Volume 8 - 2003
Editor: Giovanni Torello

 

Agosto de 2003 - Vol.8 - Nº 8

Artigo do mês

A CONCUSSÃO E A SÍNDROME DO SEGUNDO IMPACTO: O QUE É E SUA IMPORTÂNCIA NA CLÍNICA DOS ESPORTES E PSIQUIÁTRICA *

Carlos Alberto Crespo de Souza
D
outor em Psiquiatria e Professor do Curso de Especialização em Psiquiatria do CEJBF/FFFCMPA

 

“A concussão secundária pode representar um grave risco à saúde do atleta, incluindo epilepsias, transtornos mentais, paralisias motoras e a própria morte.”

Academia Americana de Neurologia, 1997. 1

1. Introdução.

Através de uma maior observação sobre o efeito das concussões sobre as pessoas - de um modo especial naquelas que praticam esportes capazes de promover lesões craniencefálicas - surgiu a concepção de uma nova síndrome: a Síndrome do Segundo Impacto (SSI) ou “Second Impact Syndrome” (SIS) para os de língua inglesa.

A concussão cerebral, um traumatismo craniano considerado leve ou menor, por muitos anos foi desvalorizado em suas conseqüências pela medicina ocidental, mesmo que alguns neurologistas ou pesquisadores de vanguarda tenham demonstrado que traumatismos graves poderiam ter uma boa recuperação enquanto que traumatismos leves poderiam provocar até a morte, (Pepper em 1886, Apud Manley) que essas lesões também poderiam causar sérios distúrbios neuropsiquiátricos posteriores, chegando até a um desfecho fatal. (Strauss e Savitsky em 1934, Apud McClelland, 1996; Courville, 1942)

A partir de 1995, ou seja, muito recentemente, esses traumatismos passaram a ser compreendidos em sua dimensão de promover lesões cerebrais igualmente graves ou significativas em 15 % dos seus acometidos. Considerando que aproximadamente 70 % de todos os traumatismos craniencefálicos (TCE) sejam leves ou menores, causados em sua maioria por concussões, a totalidade resultante alcança números significativos. Como exemplo, podem ser citadas as estatísticas norte-americanas: são estimados, a cada ano, que 1.500.000 americanos sofram um TCE por diversas causas (acidentes automobilísticos, práticas esportivas, assaltos, acidentes domésticos, etc.). Calculando grosseiramente - tendo em mente que 70 % sejam de natureza leve ou por concussão - isto representa um total expressivo de 1.005.000 comprometidos por esse tipo de trauma.

Os dados epidemiológicos, por outro lado, consideram que o número total de TCE representa uma incidência três vezes maior do que a esquizofrenia e cuja prevalência é maior do que a prevalência individual para esquizofrenia, mania e transtorno de pânico, (Silver, Hales e Yudofsky, 1992) configurando uma importante situação em termos de saúde pública.

Nos últimos anos da década de 90, possivelmente por esse reconhecimento, houve um verdadeiro “boom” de publicações sobre os TCE e suas conseqüências, com destaque para os TCE leves, especialmente os derivados de concussões. Porém, o campo que passou a ser mais explorado foi o das concussões nos esportes.

Para que se tenha uma idéia da dimensão desse crescimento é necessário mencionar que até 1993 apenas três das mais importantes revistas de neurologia dos Estados Unidos haviam publicado artigos sobre os TCE, sendo que um deles somente tangenciando o tema, pois estava mais relacionado a uma Doença de Parkinson preexistente.

Como a prática esportiva é o ambiente onde concussões acontecem - a mais comum lesão cerebral nessas atividades - e, freqüentemente, de forma repetida num mesmo atleta, fato que dificilmente pode ser identificado e acompanhado em outras situações da vida comum, nasceu a concepção de uma nova síndrome: a Síndrome do Segundo Impacto.

Esse é o tema deste artigo.

2. Metodologia.

A pesquisa na literatura foi direcionada para os traumatismos craniencefálicos, especialmente os leves ou por concussão, privilegiando aqueles determinados por práticas esportivas.

