Volume 8 - 2003
Editor: Giovanni Torello

 

Março de 2003 - Vol.8 - Nº 3

Artigo do mês

TABAGISMO: UMA REVISÃO

TOBACCO USE: A REVIEW

Guilherme Rubino de Azevedo Focchi
Mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médico colaborador do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (GREA- IPQ- HCFMUSP) 

Resumo

O tabagismo é hoje a maior causa prevenível e tratável de óbito, e constitui problema de Saúde Pública da maior gravidade. O autor faz aqui uma revisão sobre o tema, partindo de aspectos históricos, epidemiológicos, etiológicos e farmacológicos, continuando com os transtornos mentais relacionados ao uso do tabaco, e enfatizando o tratamento e a prevenção do tabagismo.

Unitermos: Tabaco. Nicotina. Dependência. Tratamento. Prevenção.

SUMMARY

Tobacco use is the main preventable and treatable cause of death today, and it is a severe Public Health problem. The author reviews this issue, starting with historical, epidemiological, etiological, pharmacological aspects of tobacco use, continuing with mental related disturbances and emphasizing treatment and prevention.

Uniterms: Tobacco. Nicotine. Dependence. Treatment. Prevention.

INTRODUÇÃO

Apesar de todos os esforços médicos para avisar a população sobre os malefícios do tabagismo, é fato que as pessoas continuam fumando (5).Os progressos no controle do tabagismo são ínfimos, apesar do grande desenvolvimento de pesquisas na área, sobretudo nos últimos trinta anos. O tabagismo, de área subestimada que era no passado, tornou-se hoje a maior causa prevenível e tratável de óbito (12); é fator de risco para várias doenças e constitui um grave problema de Saúde Pública, sendo que os serviços para o atendimento de fumantes são insuficientes para acolher a enorme demanda de pacientes tabagistas(4,8).

Dessa forma, pretende-se fazer aqui uma revisão sobre o tema.

GENERALIDADES

O tabaco é encontrado na natureza em folhas (Nicotiana tabacum). A nicotina é extraída das folhas de tabaco. O cigarro, principal dispositivo de nicotina existente no mercado (90% do consumo), é produzido com a mistura das folhas de tabaco. A fumaça do cigarro é fruto da combustão da matéria orgânica do tabaco (12).

Outros dispositivos de nicotina, além do cigarro, são o charuto, o cachimbo, a goma de mascar e o rapé. Podem também ser encontrados no mercado, para fins terapêuticos, a goma da nicotina, os adesivos de nicotina e o “spray'' (6,8).

O tabaco já era usado há cinco mil anos, primeiro na China e depois na América Central, em rituais religiosos. Nativos da América do Sul já fumavam o tabaco em charutos, como estimulante para vencer a fome e o cansaço. Na América do Norte, o tabaco poderia ser mastigado ou usado como ungüento. Era oferecido aos deuses para afastar maus espíritos (10).

Os colonizadores europeus, no século XVI, ao travarem contato com os indígenas americanos, levaram o tabaco para a Europa, que em breve se tornaria grande importador desse produto. Até o século XIX, a Europa assistiu à popularização do tabaco, sobretudo em forma de rapé, e seu uso como tônico e remédio para mais de sessenta doenças existentes na época. Em países islâmicos como a Turquia, entretanto, o consumo do tabaco era visto como heresia, sendo proibido e até mesmo, punido com a morte (10). Jean Nicot, em 1828, isolou o principal alcalóide do tabaco, a nicotina (10).

Com o advento das máquinas de fabricação de cigarros, nos Estados Unidos, o consumo do tabaco disparou, havendo uma verdadeira epidemia de uso no início do século XX e sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. Paralelamente a isso, realizaram-se as primeiras pesquisas sistemáticas sobre as doenças associadas ao tabagismo, o que colaborou para um declínio e estabilização do consumo. Apenas na década de 1980, a Associação Psiquiátrica Americana incluiu o tabagismo em sua nosologia (1,3).

EPIDEMIOLOGIA

Em todo o planeta, cerca de um 1,2 bilhão de pessoas fuma. Cerca de 4 milhões de pessoas morrem no mundo, ao ano, por doenças associadas ao tabagismo. Nos Estados Unidos, o tabagismo provoca 400 mil mortes ao ano, maior que a soma de mortes provocadas pelo uso de álcool e de todas as outras drogas de abuso juntas (6). Também, nesse mesmo país, morrem anualmente cerca de 50 mil fumantes passivos, que não fumam, mas inalam a fumaça. A indústria do tabaco movimenta centenas de bilhões de dólares ao ano, e tem um poderoso `'lobby” político (8).

