Volume 9 - 2004
Editor: Giovanni Torello

 

Janeiro de 2004 - Vol.9 - Nº 1

Psiquiatria, outros olhares...

Falando em Terapia Familiar Sistêmica

Antonio Mourão Cavalcante
Médico psiquiatra, doutor em psiquiatria e antropologia, professor titular de psiquiatria da faculdade de Medicina/UFC, autor do livro: Casal, como viver um bom desentendimento (Ed. Record)  

Embora cada terapeuta tenha o seu modo próprio de agir, uma maneira peculiar de ser, há os pressupostos ou regras básicas, referências técnicas a serem observadas, com rigor, na Terapia Familiar Sistêmica.

Nossa prática profissional tem indicado alguns desses aspectos que gostaríamos de refletir agora.

- É indispensável observar o todo e não as partes do sistema familiar. Não é lógico, portanto, o terapeuta conversar isoladamente, isto é, receber em sessão, um dos componentes da família. Isso poderia, de imediato, parecer uma aliança com aquele membro. Mesmo quando se atende a uma só pessoa da família - se nos referimos a essa proposta sistêmica - pode-se elaborar uma hipótese sistêmica. Ver o todo é observar cada um como uma peça que se articula com os demais.

- O sintoma do paciente designado - aquele que a família aponta como doente - tem uma função. O sintoma é a comunicação. Traz em si uma mensagem, quase sempre secreta, que precisa ser decodificada. Resulta da interação dos diversos segmentos em causa. Nessa perspectiva ninguém é vítima ou culpado. Há uma circularidade.

- A boa terapia deve prever, logo no início, a duração total da mesma. Precisa-se negociar claramente com a família a proposta do ponto de chegada. A terapia intervém num aspecto pontual. Vai-se resolver aquilo que a família aponta como problema. Não é, portanto, algo de indefinido e vago. A intervenção, num determinado aspecto ou problema da vida familiar, pode ser entendida como um fator pedagógico para situações análogas. A família aprende a enfrentar novas situações. A terapia tem essa dimensão. Em média são necessárias dez sessões, embora com seis ou sete já se possa parar e guardar as outras para ulteriores revisões.

- Vir a uma terapia revela uma grande mobilização emocional para a família. Isso só ocorre em situações extremas e de muito incômodo. Tanto assim que à medida que o problema torna-se mais leve, a ansiedade diminuída, vai decrescendo a freqüência familiar. Porém, deve-se reforçar a presença desses membros, lastimando as ausências nas sessões. O ideal é que estejam presentes em todas as sessões todos os membros da família que foram identificados no início. No entanto, nossa prática tem indicado que parece um exagero condicionar a continuidade da terapia à presença de todos. Temos que ponderar os benefícios dessa conduta radical.

- A família sempre busca a homeostase, mesmo quando a situação possa parecer negativa ou dolorosa. Há sempre uma lógica que impulsiona esses comportamentos. Por isso, deve-se pontuar o lado positivo. Esse aspecto é fundamental em Terapia Familiar Sistêmica, a Conotação Positiva. A família está sempre tentando um equilíbrio. Mesmo as ações que parecem erradas são realizadas com uma intenção positiva. Um exemplo que costumamos citar é o de uma mãe que fazia e vendia salgadinhos para em obtendo dinheiro, o filho poder comprar a droga. Ela fazia isso por dois motivos: Primeiro, evitar confusões com o pai. O filho, antes, costumava tirar dinheiro do pai. Segundo, que o filho fosse roubar na rua, vindo a ser preso, etc.

- É imprescindível consolidar uma aliança com a família. Só assim muitas situações podem ser desbloqueadas. Tem que ficar claro: o terapeuta busca entender a família. Ele não está ali para julgar. Deve-se destacar os valores da família: “É impressionante como a senhora - referência ao exemplo anterior - sacrifica-se tanto pela família, trabalhando até altas horas da noite para trazer a paz à sua família...” Com essa colocação, o terapeuta está demonstrando que luta, desesperadamente para compreender a dinâmica familiar e não pretende julgá-la moralmente. Mais tarde, quando se consolida a aliança - terapeuta / família - pode-se levar a mãe a perceber que existem outras formas, talvez mais eficazes, de ajudar o filho e a família.

- Por pior que seja a situação da família, ela chega à terapia como que a dizer: “Isso aqui é o máximo que conseguimos”. Ainda em relação ao exemplo anterior: Mesmo não achando certa a atitude, a mãe providenciava o dinheiro para a droga do filho, pois, quando o dinheiro era tirado do pai, a catástrofe era maior.

- Não se pode entrar, de imediato, com soluções. Seria uma atitude muito intervencionista. A família, mesmo que não explicite, procura manter a situação ou aquele equilíbrio, embora precário. Ademais, ela nem sempre deseja curar-se. Isto é, passar por mudanças mais profundas e arriscadas. Aqueles sintomas, que formalizam a demanda, podem estar sendo justificados por outros contextos. Neste caso, a família vem em terapia apenas para confirmar-se no sintoma. Não é raro que, com um certo ar de satisfação, eles enumerem todos os terapeutas pelos quais já passaram. Vira uma espécie de torneio, quem será o próximo? Assim, está confirmada a impossibilidade de curar-se. “Já fomos nos mais renomados terapeutas dessa cidade.. e nada tem dado certo!”

- Nessa perspectiva, seria prudente o terapeuta não insistir em mudanças: “Se vocês conseguem viver dessa forma, por que querem mudar?” Concretamente, o papel do terapeuta será muito mais o de clarificar as relações, as funções de cada membro nos processos dessa dinâmica, do que indicar soluções. O terapeuta é alguém que quer entender e busca auxiliar na comunicação entre os pares.

- Mais importante do que reunir exaustivos dados anamnésicos é perceber a dinâmica da família. Cada sessão deve parecer o mais próximo possível do cotidiano da família, reproduzindo-se ali as situações do dia-a-dia da família. Por isso, alguns terapeutas aceitam realizar sessões na própria moradia, ethos da família.

- A consciência que tenho de mim nasce numa relação de comunicação que tenho com o outro. Quando me comunico com alguém, estou a dizer: “é assim que eu me vejo!” A resposta do interlocutor pode ser:

- de confirmação: “você tem razão”;

- de rejeição: “você não tem razão”;

- de denegação / desqualificação: “é assim que eu te vejo”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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- Pragmática da comunicação humana, São Paulo, Ed. Cultrix,


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