Os termos dirigidos à MEDLINE foram “sports and concussion” e “traumatic brain injury and sports”, demarcando o período compreendido entre 1993 até 2003.

Bibliografia prévia, consultada anteriormente pelo autor para a realização de sua tese de doutorado, também foi utilizada para compor este artigo, por isso aparecendo referências bibliográficas anteriores ao ano de 1993.

3.Resultados.

Entre 1993 e 1997, segundo registros constantes na MEDLINE, foram produzidos 424 artigos sobre as conseqüências dos TCE na literatura científica, grande parte deles privilegiando os esportes e a concussão. Em 1998 foram registrados nada menos do que 91 artigos apenas para os termos concussão e esportes nesse sistema de pesquisa internacional. Num levantamento mais atualizado, de abril/2001, foram encontrados 222 artigos sob esses termos, numa clara demonstração sobre o incremento dos estudos nessa área. (Crespo de Souza, 2003)

Agora, de acordo com recente pesquisa para este artigo, realizada entre julho/agosto 03, foram encontrados, aproximadamente, mais de 100 outras contribuições com datas de 2002 e 2003 para os termos “sports and concussion” e outros tantos em preparação, a serem lançados ainda neste mês de agosto. Como pode ser visto nas referências, lá se encontram artigos publicados em maio, junho e julho/03, evidenciando o permanente crescimento nessa temática e preocupação com as conseqüências das concussões que ocorrem nos esportes. Apenas no Canadá, o hóquei sobre o gelo - considerado o esporte nacional nesse país - recebeu a atenção de nada menos do que vinte artigos sobre a relação entre os TCE, especialmente os resultantes em concussão, e as práticas desse esporte. (Marchie e Cusimano, 2003)

Naturalmente, apenas algumas referências foram escolhidas, uma exigência pela exigüidade de espaço.

Alguns desses artigos foram selecionados e divididos sob sub-temas para substanciar este artigo, as quais são apresentados abaixo.

3.1- O que é a concussão?

Embora a existência de inúmeras maneiras de definir o que seja uma concussão, cujo conceito é ainda controverso, a definição mais aceita atualmente é a formulada pela Associação Americana de Neurologia em 1997: “Concussão é uma alteração trauma-induzida no estado mental que pode ou não envolver perda da consciência.” (Kelly e Rosenberg, 1997).

É necessário chamar a atenção que nas classificações mais recentes, como na CID-10/OMS e na DSM-IV, ainda constam que para haver uma concussão é necessário a existência de perda de consciência. Essas diretrizes, hoje ultrapassadas, precisam ser atualizadas de maneira que o diagnóstico correto de uma concussão seja realizado. (CID-10, 1993; DSM-IV, 1995)

3.2- Epidemiologia das concussões nos esportes.

É estimado, nos Estados Unidos, que apenas nas escolas de ensino superior, onde são praticadas atividades esportivas no futebol americano, em torno de 250.000 concussões ocorrem a cada ano e que, aproximadamente, 20 % dos jogadores sofrem concussões. (Kimberly, 1999)

Outros esportes praticados nos Estados Unidos, como boxe, luta livre ou romana, hóquei e patinação no gelo, ginástica em aparelhos, basquete e futebol (soccer) são os que mais freqüentemente apresentam risco de concussão.

McKeever e Schatz, nos Estados Unidos, reconhecendo que recente literatura incentiva a necessidade de que sejam identificadas de maneira apropriada as concussões que ocorrem nos esportes, assim como seus números e manejo, mostram que poucas pesquisas nessa área foram realizadas entre atletas crianças e adultas femininas. Apontam, outrossim, que há indícios de que essas pessoas sejam mais vulneráveis a elas do que atletas adolescentes e adultos masculinos. (McKeever e Schatz, 2002)

Esses autores, em decorrência dessa constatação, expressam a necessidade de que, em futuro próximo, a pesquisa seja direcionada sobre os níveis de prevalência e efeitos das concussões nessa faixa populacional.

