Volume 10 - 2005 Editor: Giovanni Torello |
Outubro de 2005 - Vol.10 - Nº 10 Artigo do mês MANIA APÓS UM TRAUMATISMO CRANIENCEFÁLICO * Carlos
Alberto Crespo de Souza 1. Introdução: O conhecimento de que os traumas cerebrais podem desencadear comportamentos maníacos ou hipomaníacos são reconhecidos já há bastante tempo através de amplo registro da literatura internacional. Mais recentemente, o diagnóstico de mania em seguimento a uma lesão cerebral está baseada nos critérios da DSM-IV para os “transtornos do humor devidos a um TCE (Traumatismo craniencefálico) com aspectos maníacos ou mistos”. De igual forma, na CID-10, aparecem como Transtornos orgânicos do humor - sob código F06.3 - com as variantes para Transtorno maníaco orgânico, bipolar orgânico, depressivo orgânico e afetivo misto orgânico. 1, 2 Assim como nos casos de transtornos depressivos, pressupõe-se que um episódio maníaco seja uma conseqüência psicológica direta do TCE. 3 Os fatores predisponentes para o desenvolvimento de mania após um TCE incluem lesões na região basal do lobo temporal direito e no córtice orbitofrontal direito em pacientes que possuem história familiar de transtorno bipolar. 4 Os transtornos do humor após um TCE ocorrem numa freqüência maior do que na população em geral, estimando-se aproximadamente 25 a 50 % para depressão maior, 15 a 30 % para distimia e 9 % para mania. 5 Os objetivos desta investigação, agora transformada neste artigo, foram o de verificar a evolução do conhecimento sobre esse transtorno do humor após um TCE e a situação atual em que se encontra esse conhecimento. 2. Metodologia: De maneira a atingir os objetivos deste estudo, uma ampla busca na Internet foi realizada. O mecanismo de busca utilizado foi o da Medline, incluindo todos os artigos existentes sobre o tema ali referidos até os dias de hoje. Naturalmente, considerando o expressivo número existente, foram selecionados alguns artigos por critérios de semelhança, ou seja, apenas um representando determinado conhecimento verificado em tantos outros. Desta forma, foram escolhidos artigos representativos de cada década histórica ou que introduzissem algum conhecimento novo dentro de uma mesma década ou ano. Apenas esses foram os critérios de escolha, sempre de acordo com o que foi encontrado. 3. Resultados:
Por sua vez, entre os onze, oito tinham lesões envolvendo as áreas límbicas e nove possuíam envolvimento no hemisfério direito. Em acréscimo às lesões focais, os valores médios para os ventrículos frontais e o terceiro ventrículo cerebrais proporcionalmente dos pacientes maníacos estavam significativamente aumentados quando comparados com pacientes não-maníacos que possuíam lesões pareadas por causa, localização, volume e tempo após a lesão. Os resultados indicaram que a confluência tanto da atrofia anterior subcortical e a lesão focal da região límbica ou da conexão-límbica do hemisfério direito, ou a carga genética e a lesão da conexão-límbica do hemisfério direito podem responder pela rara ocorrência e fatores necessários para determinar mania secundária. 13
Embora sete pacientes tivessem lesões restritas ao hemisfério direito, quatro possuíam lesões bilaterais ou medianas e um tinha lesão no hemisfério direito. Em face de seus resultados, os autores concluem que lesões nas estruturas funcionalmente conectadas ao córtice orbitofrontal, principalmente no hemisfério direito, parecem estar associadas com a mania secundária. Os autores ainda ampliam suas hipóteses: possíveis papéis de fatores monoaminérgicos, genéticos e perinatais na patogênese da mania secundária. 15
A despeito da ocorrência comum desses sintomas após os TCE, comentam os autores que há relativamente poucos estudos que provêem um guia claro a respeito de seu manejo. Muitos desses sintomas (p.ex., irritabilidade, labilidade afetiva, fadiga, distúrbios do sono e prejuízos cognitivos) são primariamente conseqüências das lesões cerebrais e não sintomas de transtornos psiquiátricos comórbidos. Dizem que embora seja difícil estudar os complicados tratamentos necessários para tais sintomas complexos, eles estão habilitados a recomendar uma abordagem para a avaliação e o tratamento dos problemas neuropsiquiátricos em seqüência aos TCE. Uma avaliação completa do paciente é pré-requisito para a prescrição de qualquer tratamento. Esta avaliação completa deve incluir a história do desenvolvimento, histórico psiquiátrico e medicamentoso do paciente, incluindo ainda um detalhado exame do status mental, exame neurológico completo e uma quantificação dos sintomas neuropsiquiátricos utilizando um inventário padronizado aceito, p.ex., Escala de Avaliação Neurocomportamental (Neurobehavioral Rating Scale) ou Inventário Neuropsiquiátrico (Neuropsychiatric Inventory). Todos os sintomas