O tabagismo tem início geralmente na adolescência, tem crescido entre as mulheres e atinge mais pessoas com menor nível sócio - econômico e educacional (7).

O Brasil tem cerca de 35 milhões de fumantes(5).

ASPECTOS ETIOLÓGICOS

O tabagismo é multifatorial - não existe uma causa única para que o indivíduo se torne tabagista, mas sim um conjunto de fatores ambientais (ex.: pressão social), biológicos (ex.: fatores genéticos) e psicológicos (ex.: dificuldade do indivíduo em lidar com frustrações). São exemplos de fatores que favorecem o uso: aceitação cultural, fácil acesso ao cigarro, baixo custo, “marketing'', o alto poder aditivo da nicotina, impulsividade, afetos negativos (ex.:depressão), influências sociais, desconhecimento e negação do poblema, entre outros (3,8,9).

FARMACOLOGIA

O cigarro tem cerca de quatro mil substâncias, entre elas o monóxido de carbono (CO), o alcatrão e a nicotina. Muitas substâncias do cigarro seriam responsáveis pelas doenças clínicas relacionadas ao tabagismo. A nicotina, por sua vez, é substância psicoativa, de alto poder aditivo, e que reforçaria o hábito de fumar. Sabe-se que o potencial de abuso da nicotina é tão grande quanto o da cocaína e o da heroína (3,8).

A nicotina é alcalóide líquido de cor clara, tornando-se marrom se exposta ao ar. É substância volátil, e representa 1,5% do peso do tabaco, sendo seu principal alcalóide (8).

O pK da nicotina é igual a 8,0, significando que em pH de 8,0, metade da nicotina é ionizada. Em estado ácido, a nicotina, ionizada, não passa pelas barreiras biológicas. Com o aumento do pH, parte da substância que não é ionizada passa pelas barreiras biológicas. Então, no caso do cigarro, cuja fumaça é mais ácida, há maior inalação. O charuto, o cachimbo e a goma de nicotina, mais básicos, são menos inalados e têm maior absorção oral (8).

Após a inalação, há rápida absorção pulmonar, e a nicotina chega rapidamente ao Sistema Nervoso Central via sistema arterial pulmonar. A nicotina é extensamente metabolizada no fígado, em cotinina (pelo sistema P450 hepático, por oxidação) e em óxido nicotínico. Cerca de 70% da nicotina inalada é metabolizada no fígado. Essa substância tem rápida distribuição nos tecidos, tendo efeito cumulativo no organismo. A meia - vida da nicotina é de 120 minutos. A cotinina tem meia vida maior, de cerca de 20 horas, podendo por isso ser útil como marcador do uso de nicotina (6).

No Sistema Nervoso Central, a nicotina liga-se a receptores centrais e periféricos, atravessando a Barreira Hemato - Encefálica, onde tem efeitos sobre vários neuromediadores (noradrenalina, acetilcolina, serotonina, dopamina), aumentando sua produção. O aumento da produção de noradrenalina provocaria aumento da frequência cardíaca, da atenção, náuseas e piloereção; o aumento da acetilcolina levaria ao incremento da memória; o aumento da serotonina levaria à piora da ansiedade, e o aumento da dopamina levaria à euforia, que reforçaria o uso da nicotina, levando a uma neuroadaptação com o uso crônico (5).

Nos gânglios periféricos autonômicos, a nicotina atua como agonista colinérgico em baixa dose e como antagonista em alta dose. Além disso, a nicotina estimula a produção de acetilcolina no plexo mioentérico e de catecolaminas na adrenal (6,8). A estimulação dos gânglios autonômicos levaria ao aumento da freqüência cardíaca, da pressão arterial e à vasoconstricção periférica. O efeito parassimpático no plexo mioentérico levaria a diarréia, náuseas e vômitos (6,8).