Grindel, numa revisão sobre os aspectos epidemiológicos e patofisiológicos das concussões, avaliando estudos de traumas cerebrais tanto em animais como em humanos, enfatiza a importância desses estudos para o reconhecimento dos seus efeitos para as populações, tanto em seus aspectos de benefícios e de limitações. (Grindel, 2.003)

Estudos realizados no Canadá, recentemente, já expressam a preocupação com a prática do hóquei sobre o gelo por crianças na faixa etária dos 9 anos (em estado experimental na Liga Canadense de Hockey), quando a faixa etária permitida ainda é a de 11 anos para o início desse esporte. Os temores estão relacionados a uma prática esportiva onde o contato físico violento, o qual promove uma parada brusca do corpo em movimento (“bodychecking”), pode desencadear uma concussão num cérebro ainda em desenvolvimento. Tal fato, segundo Marchie e Cusimano, pode promover, posteriormente, significativas e imprevisíveis alterações cognitivas e comportamentais nessas crianças. (Marchie e Cusimano, 2003)

Num outro estudo - que pode ser considerado até certo ponto como discordante do anterior - Field e cols. mostraram que atletas das universidades americanas com concussão apresentam disfunção mais prolongada de memória do que os atletas de níveis escolares mais inferiores. Ao mesmo tempo, evidenciaram que a própria percepção de suas deficiências é pobre e não confiável para que sejam liberados à prática esportiva, recomendando cautela em suas avaliações. (Field e cols., 2.003)

Nos diversos países há modalidades esportivas proeminentes em cada cultura e de acordo com sua disposição geográfica, como os esportes de inverno em locais montanhosos ou em corredeiras em rios por ocasião do verão. Naturalmente, pode-se inferir que em cada um desses países haverá uma maior prevalência de TCE em determinadas práticas esportivas do que em outros. O hóquei sobre o gelo no Canadá, mencionado anteriormente, é um exemplo dessa situação, por isso recebendo maior atenção naquele país.

No Brasil, na ausência de qualquer estudo epidemiológico a respeito, certamente poderemos pressupor que a maior causa de concussão entre as várias atividades esportivas seja o futebol, pois é o esporte mais praticado por grande parte das faixas etárias, além dos atletas profissionais.

Uma série de novas modalidades esportivas foi iniciada nos últimos anos, grande parte delas de alto risco, reconhecidas como “esportes radicais”. Entre algumas podem ser citadas o montanhismo/alpinismo, o pára-quedismo, os vôos em ultraleves, os saltos de lugares elevados, etc. Elas ainda não constam nas estatísticas, mas, certamente, muito em breve farão parte desse cenário. (Crespo de Souza, 2003)

3.3. - Conseqüências das concussões.

Embora a maior parte das concussões resulte sem conseqüências ou seqüelas, em torno de 15 % delas - número expressivo considerando o grande número de TCE leves - podem promover significativas alterações capazes de perdurar por dias, semanas, meses ou para o resto da vida.

Os principais sintomas e conseqüências hoje arroladas são as seguintes:

Precoces (75%): cefaléia, tonturas, confusão, náuseas, vômitos, zumbidos, alterações visuais. Os sintomas são passageiros e, usualmente, podem durar por horas ou poucos dias.

Tardias (15%): Transtorno cognitivo leve, Síndrome pós-concussional e Síndrome do segundo impacto.

De acordo com a CID-10, o Transtorno cognitivo leve, com deficiências na memória, atenção, concentração, etc., quando associado a um transtorno físico não dura mais do que poucas semanas. (CID-10/OMS, 1993) Em estudos posteriores ele poderá ser absorvido e integrado à Síndrome pós-concussional.

A Síndrome pós-concussional, embora ainda não tenha adquirido um “status” de um transtorno, hoje possui uma nova configuração de acordo com os achados resultantes dos recentes estudos.