devem ser avaliados no contexto da história pré-mórbida do paciente e do tratamento corrente porque os sintomas neuropsiquiátricos podem ser influenciados por cada ou ambos os fatores. Seguem dizendo os autores que a psicoterapia é um importante componente no tratamento dos problemas neuropsiquiátricos após os TCE. Em acréscimo, os pacientes devem ser encorajados a participar de grupos de apoio de TCE locais. Quando medicamentos forem prescritos, é necessário utilizá-los em doses cuidadosas (baixas e lentamente) com monitoramento permanente sobre interações com outras drogas. Em geral, medicações com propriedades sedativas, antidopaminérgicas e anticolinérgicas devem ser evitadas, e benzodiazepínicos devem ser usados economicamente, se necessários. Comentam ainda os autores que embora os pacientes com TCE possam ser particularmente susceptíveis aos efeitos adversos das medicações psicofarmacológicas, em determinadas situações doses similares àquelas usadas para pacientes não traumatizados cerebrais necessitam ser empregadas. Quando uma simples medicação não provê uma adequada remissão dos sintomas ou não pode ser tolerada em doses terapêuticas, uma estratégia alternativa a ser usada para aumentar o efeito de uma única medicação é a utilização de um segundo agente, em dose baixa, com diferente mecanismo de ação. 17
Concluem os autores que os transtornos do humor após TCE constituem-se claramente uma área da neuropsiquiatria na qual pesquisas posteriores sobre sua etiologia e tratamento são ainda necessárias. 19
Em adição, dizem que até hoje nenhum modelo neuroanatômico para a mania após um TCE foi proposto. Enquanto isso, registros de casos evidenciam um significativo papel no diagnóstico, fisiopatologia e manejo da mania após TCE. Eles mostram que os efeitos do trauma cerebral afetam o paciente através de diversos mecanismos: há efeitos primários e secundários dos eventos traumáticos. Os efeitos primários são produzidos pelo contato e pelas forças inerciais que ocorrem ao tempo da lesão, consistentes em contusões e lesões axonais difusas. As forças de contato podem ocasionar lacerações no couro cabeludo, fraturas no crânio, hemorragias intracranianas, contusões e hemorragias intracerebrais. A carga inercial resulta em lesões axonais difusas e eventualmente em hematoma subdural agudo às custas de rompimento das pontes venosas subdurais. Por sua vez, os efeitos secundários são determinados por processos patológicos que se iniciam no momento do trauma, mas que variam por períodos diversos em seqüência ao episódio traumático. Os efeitos secundários são os hematomas (epidurais, subdurais e intracerebrais), edema cerebral, hidrocefalia, aumento da pressão intracraniana, infecção e neurotoxicidade. As hemorragias intracerebrais são muitas vezes múltiplas, envolvendo os lobos frontais, temporais e os gânglios basais e podem ter um início retardado. Comentam os autores ainda que alguns estudos que não os de neuroimagem sugerem que os estados maníacos estão associados predominantemente com prejuízos nas áreas préfrontais e subcorticais do hemisfério direito do que no esquerdo e comprometimento maior cortical ventral do que dorsal. O transtorno bipolar pode estar associado com aumento da atividade no sistema neural frontal cortical-subcortical que incluem o cingulado anterior e o caudado. Todavia, há poucos achados consistentes entre esses estudos. Os estudos de imagens estruturais sugerem, a seu tempo, um aumento em número de hiperintensidade da substância branca em pacientes com transtorno bipolar. Diminuição do tamanho cerebelar e anomalias no volume sanguíneo cerebelar também têm sido relatadas. Proeminência dos sulcos e enlargamento dos ventrículos laterais e do terceiro ventrículo são menos observados nos achados. Os sintomas usualmente presentes nos episódios maníacos após os TCE, segundo os autores, são os mesmos encontrados na mania primária, tais como grandiosidade, diminuição da necessidade de dormir, distratibilidade e fuga de idéias. O distúrbio do humor é suficientemente grave para causar prejuízos no funcionamento ocupacional, nas atividades sociais e relacionamento com os outros, muitas vezes necessitando de hospitalização para prevenir ferimentos em si mesmo ou em outras pessoas. Num caso atendido pelos autores, a paciente internou na clínica psiquiátrica com quadro maníaco após ter sofrido uma neurocirurgia por hemorragia traumática e hematoma intraparenquimal fruto de uma queda de um caminhão 23 dias antes. Eles iniciaram o atendimento pela administração de haloperidol 10 mg/dia IM e os sintomas perduraram. Então, acrescentaram infusões de clonazepam EV. Para evitar crises epilépticas pós-traumáticas, adicionaram 300 mg/dia de fenitoína. Após uma semana houve declínio dos sintomas e então administraram os medicamentos apenas por via oral, com diminuição progressiva das doses. 