DOENÇAS ASSOCIADAS

O tabagismo é responsável por uma vasta gama de doenças clínicas, como câncer de pulmão, acidentes vasculares cerebrais, aneurismas, doença aterosclerótica, úlceras, osteoporose, bronquite, redução do peso fetal, antecipação da menopausa, descolamento prematuro de placenta, sangramentos e aborto, entre outros (8). Os usuários de tabaco não fumado, como rapé, podem desenvolver leucoplasia em cavidade oral, devido ao efeito irritativo de carcinógenos do tabaco, e que pode evoluir para câncer. Mesmo os fumantes passivos estão mais propensos ao desenvolvimento de patologias, pela inalação da fumaça do tabaco (3,8,12).

TRANSTORNOS MENTAIS RELACIONADOS AO TABAGISMO

A Classificação Internacional de Doenças (CID 10) tem como principais Categorias a Dependência de Nicotina (F15) e a Abstinência de Nicotina, que têm as seguintes diretrizes diagnósticas (OMS) (7):

Dependência de Nicotina

Somente se três ou mais requisitos estão presentes durante o último ano:

  1. um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;
  2. dificuldade em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo;
  3. um estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: síndrome de abstinência característica para a substância ou o uso da mesma substância (ou de uma substância intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência;
  4. evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas (exemplos claros disso são encontrados em indivíduos dependentes de álcool e opiáceos, que podem tomar doses diárias suficientes para matar ou incapacitar usuários não tolerantes);
  5. abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor de uso de substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos;
  6. persistência do uso da substância, a despeito da evidência clara de consequências manifestamente nocivas. Deve-se fazer esforços para determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse) consciente de natureza e extensão do dano.

Abstinência de Nicotina

Um conjunto de sintomas de agrupamento e gravidade variáveis, ocorrendo em abstinência absoluta ou relativa de nicotina, após uso repetido e usualmente prolongado e/ou de altas doses daquela substância. O início e curso do estado de abstinência são limitados no tempo e relacionados ao tipo de substância e a dose que vinha sendo utilizada imediatamente antes da abstinência.

Perturbações psicológicas:

Humor disfórico ou deprimido

Insônia

Irritabilidade, frustração ou raiva

Ansiedade

Dificuldade para concentrar-se

Inquietação

Perturbações físicas:

Frequência cardíaca diminuída

Aumento do apetite ou ganho de peso

Dessa forma, é importante que todo médico, independente da área em que atue, questione seu paciente quanto ao comportamento de fumar, no sentido de aconselhá-lo a parar ou mesmo encaminhá-lo a tratamento especializado. A relação médico - paciente é fundamental, e o médico tem importante papel na educação do paciente quanto ao tabagismo e suas conseqüências (8).

TRATAMENTO

É certo que durante muito tempo, até as últimas décadas, o tabagismo foi subestimado, em grande parte devido a dúvidas sobre a real eficácia de um tratamento proposto e porque o tratamento do tabagismo não era cortejado pelos Seguros de Saúde (2,5); o aumento da população fumante e a conseqüente morbimortalidade associada levaram ao desenvolvimento de diversas modalidades de tratamento. É fato que a demanda para tratamento de tabagistas é grande, e muitos pacientes gostariam de parar de fumar, sendo que poucos conseguem por conta própria (cerca de 5% dos pacientes), o que reforça a criação de serviços voltados para o problema (4). A criação de tratamentos para tabagismo integrados aos serviços de Saúde vigentes terá, certamente, enorme impacto na Saúde Pública - em alguns serviços, a porcentagem de pacientes abstinentes após 1 ano de tratamento pode chegar a 30%, o que é muito significativo, haja vista a prevalência do problema(8).

As abordagens farmacoterápica e cognitivo-comportamental são comprovadas por diversos estudos e as mais eficazes no tratamento do tabagismo, e de preferência, devem ser realizadas concomitantemente (3); o melhor tratamento para o tabagismo deve ser multidisciplinar e individualizado, segundo as necessidades de cada paciente (2,4,6). As abordagens devem ser continuadas, visando ao seguimento dos pacientes, pois parar de fumar constitui processo de aprendizado, em que o paciente cria um novo estilo de vida para si, em que o uso do tabaco não participe (11). Deve-se ter em mente que a principal preocupação no tratamento do tabagismo não é a abstinência em si, mas a manutenção da abstinência a longo prazo (1). O objetivo do tratamento do tabagismo é a abstinência total (6,8).