Os sintomas abrangem um leque de manifestações relacionados a quatro áreas: somáticos, cognitivos, sensoperceptivos e emocionais ou psíquicos. Abaixo sua descrição completa cf. esquema proposto por Crespo de Souza e Mattos em 1999 (Crespo de Souza, 2003):

Sintomas de síndrome pós-concussional *

Sintomas somáticos:

Cefalalgia

Tontura

Fadiga

Insônia

Náuseas

Dor crônica

Dificuldades na coordenação motora

Convulsões

Paralisias

Sensibilização à novas concussões

Síndromes demenciais

Estados vegetativos

Morte

Sintomas cognitivos:

Dificuldades de memória

Dificuldades na concentração e na atenção

Decréscimo no processamento da informação

Dificuldades na comunicação

Dificuldades no funcionamento executivo

Sintomas perceptivos ou sensoperceptivos:

Zumbidos

Sensibilidade aos ruídos

Sensibilidade à luminosidade

Visão turva

Diplopia

Convergência insatisfatória

Alterações no sentido do gosto e do olfato

Sintomas emocionais ou psíquicos:

Labilidade emocional

Apatia

Falta de espontaneidade

Decréscimo de energia

Perda da libido

Perda do apetite

Síndromes de ansiedade

Transtornos de humor (depressão ou mania)

Sintomas hipocondríacos

Alterações na personalidade c/ comprometimento no funcionamento social e/ou sexual

Síndromes pseudo-demenciais

Sintomas psicóticos tipo esquizofrenia

  • Adaptada de Yudofsky e cols., 1992, por Crespo de Souza e Mattos, 1999.

Atletas sujeitos a entrechoques corporais, a quedas em velocidade e outras situações de risco inerentes à cada modalidade esportiva podem sofrer traumatismos cerebrais que resultam em concussão.

A Síndrome do Segundo Impacto ocorreria quando o indivíduo, já tendo sofrido uma concussão, a qual podemos chamar de primária - sem ter se recuperado integralmente - volta a sofrer no mesmo dia, dias ou semanas após, uma nova concussão, a qual podemos chamar de secundária.

De acordo com estudos mais recentes, há evidências de que o cérebro fica “sensibilizado” após sofrer a concussão primária. Segundo a Academia Americana de Neurologia e Centros de Controles de Doenças dos Estados Unidos e vários autores, a concussão secundária pode representar um grave risco à saúde do atleta, incluindo epilepsias, transtornos mentais, paralisias motoras e a própria morte. (Quality Standandars Subcommittee, 1997; Centers for Disease Control, 1997; Cantu, 1998; McCrory, 1998)

Em virtude desse reconhecimento, estudos procuraram encontrar métodos diagnósticos ou instrumentos para melhor estabelecer as concussões e critérios de retorno às práticas esportivas, o que veremos abaixo.

3.4. - Instrumento para estabelecer as concussões nos esportes.

De maneira a evitar que após uma concussão primária um atleta possa retornar à prática esportiva de sua predileção ou profissionalismo, a Academia Americana de Neurologia (ANA) criou uma cartilha baseada no grau da concussão primária ou inicial, a qual passou a ser distribuída e divulgada entre médicos, treinadores, atletas e seus familiares. (Quality Standards Subcommittee, 1997; Kelly e Rosenberg, 1997)

De acordo com suas diretrizes, as concussões podem ser classificadas em três estágios ou graus:

Grau 1:

É definido como uma confusão transitória, sem perda da consciência, com os seguintes sintomas possíveis: cefaléia ou náuseas ou alterações mentais, que se resolvem em menos do que 15 minutos.

Grau 2:

É definido como uma confusão transitória, sem perda da consciência, com sintomas ou alterações do estado mental que permanecem por mais de 15 minutos.

Grau 3:

O grau três é definido como qualquer perda da consciência por qualquer período de tempo - segundos ou minutos. Usualmente é fácil de reconhecê-lo, pois o indivíduo está inconsciente por qualquer período de tempo.

Por outro lado, inúmeros estudos têm demonstrado que testes neuropsicológicos são capazes de captar as alterações cerebrais mínimas que ocorrem nas concussões - fato que os exames de neuroimagem costumeiramente não o fazem - os quais podem ser utilizados como auxiliares no diagnóstico dessas lesões e no seu escrutínio quanto ao retorno às práticas esportivas. (Echemendia, Putukian e Mackin, 2001; Echemendia e Cantu, 2003)

3.5. - Critérios para retorno aos esportes após uma concussão primária.

