Volume 9 - 2004
Editor: Giovanni Torello

 

Maio de 2004 - Vol.9 - Nº 5

Artigo do mês

Pseudohermafroditismo e estados intersexuais: evolução histórica e impasses do tratamento médico

Pseudohermaphroditism and intersexual states: historical evolution and deadlocks of medical treatment

Lisieux Eyer de Jesus
Cirurgiã Pediátrica/Hospital Municipal Jesus/ Hospital Universitário Antônio Pedro - Universidade Federal Fluminense, TCBC

Claudio Lyra Bastos
Psiquiatra/Hospital Universitário Antônio Pedro - Universidade Federal Fluminense/ Instituto Fluminense de Saúde Mental  

SUMÁRIO

Neste trabalho examinamos a evolução histórica da abordagem médica do pseudohermafroditismo, considerando as influências ideológicas e sociais sobre a conduta médica, e discutimos a etapa atual de debates a respeito, em que está sendo frontalmente questionada a realização de cirurgias precoces e o realinhamento de gênero como opção para estes pacientes.

ABSTRACT

We investigate here the historical evolution of medical treatment for pseudohermaphroditism, considering ideological and sociological influencies and discuss the recent crisis, when childhood surgeries and eventual gender realignment as an option for those patients have been questioned.

PALAVRAS-CHAVE

Pseudohermafroditismo - gênero - sexualidade - história - intersexualidade

KEY WORDS

Pseudohermaphroditism - gender - sexuality - history - intersex

INTRODUÇÃO

As várias formas de pseudohermafroditismo (PHF) constituem doenças cuja dificuldade de abordagem pode ser considerada a partir de vários aspectos, inclusive o da sua raridade: a mais comum (forma clássica da hiperplasia adrenal congênita) incide em apenas 1:13000 nascimentos (Schrober, 2001). Apesar da sua pouca freqüência, essas síndromes despertam um especial interesse porque revelam algo da intrincada rede de relações entre a biologia, a medicina e a vida social. Nelas, características clínicas e psíquicas, problemas cirúrgicos, sócio-culturais e familiares se somam e se mascaram. Trata-se de um grupo heterogêneo de doenças com grande potencial de indução de problemas na adaptação social do paciente, na dependência dos enfoques específicos de cada comunidade quanto à sexualidade individual e suas expressões para o grupo humano, do grau de disfunção genital anátomo-funcional de cada caso e das implicações psíquicas que a doença possa adquirir (pode-se supor que as influências do pseudohermafroditismo na personalidade tendam a ser diferentes daquelas produzidas em casos de genitália inadequada por fenômenos traumáticos, por exemplo).

Neste momento vivemos intensas e não resolvidas dúvidas quanto à conduta médica adequada.

A necessidade de distinções precisas entre sexo anatômico, sexo gonadal, sexo hormonal, sexo cromossômico, sexo psicológico e sexo social se tornou evidente. Nos casos em que se indica a intervenção cirúrgica, a distribuição por uma equipe da carga de responsabilidade pode aliviar até certo ponto o médico em suas decisões terapêuticas, mas não as torna necessariamente mais sábias.

Desde a segunda metade do século XX nos vimos pautando pela reconstrução anatômica precoce (se necessário através do realinhamento de gênero), baseados em dados de natureza anatômica (fundamentalmente inadequação fálica). Esta orientação, evidentemente embasada na associação entre falo (no sentido anatômico) e identidade masculina, tem apoio no trabalho do psicólogo americano John Money (1972), embora desde a década de 50 do século passado o seu modelo de desenvolvimento psicológico da identidade de gênero venha sendo questionado por defensores do determinismo biológico do comportamento sexual, através de experimentos em animais (Phoenix et al., 1959) e, recentemente, de análises clínicas em humanos (Wilson, 1999). As vantagens supostas de um tratamento cirúrgico precoce vêm sendo questionadas frente à possibilidade de para-efeitos e execução de manobras irreversíveis anteriormente à maturidade do paciente para escolher sua opção sexual e a idéia de a inadequação anatômica dos órgãos sexuais é insuportável à criança em desenvolvimento vêm sendo desafiadas, assim como os resultados funcionais das cirurgias reconstrutoras, considerando-se que apenas recentemente os primeiros pacientes que sofreram reconstruções genitais extensas chegaram à idade adulta para julgar os efeitos finais destas técnicas sobre a atividade sexual (sensibilidade, funcionalidade e estética genital) (Creighton et al. 2001, Passerine-Glazel, 1999). Condutas baseadas em conceitos que sugeriam implicitamente a não informação de algumas especificidades da situação aos doentes, justificados pela doutrina hipocrática ´primum non nocere´, vêm sendo substituídos por outros valores, como a não tolerância quanto a omitir informações a pacientes plenamente autônomos e parceiros da equipe médica (Kravitz & Melnikow, 2001; Natarajan, 1996 e 2001).