Uma modalidade de tratamento inicial é o aconselhamento e o uso de estratégias motivacionais, em ambiente ótimo, ou seja, literalmente livre de tabaco. Esse tratamento é o preferido pela maioria dos tabagistas, é simples e de baixo custo; os indivíduos que têm maior dificuldade para se manter abstinentes seriam encaminhados a tratamento especializado, intensivo, caracterizado por abordagens cognitivo-comportamentais (principalmente), aliadas ao tratamento farmacológico. A internação estaria reservada àqueles tabagistas que não conseguiram parar com nenhum tratamento proposto, e que apresentam doenças graves associadas ao tabagismo (8).

TERAPIA COGNITIVO - COMPORTAMENTAL

Deve ser feita em grupo, de forma que os pacientes possam compartilhar questões relacionadas ao tabagismo. Esse ambiente grupal propiciaria maior aprendizado de técnicas que podem ser usadas para a manutenção da abstinência, e o reforço dessa condição para o grupo de pacientes (1). Essa abordagem deve estar objetivamente focada no problema tabagismo, a despeito de questões outras que possam surgir durante o tratamento (8).

A terapia cognitivo - comportamental é o conjunto de técnicas cognitivas, visando a mudança de padrões de pensamento, e comportamentais, estas visando mudanças de comportamento. A terapia cognitivo - comportamental é o cerne do tratamento do tabagismo, devendo-se lembrar que as técnicas usadas não devem romper a rotina do paciente (8,11).

Inicialmente, é feita uma avaliação das diversas situações em que o paciente tem dificuldade em manter a abstinência, sendo que este aprenderá uma série de técnicas de enfrentamento que lhe serão úteis nessas situações e em contextos em que esteja compelido a fumar. O auto - monitoramento a partir de um diário comportamental, em que o paciente enumera quando fumou ou teve vontade, o que estava fazendo, pensando e sentindo nesse momento é importante. A partir então desse aprendizado, o paciente terá papel ativo na manutenção da própria abstinência (11).

São estratégias de enfrentamento gerais: evitar ou escapar de situações em que possa fumar, distrair-se quando tem “fissuras”, ou mesmo adiar o ato de fumar. A eliminação da parafernália (objetos relacionados ao uso do cigarro, como cinzeiros) pode ser útil. Se as estratégias gerais não funcionarem, o paciente pode fazer uso de estratégias mais elaboradas, cognitivas e/ou comportamentais, adequando-as à situação (11).

As estratégias cognitivas envolvem o imaginar e o “conversar consigo mesmo” sobre as conseqüências negativas de continuar fumando e sobre as conseqüências positivas de parar de fumar(11).

As estratégias comportamentais envolvem técnicas de relaxamento (como respiração), atividade física, ingestão de alimentos de baixo teor calórico, o desenvolvimento de habilidades sociais (por exemplo, o paciente pode pedir para que outros não fumem perto dele) e restrição aos horários e locais para fumar. Para os pacientes que não conseguem parar totalmente, de uma vez, pode ser feito o “fading” - a retirada gradual de cigarros (11).

A recaída ocorre no caso do paciente voltar a fumar, no contexto de uma mudança do estilo de vida, e nesse caso, deve-se abordá-la de forma não crítica, informando o paciente de que a recaída é esperada, e não um fracasso no sentido de se manter a abstinência. Os fatores precipitadores da recaída devem ser minuciosamente analisados, como aprendizado para que novas recaídas não ocorram (9,11).

FARMACOTERAPIA

Abordaremos aqui as principais modalidades farmacoterapêuticas para o tabagismo atualmente, lembrando que o tratamento farmcológico é adjuvante do tratamento do tabagismo, tendo melhor resultado se associado a técnicas cognitivo-comportamentais (4,8).

A Terapia de Reposição de Nicotina, seja por meio de goma de nicotina ou adesivos de nicotina, é terapia substitutiva para a nicotina, sendo que a quantidade dessa substância presente nesses dispositivos é muito pequena para causar dependência (6). Esse tratamento promove o alívio dos sintomas de abstinência à nicotina e pode ser importante na eliminação de substâncias cancerígenas da fumaça do tabaco (4,8).

A goma de nicotina promove a absorção de nicotina pela mucosa oral. Pode ser usada de 2 a 4mg por hora, por até três meses. No caso dos adesivos, a nicotina é absorvida pela pele, e os adesivos são colocados uma vez ao dia, em locais de pele glabra (2). Os locais de aplicação dos adesivos devem se alternar, para evitar irritação da pele. O paciente não deve fumar se usar adesivos, e o tratamento pode durar até três meses. A combinação de goma e adesivo pode ser mais efetiva em pacientes mais graves (4).