3 4. Comentários: Os resultados do estudo realizado permitiram verificar, passo a passo, a evolução do conhecimento sobre os estados maníacos após os TCE. Foi possível acompanhar através do tempo a criação de seus conceitos e as dificuldades para o seu diagnóstico na ausência de instrumental adequado para isso. Foi interessante a observação de que as síndromes maníacas sintomáticas foram percebidas e o entendimento de que estariam relacionadas a alguma patologia específica e diferente daquelas comuns existentes. Com o avanço progressivo dos estudos e das técnicas de investigação nasce o conceito de mania secundária. Já em 1987 consolida-se esse conceito, numa visão clara de que os TCE podiam determinar alterações no humor. É necessário esclarecer que os autores nesses artigos reportaram-se aos traumatismos craniencefálicos de uma maneira ampla, ou seja, incluindo as patologias invasivas e não-invasivas, como as hemorrágicas de diversas origens, as fraturas ou lacerações, os edemas, tumores, os traumas externos, etc. Como marcos históricos, chama a atenção o uso do carbonato de lítio em 1985, da eletroconvulsoterapia em 1987 e da carbamazepina em 1988 em episódios maníacos após TCE. Com os novos avanços nos instrumentos de investigação, iniciam-se as interpretações das regiões cerebrais comprometidas após os traumas. Ao mesmo tempo, novas hipóteses são formuladas, como os possíveis papéis de fatores monoaminérgicos, genéticos e perinatais na patogênese da mania secundária. Já em 1995 surge a idéia de que a mania secundária, sendo determinada por vários tipos de doenças somáticas (tumores, lesões cerebrovasculares, traumas externos, infecções cerebrais, etc.), ofereceria oportunidade para melhor elucidar a fisiopatologia da mania primária. Nos anos mais próximos de nós, a partir de 2.000 começam a aparecer artigos falando em neuropsiquiatria, um novo marco a ser assinalado e que corresponde ao crescimento observado nos últimos tempos. Em seqüência, os estudos mais recentes preocupam-se com a falta de guias claros ao manejo dos sintomas resultantes das alterações humorais e de seu significado como decorrentes das próprias lesões cerebrais e não de transtornos psiquiátricos comórbidos. Algumas indicações aparecem quanto ao manejo desses pacientes, incluindo a psicoterapia, a psicofarmacoterapia e atividades em grupo. Cuidados são abordados, especialmente quanto ao uso de medicamentos sedativos, antidopaminérgicos, anticolinérgicos e benzodiazepínicos. Outros artigos, bem recentes, reportam-se a algumas situações especiais encontradas, como a produção de manifestações maníacas após o uso concomitante de fluoxetina e fitoterápicos e de lobectomia para o tratamento de epilepsia refratária. Constitui-se em alertas sobre essas situações a todos os clínicos, psiquiatras e neurocirurgiões. O último artigo, de 2.005, um amplo estudo de revisão realizado pelos autores, mostra como o paciente é afetado pelos traumas cerebrais, com efeitos primários e secundários. Este pequeno detalhe é de extrema importância ao entendimento de como se processam os traumas em seus variados momentos. Chamam a atenção os resultados dos vários estudos apresentados pelos autores quando se identifica como ainda não há um consenso entre eles, com inúmeras hipóteses apresentadas para explicar os sintomas maníacos e seu tratamento após os TCE. Com fecho, fica a advertência de Mustafá e cols.: “Constituem-se os transtornos do humor após TCE claramente numa área da neuropsiquiatria na qual pesquisas posteriores sobre sua etiologia e tratamento são ainda necessárias”. 3 5. Conclusão: Desde 1965 foi possível acompanhar a evolução sobre os sintomas decorrentes de episódios maníacos após os TCE. Em termos históricos, apenas esse fato já mostrou a importância do estudo aqui realizado. Ao mesmo tempo, embora se perceba que 40 anos se passaram desde os primórdios desse conhecimento, chega-se ao entendimento de que muito há ainda a esclarecer. Esta constatação não é menos importante, pois abre caminho a novas investigações e pesquisas nesta área, uma área de crucial significado em termos epidemiológicos ou de saúde pública. 6. Referências Bibliográficas:
Correspondência dirigir para: Carlos Alberto Crespo de Souza Rua Prof. Sarmento Leite, 245 Centro de Estudos José de Barros Falcão/Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre Departamento de Psiquiatria Porto Alegre, RS CEP: 90050-170 Fax: (51) 32.28.53.65 E-mail: [email protected]
* Trabalho elaborado no Departamento de Pesquisa do Centro de Estudos José de Barros Falcão (CEJBF)/Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), RS. |
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