Seguiremos a evolução histórica do tratamento médico deste grupo de condições, considerando paralelamente os progressos técnicos em ciência biológica e técnica cirúrgica e alguns aspectos da história e da evolução do pensamento da sociedade ocidental, a fim de traçar um painel compreensivo quanto aos aspectos atuais da terapia do pseudohermafroditismo, considerando as relações entre cultura e ética, história e evolução técnica, determinantes, respectivamente, do que é permissível, o que é devido e o que é possível em termos de tratamento.

Fase inicial: o fenômeno como consideração única

Até o século dezenove casos de genitália ambígua tendiam a ser camuflados no interior da intimidade das famílias ou, eventualmente, a ser exibidos em feiras como atrações circenses, em conjunto com exotismos e escatologias em geral. O reconhecimento do PHF dependia da ectoscopia, capaz tão somente de perceber anomalias grosseiras. Presumivelmente as formas de PHF com expressão fenotípica menos óbvia não eram reconhecidas, sendo assinaladas para um dos dois sexos a partir da morfologia mais próxima daquela do indivíduo em questão. Ao lado das limitações técnicas, pontificavam as limitações sociais quanto à exposição de problemas que afetassem o comportamento sexual ou o aspecto da genitália. Num momento histórico em que partos eram feitos sem que houvesse permissão ao médico de olhar o períneo da paciente e o exercício da medicina era fortemente ligado às atividades eclesiásticas a exposição de dismorfismos genitais esteve limitada à esfera privada, exceto em circunstâncias em que a exibição do grotesco fosse o objetivo: nestes casos a miserabilidade dos envolvidos era a tônica. Pontificam uns poucos relatos esparsos de casos, sempre abordados como exotismos.

Não havia qualquer tratamento a ser oferecido: paralelamente à ausência de recursos cirúrgicos e endocrinológicos, o enfoque da época era de que não se estava propriamente diante de uma doença, algo lamentável, eventualmente tratável e revestido de uma certa dignidade humana, mas sim de uma “monstruosidade”, conceito revestido de mistério, que envolvia um conteúdo simbólico primitivo, mitológico, assim como intrincadas questões religiosas e filosóficas. Além disso, essa conceituação se via frontalmente reforçada pelo fato de tais monstruosidades se referirem a problemas na esfera da sexualidade, numa época em que a discussão dessa temática se via muito restrita, enfatizando os aspectos proibitivos e punitivos. Algo destes ethos persiste ainda, e abordagens sensacionalistas a respeito deste tipo de entidade nosológica são comuns na mídia de nossos dias.

Século XIX: medicina como ciência, biologia como ciência descritiva e classificatória

O século dezenove tem o signo da ciência: a industrialização e mecanização marcam uma era em que a tecnologia eficiente e o domínio da natureza eram considerados indiscutíveis. A crença na razão e nas ciências naturais é apoiada pelos ideais do iluminismo, em que esclarecer quaisquer fenômenos para toda a sociedade é fundamental.

Desde as primitivas figuras rupestres, podemos observar que as anomalias e monstruosidades, as criaturas que surgiam da desorganização, da ambigüidade, da ruptura das classificações, da violação das regras, sempre fascinaram a humanidade. Os monstros povoaram as mitologias de todas as épocas e culturas, e assim dragões, centauros, quimeras, sereias e esfinges apresentam suas características híbridas e místicas, simultaneamente destruidoras e mantenedoras da ordem. Na atualidade, as criaturas extraterrestres, os clones e os mutantes do cinema e dos quadrinhos continuam povoando a fantasia humana da mesma forma que as deusas cheias de braços ou as entidades com cabeças de animais povoavam o imaginário dos antigos hindus e egípcios. Ao mesmo tempo em que se vê fora de lugar, o ser anômalo desfruta de uma certa mágica, um certo prestígio místico por estar como que fora do alcance das leis naturais. A mitologia grega está repleta de criaturas monstruosas, nem sempre abomináveis; no que se refere à bissexualidade, vemos que tanto Hermafroditos - filho dos deuses Hermes e Afrodite - como o adivinho Tirésias, eram personagens divinos. Em “O Banquete”, de Platão, fala-se do mito dos andróginos como seres perfeitos. Na mitologia persa, assim como em diversas mitologias africanas os andróginos também eram vistos como símbolos de perfeição.