A Clonidina é medicamento que mimetiza os efeitos da nicotina, sendo um agonista alfa - 2 adrenérgico. Pode ser usada até 0,4 mg/dia, devendo-se prestar atenção aos efeitos colaterais, em especial sedação e hipotensão postural (4).

A Bupropiona é antidepressivo que bloqueia a recaptação de dopamina e noradrenalina. A dose é de 150 mg nos primeiros 4 dias, elevando-se ´para 300 mg ao dia. O tratamento deve começar entre uma e duas semanas antes da parada do uso do cigarro. O tratamento com Bupropiona dura cerca de três meses, e é contra-indicado em pacientes com risco de convulsão (4).

A Nortriptilina é antidepressivo tricíclico, que bloqueia a recaptação de serotonina e noradrenalina. Deve ser usada na dose de 75 a 150 mg/dia. A Nortriptilina parece promissora, e seu custo é menor em relação à Bupropiona (4).

PESQUISA EM TRATAMENTOS PARA O TABAGISMO

Estudos pesquisando novas modalidades de tratamento para o tabagismo devem seguir algumas diretrizes básicas (8):

  1. tempo de seguimento dos pacientes de até um ano e de no mínimo seis meses;
  2. considerar amostra representativa da população geral;
  3. considerar os pacientes que abandonaram o estudo - telefonemas durante o acompanhamento poderiam aumentar a adesão ao tratamento;
  4. uso de exames laboratoriais (ex: dosagem de cotinina).

TRATAMENTO EM POPULAÇÕES ESPECIAIS

ADOLESCENTES

Sabe-se que a idade de início do uso do tabaco diminuiu nas últimas décadas (6). Além de desenvolver quadros de dependência, a adolescente estará sujeito a problemas clínicos decorrentes do tabagismo. O adolescente, também, é especialmente vulnerável às pressões da mídia e do grupo social em que se encontra. Desse modo, o tratamento precoce, em que pesem técnicas motivacionais, pode ser útil (8). Abordagens comportamentais visando a aquisição de habilidades sociais são importantes, como arcabouço para que o adolescente tenha mais recursos para lidar com as pressões ambientais (5,8).

MULHERES

Nas últimas décadas, ocorreu o incremento do tabagismo no sexo feminino em relação ao masculino, e conseqüente aumento de doenças cardiovasculares nessa população, além de problemas associados à gravidez (9). Merece atenção o fato de que o uso de Serviços de Saúde é feito primariamente por mulheres, o que poderia facilitar uma primeira abordagem do tabagismo, específica para essa população, nesses serviços. As mulheres são mais vulneráveis a afetos negativos, como depressão, e mais sensíveis à ausência de suporte social, sendo que essas condições podem reforçar o uso do tabaco (8). A preocupação com o aumento do peso após a cessação do fumo, que ocorre provavelmente devido ao aumento da ingesta calórica e à redução do metabolismo, aumenta a resistência das mulheres à abstinência (8). O uso de antidepressivos no tratamento, se indicados, associado a estratégias de suporte social (ex.: abordagens em grupo) e de estratégias de comportamento quanto ao ganho de peso (comer alimentos de baixo conteúdo calórico quando quiser fumar, uso de goma de nicotina - que retardaria o ganho de peso, além da prática de exercícios físicos) são importantes nessa população. O uso de farmacoterapia para o tratamento do tabagismo em gestantes e lactentes está formalmente contra - indicado (5,6,8).

IDOSOS

A população de fumantes idosos é crescente, até porque essa população iniciou o uso numa época em que o hábito de fumar era estimulado (8). Nessa população há, então, maior número de pacientes com dependência de nicotina grave, maior morbimortalidade associada, mais complicações de doenças pré - existentes, importante comprometimento da independência, e alteração do metabolismo das medicações usadas largamente por essa população (8). Além disso, sabe-se que a resistência dos idosos à procura de tratamentos é maior, talvez pelo ceticismo em relação aos benefícios de parar de fumar (8). Depreende-se que esse grupo tem mais benefícios se parar de fumar e o profissional que atende o idoso deve deixar claro que “nunca é tarde para parar''. Abordagens intensivas de tratamento, com o uso de medicação, estratégias motivacionais e voltadas para maior vinculação do paciente idoso ao tratamento (ex.: telefonemas) e material informativo sobre o tabagismo específico para esse grupo (ex.: manuais informativos, usando linguagem simples e letras grandes) podem ser úteis (5,8).