A conduta em relação ao atleta é tomada em função do grau de concussão observado (nível de consciência). Essa conduta diz respeito, principalmente, ao seu retorno à prática esportiva, tema ao qual inúmeros autores se pronunciaram posteriormente (Barth, Freeman e Winters, 2000; Collins, Lovell e Iverson, 2002; Cantu, 2003):

Grau 1:

  • A pessoa deve ser removida do local, examinada imediatamente e a cada 5 minutos de intervalo.
  • Se os sintomas passaram dentro de 15 minutos pode retornar às suas atividades.
  • No caso de um atleta, se sofrer uma segunda concussão de grau 1 após a primeira no mesmo dia, deverá ficar afastado de atividades esportivas por, no mínimo, uma semana, desde que ao final desse tempo esteja assintomático.

Grau 2:

  • A pessoa necessita ser avaliada por um exame neurológico.
  • Se os sintomas persistirem por mais de 1 hora, o indivíduo necessita de observação médica.
  • No caso de atletas, devem ser removidos do local e examinados freqüentemente para determinar se os sintomas melhoram ou pioram.
  • Deve ser submetido a criteriosa avaliação médica se os sintomas piorarem ou persistirem por tempo maior do que uma semana.
  • Um atleta pode retornar à prática esportiva somente se permanecer assintomático por, no mínimo, uma semana.
  • Caso um atleta tenha uma concussão de grau 2 após uma de grau 1, no mesmo dia, deverá permanecer assintomático por, no mínimo, duas semanas para que possa retornar à sua prática.

Grau 3:

  • Se a perda de consciência foi breve e o indivíduo permaneceu assintomático por, no mínimo, uma semana, pode retornar às suas atividades.
  • Se a perda de consciência foi mais prolongada e o indivíduo permaneceu assintomático por, no mínimo, duas semanas, pode retornar às suas atividades.
  • Se a pessoa permanece inconsciente ou se sinais neurológicos ao tempo da avaliação inicial ainda estiverem presentes, deverá ser (re)conduzido à emergência de hospital de referência.
  • No caso de uma pessoa sofrer uma segunda concussão de grau 3, no mesmo dia ou dias após, deverá permanecer sem atividades semelhantes até que fique por, no mínimo, um mês assintomático.
  • Atletas que tiverem sofrido, além da concussão, traumatismos cranianos mais graves (edemas, contusões ou outras patologias intracranianas), nos quais alterações foram observadas em tomografias computadorizadas ou de ressonância magnética, devem permanecer por uma estação sem atividades semelhantes e desencorajados a participar de esportes de contato ao longo desse período.

Observação:

De acordo com o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos da América (CDC, 1997), qualquer indivíduo ou atleta que tenha sofrido um golpe sobre a cabeça (cérebro) e que tenha causado algum tipo de alteração no estado mental não deve retornar às suas atividades sem antes ser avaliado por equipes médicas que utilizam os critérios estabelecidos pela CDC.

Marchie e Cusimano, considerando o fato de que crianças estão envolvidas na prática do hóquei sobre o gelo no Canadá, advertem os clínicos e familiares desses jovens sobre o risco de um retorno após já terem sofrido uma concussão, colocando a questão não mais apenas “no quando” retornar, mas prioritariamente “no se” retornar, uma vez que esse esporte é muito violento por natureza.

Afirmam eles que, embora as recomendações sobre o risco de retorno à prática desse esporte após uma concussão já sejam numerosas, nenhuma foi até agora validada em seu país. Dessa forma, poucos têm o conhecimento da gravidade desse retorno e de seus riscos.