De criaturas misteriosas, divinas ou diabólicas, os portadores de genitália ambígua foram finalmente submetidos à visão racionalista da ciência. Em 1832 Geoffroy Saint-Hilaire introduziu o termo “teratologia” na sua “Histoire Générale et Particulière des Anomalies de l'Organisation chez l'Homme et les Animaux” (4 Vol.,1832-37), revelando a mudança de atitude frente aos “monstros” e aberrações para uma abordagem a “doentes”, objetos de estudo científico, que mesmo incuráveis passam a ser vítimas, cujas condições são imediatamente catalogadas e classificadas.

Desligando-se da religião, a ciência passa a rivalizar com esta na disputa pelo poder classificatório e explicativo. A medicina começa a tornar-se “científica”: a cada doença corresponde uma descrição anatômica, a descrição exata dos fenômenos observados em cada situação clínica corresponde à análise da doença. De acordo com o pensamento científico e filosófico da época esta forma de organização era a única forma de buscar o controle e cura de quaisquer situações patológicas. A medicina pela primeira vez era predominantemente laica: neste momento as congregações médicas saem do controle das instituições religiosas. A função da medicina passa a ser observar, descrever, analisar e fazer, e o médico procura se afastar ao mesmo tempo do estereótipo do monge (reflexivo e místico), do curandeiro (eminentemente místico) e do cirurgião barbeiro, de origens sociais pobres e executor grosseiro de manobras intempestivas de cura (empírico e artesão puro, não cientista). A prática clínica deixava de ser a menos nobre e mais grosseira das funções do médico e se revestia de um novo poder. O médico passa a ter origem burguesa e aspirações à ascensão social: são da segunda metade do século dezenove as primeiras tentativas de regulamentação da profissão, que providenciam um vínculo ideológico entre medicina, honradez, autonomia e confiabilidade.

Os limites sociais para a observação do corpo persistiam: uma das mais famosas invenções médicas da época foi o estetoscópio, criado fundamentalmente para que o médico pudesse auscultar o tórax feminino sem contato físico. Mesmo assim, graças ao novo status como cientista o médico passa a ser um observador dotado de alguns privilégios, e pacientes com anomalias genitais são descritos pela primeira vez de forma técnica.

A insuficiência dos métodos de investigação e tratamento conhecidos e a inexistência de técnicas endócrinas, cirúrgicas e anestésicas permitia dispor apenas de diagnóstico morfológico, não de terapêutica efetiva. Os PHF adquirem a categoria de doentes, são exaustivamente classificados e descritos, mas não têm chances reais de melhora. Os PHF passaram a ser classificados como homens ou mulheres de acordo com a presença de gônadas do sexo masculino ou feminino, porém os métodos de investigação eram ainda limitados à observação visual ou necrópsia.. Em pacientes vivos, a ausência de testículos ao lado de uma genitália que não fosse ostensivamente masculina classificava o paciente como mulher e é de se supor que a maioria dos PHF masculinos graves fossem assim considerados: possivelmente a descrição de PHF na época se deveu predominantemente a casos de necrópsias, em que houve visualização e estudo das gônadas.

Segunda metade do século dezenove e início do século XX: o século dos cirurgiões

Embora a cirurgia, definida como ciência médica envolvendo intervenção armada sobre o corpo, exista desde o início da própria medicina previamente à segunda metade do século XIX as cirurgias se limitavam a tentativas desesperadas de salvação em situações de absoluta inevitabilidade por sofrimento atroz ou risco de morte. Predominava um enfoque quase teatral do cirurgião, na ausência de métodos efetivos de anestesia, e as cirurgias às vezes se assemelhavam a espetáculos sádicos. Cirurgias restauradoras raramente tinham sentido neste contexto e não era de se esperar o desenvolvimento de técnicas efetivas de correção para malformações não fatais.

