rendição às forças internacionais, encaro como uma necessidade para que os autores sejam lidos e citados. Um defeito que vejo nessa e em outras publicações nacionais, é o número diminuto de citações de artigos de autores brasileiros. Acho que artigos que não citem os principais artigos nacionais sobre o assunto deveriam ser recusados pelos pareceristas. Está na hora de se tomar uma atitude nesse aspecto. Basear toda bibliografia, apenas no Medline, é de uma pobreza atroz.

Esse artigo para Psiquiatria On-Line é uma primeira aproximação ao tema revista Brasileira de Psiquiatria. Na sua trajetória a revista sofreu percalços, aconteceram decisões positivas, outras se revelaram erradas. Nem sempre os editores tiveram o justo reconhecimento alguns se sentiram injustiçados e isso tudo pode ser encontrado em alguns editoriais. É possível que venha a abordar essas questões em outro momento. No atual, desejo apenas que os mais novos tenham uma idéia da construção de uma grande revista científica.


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