Esses autores, de maneira a reforçar suas conclusões, mostraram estatísticas reveladoras sobre as lesões sofridas nesse esporte entre os praticantes na faixa de 9-15 anos, quando 45 % são decorrentes de contenções legais e 8 % de contatos ilegais. Segundo eles, não houve uma diferença estatística significativa sobre os perfis das lesões sofridas nos dois tipos de choques corporais. Demonstraram, com isso, que o reforço à obediência das regras não possui nenhum impacto sobre os níveis de lesões. (Marchie e Cusimano, 2003)

Collins e cols., num interessante estudo multicêntrico no qual atletas de várias escolas de níveis diferentes foram avaliados, demonstraram que os critérios de retorno às práticas esportivas devem considerar não o nível de consciência, mas a presença de amnésia pós-traumática. Segundo eles, esse comprometimento é o maior responsável como preditor de sintomas e de deficiências após uma concussão em atletas. (Collins e cols., 2003) Com isto, sugeriram novos critérios de avaliação para o retorno ao esporte. (Lovell e Collins, 2002)

3.6. - Instrumentos para diagnosticar como ocorrem as concussões.

Em virtude das preocupações com as concussões, instrumentos passaram a ser utilizados na Austrália para observar como se processam esses traumas nos jogos de futebol americano. Através de videoteipes, foram avaliadas quais as regiões cerebrais mais atingidas, quais as regiões do oponente provocam a batida, qual a velocidade do impacto e se as armações utilizadas pelos atletas seriam realmente protetivas.

Entre outros resultados, os autores concluíram que há deficiências nos protetores (os quais não impediram a concussão em vários casos) e reconheceram a inexistência de modelos internacionais padronizados à prática dessa modalidade esportiva, tornando evidente a fragilidade existente na prevenção de lesões cerebrais resultantes em concussão. (McIntosh, McCrory e Comerford, 2.000; McIntosh e McCrory, 2.000)

  1. Comentários.

Pelo exposto, há uma sensível preocupação com as conseqüências das concussões e, de modo particular, com a Síndrome do Segundo Impacto. A crescente preocupação trouxe em seu bojo a adoção de medidas para o retorno às práticas esportivas, as quais foram iniciadas pela “classificação das concussões” da Associação Americana de Neurologia em 1997.

Com a progressão dos estudos e pesquisas, surgiram outros entendimentos, valorizando mais o tempo de duração da amnésia pós-traumática do que o nível de consciência para o retorno ao esporte profissional ou prática esportiva preferencial de lazer. Naturalmente, isto está a mostrar que dúvidas existem nos estudos e, possivelmente, por isso, até agora não foi validada nenhuma recomendação oficial.

Ao mesmo tempo, alguns autores, como visto, considerando a violência intrínseca em determinadas práticas esportivas, já adotam um outro discurso e questionam não mais a possibilidade de retorno mas, sim, sua interrupção.

Analisando a tudo mostrado neste artigo, obrigatoriamente, o olhar se volta ao que ocorre em nosso país onde as concussões acontecem freqüentemente nas práticas esportivas. Ignorando essa ciência já existente, sem que alguma cautela seja tomada, uma grande preocupação invade nosso espírito.

5. Conclusão.

Ainda que tarde, é hora de incorporarmos esse conhecimento, divulgá-lo e procurarmos formas de adotar medidas semelhantes, iniciando, ao menos, na atenção ao esporte e nos traumas cerebrais que lá ocorrem. Naturalmente, para isso, é necessário, também, realizar pesquisas e estudos junto aos nossos atletas profissionais e aos praticantes de esportes de lazer.

Somente assim teremos certeza do que ocorre aqui no Brasil nas práticas esportivas, quais os esportes de maior risco, e então, sim, criarmos critérios próprios para a prevenção e adoção de medidas específicas contrárias ao desenvolvimento das graves seqüelas decorrentes de concussões.

Considerando que inúmeros sintomas psicológicos e comportamentais podem advir nesse desenvolvimento patológico traumático, cabe à psiquiatria manter-se alerta ao lado de outras especialidades médicas, quer seja monitorando as ações preventivas, quer seja acompanhando os padecentes.

Medidas educacionais que incluam a divulgação desse conhecimento e a implantação de estudos e pesquisas junto à nossa população esportiva são passos fundamentais a serem dados em futuro próximo.

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*Trabalho elaborado no Departamento de Pesquisa do Centro de Estudos José de Barros Falcão (CEJBF)/Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA).


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