O desenvolvimento da anestesia tornou a cirurgia um ato médico convencional e elevou o status dos cirurgiões frente aos colegas médicos e à população. Quando se obteve um domínio razoável da principal causa de morbimortalidade - infecção pós-operatória, através de técnica asséptica e antimicrobianos (já na década de 30 do século 20) o trabalho dos cirurgiões passa a depender fundamentalmente da habilidade técnica, engenhosidade e capacidade intelectiva. A partir daí já não há empecilhos técnicos considerados insuperáveis para a reconstrução genital, exceto aquele que persiste até este momento: a incapacidade em oferecer a construção de um pênis funcionante para pacientes com dismorfismos fálicos severos. Daí a idéia, de início fundamentada apenas em substratos anátomo-funcionais, de que a reconstrução de casos graves de genitália ambígua direcionados ao sexo masculino não era praticável com pleno sucesso, enquanto que a reconstrução de um indivíduo anatomicamente feminino era possível com relativa facilidade. A questão do que determina a identidade de gênero no ser humano passa a ter relevo na prática cirúrgica a partir deste momento.

A literatura médica do início do século XX (Ombrédanne, 1926) sugere uma grande dificuldade no reconhecimento de gênero nos PHF, em grande parte pelos recursos restritos à ectoscopia. As anomalias genitais eram chamadas de androginóide (homens com aparência feminina) e ginandróide (mulheres com aparência masculina) e, para alguns autores, um grupo de “ambíguos”. O estabelecimento do gênero era fundamentado na identidade gonadal. Hermafroditas ginandróides eram extremamente incomuns (presumivelmente porque a principal etiologia da doença, hiperplasia adrenal congênita, é capaz de causar morte perinatal por distúrbio hidroeletrolítico e insuficiência adrenal em 2/3 dos portadores, e só passou a ser tratada a partir da década de 50: os “ginandróides” talvez fossem raros por morrer precocemente, criando uma situação epidemiológica inversa da atual). Os casos androginóides (PHF masculinos atuais) eram misturados num grupo com os casos de hipospádias graves (“vulviformes”), de forma que as variáveis eram ainda mais amplas que atualmente. São encontradas - ao lado de definições técnicas - citações de casos de ginandróides com “comportamento masculino” caracterizado por ¨manifestar tendências liberais e anti-religiosas¨, demonstrando a contaminação por concepções sócio-culturais da época (Ombrédanne, 1926). É citado freqüentemente o caráter psíquico desajustado nestes pacientes. Os meios reconhecidos para determinar o sexo feminino são a presença de ovários, útero, menstruação ou gravidez e o sexo masculino a presença de testículos ou espermatozóides ejaculados a partir da uretra. Advoga-se o realinhamento do registro civil no adolescente sempre que necessário, e há um destaque para a importância da capacidade reprodutiva para o gênero feminino e para as concepções da época quanto aos papéis sociais para ambos os sexos (“O dever do cirurgião ... é aconselhar o hipospádico vulviforme criado como menina que ele não é mulher, e que a maternidade à qual sua educação foi direcionada não lhe será possível, que ele cometerá abuso de confiança ao se casar como mulher... Se ele não se submete a qualquer impulso sexual e deseja continuar a viver uma vida feminina de celibato não há qualquer razão para impor intervenções cirúrgicas ... para fazê-lo masculino. Se o desejo sexual é desenvolvido suficientemente para exigir uma vida genital ativa há interesse em reconstruir os atributos do sexo masculino, ainda que permaneçam abaixo do padrão de normalidade...” Ombrédanne, 1926).

Nos textos do final da primeira metade do século XX a definição de sexo passa a fenotípica (inclusive no sentido comportamental) e não mais gonádica, mas há a idéia de que se o perfil sexual percebido na infância não for suficientemente claro ¨não tomaremos qualquer decisão operatória antes da puberdade, idade em que surgem as funções sexuais... Em casos de ambigüidade o médico jamais deverá se apressar a modificar o registro civil” (Ombrédanne, 1949). Persiste o predomínio de androginóides e uma ideologia social desfavorável às mulheres: “Ao nascimento, em caso de dúvida, deve-se declarar a criança masculina. O erro será mais raro desta forma, e de menores proporções do ponto de vista educativo” (Ombrédanne, 1949). “Sem dúvida, será melhor orientar as crianças para o sexo masculino, do ponto de vista social e escolar” (Ombrédanne, 1949). Esta conduta, no entanto, já se mostrava controversa nesta mesma época: “... advogamos fortemente que a criança portadora de hipospádia grave ... em quem haja qualquer dúvida quanto ao gênero tenha a anatomia pélvica avaliada nas primeiras semanas ou meses de vida para determinar ... o sexo real do indivíduo” (Gross, 1953).

