Volume 8 - 2003
Editor: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2003 - Vol.8 - Nº 2

No Paiz dos Yankees

Porque voltar para o Brasil?

Carta a um amigo

Dr. Erick Messias

A preparação dos planos de retorno e certos acontecimentos recentes – inclusive a eleição do Lula e a euforia nacional – tem me feito ponderar muito sobre a reentrada na atmosfera brasileira. Os acontecimentos de ordem mais particular incluem a visita de uma colega de faculdade, médica recém formada, com residência em clinica médica, que está tentando começar uma nova residência e uma nova carreira aqui nos EUA. Um amigo, que terminou psiquiatria no mesmo programa que eu, anuncia que desistiu de voltar para o Brasil. Hoje recebi um email, de um amigo do meus tempos de colégio militar, que colocou a pergunta básica de maneira nua e crua. Entre outras coisas o email dizia o seguinte:

Meu caro Erick,

 Responda-me uma coisa, se possível:
 Por quê alguém que mora nos EUA, graduado, dispondo de todas as regalias de um país de 1º mundo poderia querer voltar para o Brasil?  Você sabe , claro, como andam as coisas por aqui, né? Eu falo por mim, que sou profissional graduado, autônomo e não me sinto respeitado enquanto profissional e muito menos seguro com relação ao meu futuro e de minha família.

Depois de assimilar, não sem uma dose de tristeza, esse encontros, acentuados pela leitura do Ignorance – lançamento recente do Milan Kundera – procurei examinar com mais cuidado a ‘questão da volta ao Brasil’...Abaixo está a cópia do email de resposta ao amigo distante.

Meu amigo,

Taí uma boa pergunta!

Desde quando surgiu a oportunidade de vir para cá tenho procurado a resposta e estou em paz com a que encontrei até agora. Vamos ver se consigo explicitar parte da lógica da mesma.

Ao terminar medicina na Federal do Ceará (UFC) o caminho natural era fazer residência – a nossa especialização na área médica. A trilha para alguém querendo estudar psiquiatria, com algum interesse em pesquisa, é basicamente migrar para o nosso ‘Sul Maravilha’, particularmente para as várias universidades de São Paulo: a UNICAMP, a USP e a Escola Paulista de Medicina (hoje, sem dúvida, os melhores centros no país). Aconteceu que naquele momento uma amiga minha estava se preparando para vir para os EUA e me falou de como se fazia para fazer residência por aqui. Fiz as provas, vim para uma entrevista e quando deu por mim começavam 4 anos de residência em psiquiatria na Universidade de Maryland, em Baltimore.

Durante esse tempo a tentação de ficar por aqui é grande – o canto das sereias estadunidenses é alto e claro. O salário oferecido para médicos é muito bom, as condições de trabalho em geral são boas, há incentivo – em forma de dinheiro e tempo – para pesquisa e estudo, enfim tudo no lugar, funcionando a contento.

Ocorre que depois de um certo tempo por aqui certas coisas começam a pesar… a distancia da família, o fato de ser estrangeiro nessa terra, a dureza dos invernos – no começo a neve é bonita, tão branquinha…depois se torna uma dureza dirigir nessas condições – a falta dos amigos…enfim a falta da nossa juventude…

Fiz alguns amigos por aqui e não tenho do que reclamar sobre os EUA. Fui bem tratado, recebi o que queria – uma educação e um treinamento estruturado e competente. A mim foram dadas as oportunidades que pedi. Por tudo isso terminei a residência, ingressei no mestrado em saúde pública na Johns Hopkins – que é considerada ‘a melhor escola de saúde pública dos Estados Unidos’ e estou terminando outra residência na Hopkins – de medicina preventiva. Fiz pesquisa, escrevi e publiquei artigos, conheci, e trabalhei junto com alguns do luminares da pesquisa em saúde mental daqui.

Mas decidi, juntamente com a Nidia, darmo-nos uma chance no Ceará. Queremos fazer nossa carreira por aí...tentar algo na UFC – a quem devo muito em termos de oportunidades e educação. Sabemos que as condições não são ideais, que há muito problema e muita dificuldade. Por outro lado essas mesmas dificuldades pesam na nossa decisão de voltar – afinal, se todo mundo que deseja mudar e fazer do Brasil um lugar decente de se viver, migrar para Europa e os EUA jamais sairemos do buraco em que caimos. Veja que meu lado idealista continua firme…Lembro também uma música que ouvi na voz do Ney Matogrosso: quem ficar de frente para o mar e de costas para o Brasil não vai fazer desse lugar um bom país.

Mais do que tudo pesa também a questão familiar, tanto para mim como para a Nidia.

Enfim, queremos que nossos filhos sejam brasileiros…essa parece ser uma posição idealista mas depois de mais de 5 anos por aqui, a diferença faz parte do nosso dia-a-dia.

Quanto a vir passar um tempo por aqui, ou na Europa, acho uma excelente idéia. Um amigo meu recentemente emigrou para o Canada. Segundo ele há um processo relativamente fácil para conseguir a cidadania canadense. A partir da cidadania as ofertas de emprego e as possibilidade acontecem.

Quanto ao processo por aqui só conheço o da medicina, mas deve haver uma maneira para cada profissão...tudo esta na internet.

Para que você não pense que meu idealismo cegou-me para os males do nosso país deixa eu dizer umas coisas do Brasil que ficaram mais claras para mim depois de algum tempo fora....

Nosso país é profundamente injusto. As oportunidades não são oferecidas a todos os nossos cidadãos e a nossa miséria, material e intelectual, dói no juízo. A violência urbana assusta, a impunidade revolta, a corrupção e a ineficiência, tanto do governo como da iniciativa privada são estímulos para a mediocridade. A nossa incapacidade de reconhecer, e recompensar, nossos talentos já nos custou, e esta nos custando, muito. Um dos maiores recursos que uma nação pode ter é a capacidade de trabalho, a inteligência e a criatividade de seus membros, e o Brasil tem sido ingrato com muitos de seus talentos.

Mais ainda, vivemos numa sociedade cartorial e doente do fetichismo dos títulos – é um tal de doutor pra cá e doutor pra lá no Brasil que se fica tonto...com tanto título e pompa – boa parte vazia.

Enfim, idealista que sou - e penso que isso seja uma qualidade - o reconhecimento desses problemas somente aumenta a vontade de voltar...e fazer uma diferença, por menor que seja. Pode ser que tudo isso seja devaneios de alguém que já está longe a algum tempo e perdeu as perspectivas locais...espero que não. Só o tempo dirá. Quem sabe a gente tem essa conversa de novo em 10 anos...

Um abraço,

Erick

PS não acho que exista uma resposta certa para essa pergunta ou um imperativo moral na resposta. A vivência por aqui também me ensinou a evitar os julgamento éticos – ou etílicos - rápidos. Cada um deve achar sua resposta certa individualmente – conheço pessoas que se deram muito bem, algumas ficando por aqui e outras de volta ao Brasil. Enfim, não há uma fórmula universal para a felicidade (que talvez ela mesma não exista, sendo apenas mais uma fantasia com que Deus castigou os descendentes de Adão)


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