No âmbito dos esportes, onde a busca de maior força muscular e melhor desempenho competitivo não pode cessar, as questões de determinação de gênero tomaram um outro rumo. Já a partir de 1948 os ingleses decidiram submeter todas as atletas ao exame ginecológico, complementado mais tarde pelo cariótipo. Também o prolongado abuso de esteróides anabolizantes acabou por produzir situações clinicas complicadas. Tanto nos países da antiga cortina de ferro, em que o sucesso esportivo era fator de propaganda política, como nas populações pobres de países capitalistas ou no terceiro mundo, onde uma vitória nos estádios podia significar a diferença entre a fama e a miséria, o preço a pagar parecia pequeno. Um exemplo impressionante foi o caso da equipe de natação da Alemanha Oriental, em que as atletas recebiam esteróides sem nada saber, pensando que eram vitaminas; dessa irresponsabilidade originaram-se abortos, tumores hepáticos e mesmo transexualismo, com cirurgia para mudança de sexo.

Segunda metade do século XX: identidade de gênero como fenômeno sócio-cultural

Para os médicos, essa área da sexualidade foi uma das mais exigidas pela sociedade, no sentido de que se desse ao discurso moralista um tom científico. A tendência da medicina, porém desde o século XIX, geralmente foi a de se esquivar desse papel escorregadio, que acabou sendo assumido em parte pelos psicólogos.

A questão dos mecanismos de determinação de identidade de gênero tem, pela primeira vez, uma resposta (que vem sendo questionada em grande público apenas nos últimos 10 anos, apesar de trabalhos disponíveis desde a década de 60). John Money, psicólogo criador do departamento de cirurgia transexual no Johns Hopkins Hospital e do conceito de identidade de gênero, líder inquestionável das pesquisas na área de sexualidade humana, defendeu a idéia de que a identidade de gênero teria fortes determinantes sócio-culturais que, associados a uma anatomia “correta” - natural (em indivíduos normais) ou provida cirurgicamente (no caso de pacientes com lesões genitais) - evoluiria num processo harmônico até os três anos de idade (limite do desenvolvimento humano em que existiria uma psiconeutralidade sexual). Paralelamente, era defendido o ponto de vista de que a ambigüidade sexual seria psiquicamente intolerável (Money & Ehrhardt, 1972). Casos clínicos demonstrativos foram apresentados. Aqueles contrários a esta concepção, seguidores de uma linha de pensamento favorecedora do determinismo biológico, eram minoritários neste momento. Além disso, faltavam - como ainda faltam - dados científicos a respeito disso em humanos. O desenvolvimento e a difusão das idéias de Money foi favorecido pela formação de um pólo de estudos de distúrbios endócrinos pediátricos no Johns Hopkins. Neste mesmo momento era fundada por Wilkins, na mesma instituição, a primeira clínica endocrinológica pediátrica do mundo (Migeon et al., 2002).

A relativização da identidade de gênero mostrava-se coerente com duas correntes ideológicas fundamentais da época: a filosofia existencialista e o feminismo. O existencialismo se opõe à concepção do ser humano como entidade predominantemente biológica, conferindo relevo à consciência e escolha do modo de vida (a famosa condenação do ser humano à liberdade): existir é criar a própria vida ou um sentido para a própria existência. O trabalho de Simone de Beauvoir (1980) justifica as diferenças entre os sexos com argumentos sociológicos e antropológicos, minorando as nuances biológicas (diferenças de constituição corporal se tornam pouco relevantes numa sociedade industrializada) ou de extrema especificidade (maternidade como única diferença de gênero absoluta). Em suma, a ideologia predominante até a década de 60 estimula o pensamento de que não há uma natureza feminina ou masculina, mas sim uma natureza humana (“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade”. Beauvoir, 1980). Os movimentos feministas tipicamente argumentavam a partir do não reconhecimento de diferenças entre os sexos e da correção de estruturas ou normas sociais discriminatórias. A sociedade moderna, tendente ao individualismo igualitário, tendia também a resolver o problema das diferenças não pela tolerância, mas pela negação.

A capacidade de prover cirurgicamente uma morfologia compatível com o gênero escolhido era o instrumento prático para esta ideologia. A cirurgia era segura, competente e prestigiada, mas a capacitação para reconstruir o ser humano anatomicamente no sentido feminino, considerada ótima, ainda não podia (como ainda não pode) ser comparada à capacitação de prover uma anatomia e funcionalidade para o gênero masculino: construir um falo funcionante ainda é um desafio cirúrgico intransponível em casos de mutilações severas, ao mesmo tempo que persiste na sociedade uma ligação indissolúvel entre identidade social masculina e o falo.

Reunindo às limitações técnicas os conceitos de identidade de gênero adquirida por moldes educacionais a doutrina vigente passava a ser: para casos de PHF geneticamente femininos a reconstrução seria direcionada para o sexo feminino; para casos de PHF geneticamente masculinos a reconstrução seria direcionada para o sexo feminino sempre que o paciente fosse suficientemente jovem (até os três anos de idade) e a construção para o gênero masculino não fosse considerada satisfatória, o que seria determinado pelas características do falo. A única limitação intransponível que se acreditava restar aos indivíduos geneticamente masculinos reconstruídos para o gênero feminino era a incapacidade reprodutiva, menos problemática neste momento histórico do que em épocas anteriores.

Após os anos 80: novas idéias em ciência biológica, insucessos, novo paradigma

Com o evoluir da genética e da endocrinologia a descrição de PHF transitou de fenotípica/gonádica até os critérios genéticos e endócrinos usados atualmente, que permitem diagnósticos exatos. As denominações “ginandróides”, “androginóides” e “ambíguos” foram realinhadas para PHF femininos e masculinos ou hermafroditas verdadeiros e foram individualizadas as entidades clínicas (síndrome de insensibilidade androgênica, síndrome de Swyer-James, hiperplasia adrenal congênita, etc). Os padrões epidemiológicos se alteraram, presumivelmente por ter-se tornado possível a sobrevida de meninas portadoras da forma perdedora de sal da hiperplasia adrenal congênita, tornando esta forma de PHF a mais comum, responsável pela quase totalidade dos casos de PHF feminino e mais de 60% do total de distúrbios sérios da diferenciação sexual e também pelo reconhecimento (através do padrão genético) da síndrome da insensibilidade androgênica completa (antiga síndrome do testículo feminilizante), segunda forma mais freqüente de PHF.

Neste momento em que os distúrbios de diferenciação sexual estão tecnicamente bem definidos há dúvidas sérias quanto ao dogma de que a identidade de gênero depende basicamente da inserção precoce do indivíduo num papel social pré-definido, em conjunto com uma anatomia concordante. No entanto, estudos quanto a estes problemas transitam desconfortavelmente e de forma pouco clara entre conceitos de papel de gênero, identidade de gênero e orientação sexual e associações de pacientes permeiam pela primeira vez as relações terapêuticas (Wilson, 1999).

O primeiro marco para os questionamentos atuais é a publicação por Imperato-McGinley et al. (1979) do relato da transição espontânea de gênero (de feminino para masculino) na puberdade, em pacientes afetados por deficiência de 5-alfa redutase (enzima conversora da testosterona em dihidrotestosterona, essencial para a diferenciação da genitália externa masculina), sem que surgissem problemas intransponíveis de aceitação do indivíduo pelo grupo ou de adequação do indivíduo ao novo papel. Atualmente é reconhecido que 50% dos portadores de deficiência de 17-beta hidroxilase (enzima de síntese da testosterona) transitam espontaneamente para o sexo masculino na adolescência, assim como 2/3 dos portadores de deficiência de 5-alfa redutase, caso tenham recebido sexo de criação feminino (Wilson, 1999).

Já foram estudados dois grupos humanos (um em Papua-Nova Guiné e outro na República Dominicana) que - em virtude do isolamento genético - convivem com uma incidência relativamente elevada desses estados transicionais; em suas culturas existem mesmo designações específicas para aqueles que mudam de sexo durante a adolescência. Isso não impede que existam atitudes discriminatórias, nem que o estabelecimento da identidade de gênero permaneça complexo e altamente sujeito à diversidade individual.

Uma série de publicações, predominantemente em periódicos voltados à pesquisa em biologia ((Phoenix et al., 1959, Wilson, 1999), advoga desde 1959 que o determinismo do comportamento sexual nos animais é fortemente biológico, e delas evolui a idéia de que a exposição neuronal a níveis altos de androgênios na vida fetal determina no animal comportamento masculino (“imprinting androgênico”). Quanto aos humanos, Ehrhardt et al. (1968), publicou um artigo sobre alterações de comportamento em pacientes adolescentes e adultas portadoras de hiperplasia adrenal congênita, seguido por vários outros relatos.

Estes fatos biológicos associados a relatos de inadequação sexual em adultos vítimas de distúrbios de diferenciação sexual ou de problemas anatômicos sérios afetando precocemente a genitália e realinhados quanto ao gênero foram os responsáveis diretos pelo questionamento às teorias de Money, embora haja problemas quer com relação a pacientes que receberam realinhamento de gênero (Diamond & Sigmundson, 1997; Lund & Hendren, 2001; Meyer-Bahlburg, 1999; Wilson, 1999; Wilson et al. 1993) quer naqueles criados no sexo determinado geneticamente (Lund & Hendren, 2001; Migeon et al. 2002). A passagem do tempo já permite que haja um conjunto cientificamente organizado de dados em pacientes que atingiram a idade adulta, e há várias casuísticas mostrando comportamento masculinizado em mulheres portadoras de hiperplasia adrenal congênita (Alizai et al., 1999; Ehrhardt et al.,1968; Iijima et al., 2001; Meyer-Bahlburg, 1999; Zucker et al., 1996) ou problemas de identidade de gênero entre pacientes geneticamente masculinos em quem foi optado pelo sexo de criação feminino, por várias circunstâncias de dismorfismos (formas de pseudohermafroditismo, extrofias de bexiga ou de cloaca, micropênis) (Lund & Hendren, 2001) ou, no extremo oposto, adaptação perfeita de homens com falo inadequado nos padrões técnicos habituais a um papel sócio-familiar masculino, sem que houvesse distúrbios psíquicos inevitáveis associados (Reilly & Woodhouse, 1989).

De forma explosiva, foi publicado o relato biográfico de um paciente tratado na década de 50 por Money, após cirurgia feminilizante realizada como tratamento após uma amputação peniana acidental aos 7 meses de idade (Colapinto, 2001). Tratava-se de um caso emblemático e bastante conhecido, pois a criança foi feminilizada antes dos dois anos de idade e possuía um irmão gêmeo idêntico, que fora colocado como controle experimental. Era o caso ideal para confirmar a teoria da determinação social da identidade de gênero, fortemente apoiada pelas correntes ideológicas daquele momento político. Toda a comunidade acadêmica do momento - englobando os psicólogos behavioristas, os grupos feministas, etc. - exultou com aquela prova cabal de que o ser humano era uma tabula rasa: até mesmo a sexualidade poderia ser aprendida e ensinada como qualquer outro comportamento! Assim, não se tomou conhecimento de todas as evidências em contrário, durante anos. Os trabalhos que apresentavam conclusões opostas não eram aceitos para publicação, e mesmo quando publicados, eram ignorados. Em todo o mundo, de acordo com os cânones da literatura acadêmica da época, meninos com deficiências na genitália externa foram transformados cirurgicamente em meninas, já que era como se fazia no Johns Hopkins. Sobre este tópico, o antropólogo Clifford Geertz (2001) faz uma pertinente comparação entre a atitude dos americanos, dos índios Navajo e dos africanos Pokot face aos estados de intersexualidade. Ele observa que, enquanto os índios tendem a divinizar os portadores dessa anomalia, os africanos inclinam-se a tratá-la como um mero acidente ou falha da natureza; já os americanos não podem senão se horrorizar, tentando “consertá-la” a todo custo.

Contrariamente a todas as circunstâncias favoráveis, porém, o caso evoluiu de forma desastrosa e o paciente reassumiu espontaneamente o papel social masculino na adolescência e idade adulta. Nem a castração, nem os hormônios femininos, nem a psicoterapia comportamental foram suficientes para mudar a orientação sexual do rapaz, levando a um desfecho improvável e dramático que muito colaborou para o esvaziamento do prestígio de Money. O caso foi finalizado de forma ainda mais trágica em maio de 2004, com o suicídio do paciente.

Neste caso específico, vemos o ponto de vista - e a responsabilidade - dos médicos, assim como a da família se apequenarem face ao enorme poder da autoridade pontifical de Money, na época amplamente reconhecida dentro e fora do âmbito acadêmico.

Reconheça-se, no entanto, que existem também relatos de casos de sucesso quanto ao realinhamento de gênero (muitos a partir de trabalhos do grupo de Money), e assim os padrões persistem mal definidos quanto a esta questão.

Alguns conceitos europeus do início do século XX (Diamond & Sigmundson, 1997; Ehrhardt et al.,1968; Reiner, 1997), em que o determinismo sexual era sugerido ao nascimento, porém manobras definitivas de estabilização do perfil sexual adulto (em especial cirurgias de castração e amputação fálica) eram adiadas até a puberdade, para então o paciente escolher uma sexualidade pessoal e social definitiva, sem mutilações iatrogênicas prévias, parecem estar sendo retomados. Persistem controvérsias e o desconforto das equipes médicas e familiares frente a uma proposta de adiamento de uma solução para a criança doente é nítido. Os conceitos quanto aos papéis sexuais dos indivíduos na sociedade, presentes nas equipes médicas e nos familiares adultos dos pacientes permeiam a discussão terapêutica, e os estudos se mostram problemáticos, em termos metodológicos, pela presença de variáveis culturais e familiares extremamente difíceis de serem isoladas do contexto biológico.

Em nossa experiência ambulatorial, vemos que nos casos de hipospádias (no sexo masculino, a imensa maioria dos problemas relativos aos estados de intersexo) por vezes as mães se mostram muito mais mobilizadas com a anormalidade genital dos filhos do que os próprios pacientes. Aí vemos o falo simbólico ocupar o espaço do falo anatômico. Lembramos o caso de um adolescente - no qual a mãe se mostrava extremamente preocupada com o resultado cirúrgico - que estava mais preocupado com quando poderia voltar a jogar futebol do que com o aspecto de seu pênis.

Além disso, os pacientes, pais e terapeutas têm faixas etárias e origens sociais diversas, que influenciam a abordagem. As doenças causadoras de PHF são raras e é difícil formar bancos de dados ou experiências extensas, do ponto de vista individual ou de grupos específicos.

Em termos éticos, temos que considerar que tanto o processo de tomada de decisões como a própria colocação do problema para os pacientes sofrem fortes interferências culturais. Por exemplo, no caso da síndrome da insensibilidade androgênica, onde não existe nenhum problema subjetivo de identidade sexual - já que a aparência fenotípica é absolutamente feminina, e o quadro só é descoberto eventualmente em pesquisas de infertilidade - revelar sempre a verdade em toda e qualquer circunstância pode não proporcionar nenhum benefício para a paciente, provocando apenas sofrimento ao somar os sentimentos de exclusão e inadequação à frustração pela infertilidade. Um exemplo tragicômico foi o de um jovem e voluntarioso residente que, dispondo-se a explicar ao cônjuge de uma paciente porque as suas tentativas de engravidar sempre fracassavam, acabou dizendo algo como: “Na verdade, geneticamente, ela é um homem...” Confuso e desesperado, o marido resolveu abandonar a esposa.

Apesar desses constantes percalços, vemos atualmente em nosso meio uma forte tendência a adotar como referência ética os parâmetros da moralidade individualista moderna, predominantemente anglo-saxônica, que se inclina a valorizar a autonomia de forma quase absoluta e também a encarar a verdade objetiva, factual, como ponto inquestionável e sagrado. Não devemos esquecer, porém, que existem outras abordagens dessa questão, baseadas em perspectivas diferentes de moralidade provenientes de outros ambientes culturais - incluindo o nosso - onde a verdade subjetiva, emocional e simbólica freqüentemente adquire maior importância (Benedict, 1972; Fadiman, 1997).

A pressão ideológica do “politicamente correto” faz com que se possa mudar radicalmente em pouco tempo, como vemos nas posições tomadas por Natarajan (1996 e 2001), transitando da tradicional atitude hipocrática para a aceitação da defesa incondicional da autonomia individualista. As transições que vimos entre versões psicologizantes e biologizantes do comportamento sexual se mostraram claramente vinculadas às tendências ideológicas do momento. No inexorável dia-a-dia, a prática clínica vem negando a validade de todas as teorias abrangentes e deterministas sobre a sexualidade humana.

Essas considerações nos fazem crer que nos situamos diante de um momento de perplexidade, numa fase de transição nas condutas terapêuticas para crianças com problemas genitais. A idéia de que se possa formular conceitos estritamente científicos para estabelecer padrões de conduta médica universais, descontaminados de influências culturais e ideológicas parece-nos claramente inexeqüível, senão ingênua. Questões biológicas, psicológicas, sociológicas e éticas se superpõem num trançado de complexidade inextricável e irredutível, surgindo a necessidade de enfoques transdisciplinares, flexíveis porém íntegros, buscando evitar tanto a rigidez dogmática como a fragmentação nihilista.

A reflexão e o debate adquirem importância fundamental, a fim de ajustar os novos conhecimentos à maturação dos preceitos anteriores e descobrir quais as melhores possibilidades de atendimento para estes pacientes, de forma contextualizada e personalizada, buscando permitir-lhes uma melhor qualidade de vida - o que é diferente de adequá-los a um modus vivendi técnica e ideologicamente mais conveniente - sem que nos permitamos tratá-los como aberrações, apesar da raridade de suas doenças de base e do nosso fascínio por estas entidades (Cassel, 1982).

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