PACIENTES COM DOENÇAS CLÍNICAS, PSIQUIÁTRICAS E/OU USUÁRIOS DE OUTRAS DROGAS

Os pacientes com doenças cínicas (ex.:cardiopatia) devem ser tratados em relação ao tabagismo concomitantemente ao tratamento da doença clínica em questão. O tratamento pode ser mais intensivo, a depender do caso, e pode ser feito mesmo em ambiente hospitalar. Isso pode aumentar a sobrevida dos pacientes, lembrando novamente que “nunca é tarde para parar”(8). Interações medicamentosas das medicações envolvidas devem ser revistas (1,8).

A população psiquiátrica - sobretudo no que se refere a pacientes esquizofrênicos e com transtornos de humor - tem alta prevalência de tabagistas. Isso se deve a uma série de fatores, dentre os quais atitude social permissiva, descrença na capacidade do paciente psiquiátrico em parar de fumar e dificuldades diagnósticas envolvidas (8). Os pacientes psiquiátricos fumam como estratégia para aumentar a socialização e para automedicar seus sintomas, e recaem mais que a população geral, em parte devido à ausência de suporte social e de alternativas para parar o uso (8). O tratamento, nesse caso, deve ser feito em ambiente que restrinja o uso; devem ser tratados o tabagismo e a comorbidade psiquiátrica, concomitantemente, pois a comorbidade aumenta o risco de recaída. Deve-se também prestar atenção às interações medicamentosas, pois a nicotina inibe o sistema microssomal hepático, reduzindo em geral o efeito de medicações psiquiátricas (8). Nessa população, tratamentos mais intensivos são indicados (1,8).

No caso de usuários de outras drogas, há mitos, inclusive entre a população médica, que vêem a tabagismo como problema à parte, e que deveria portanto ser tratado em separado das outras dependências (8). Isso não é verdade, pois o tabagismo pode reforçar o uso de outras drogas, e vice-versa. Desse modo, o tratamento do tabagismo deve ser realizado no contexto do tratamento das outras dependências, enfatizando-se a abstinência total (8).

TABAGISMO E REDUÇÃO DE DANOS

Estratégias como a redução do teor de nicotina, no sentido de reduzir os problemas decorrentes do tabagismo, mostraram-se ineficazes, pois nesse caso, se o teor é reduzido, o tabagista instintivamente inalaria mais a fumaça do cigarro. Então, o desenvolvimento de estratégias de redução de danos no tabagismo deve ser alvo de mais estudos (4).

PREVENÇÃO DO TABAGISMO

Viu-se que o tratamento do tabagismo segue o modelo individual, que não é eficaz para todos os indivíduos; além disso, o tratamento é caro. Como, então, desenvolver um modelo de intervenção eficaz para a população geral? Isso constitui desafio, pois a redução da prevalência do tabagismo na população geral obviamente não ocorrerá por abordagens simples (2). Ademais, deve-se considerar a enorme influência da indústria do tabaco (12).

Aqui, serão delineadas estratégias gerais para a prevenção do tabagismo. São elas (2,8):

  1. restrição à venda e à disponibilidade dos produtos do tabaco;
  2. aumento de impostos sobre os produtos do tabaco;
  3. uso da verba dos impostos para a implementação de tratamentos;
  4. educação sobre tabagismo;
  5. proteger os não fumantes da exposição à fumaça;
  6. eliminar os incentivos ao tabaco e inibir a publicidade;
  7. promover o não fumar como norma social.

Concluindo, o tabagismo hoje requer um número cada vez maior de estudos no sentido de pesquisar novos tratamentos e medidas preventivas, em que pese a necessidade de se reduzir a grande morbimortalidade causada pelo uso do tabaco. Todo profissional de Saúde deve estar atento para aconselhar e, se necessário, encaminhar seu paciente a tratamento especializado.

REFERÊNCIAS

  1. APA - Practice guideline for the treatment of patients with nicotine dependence. Am J Psychiatr, v. 153, n. 10, p.1-30, 1996.
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  3. HUGHES, J.R. Nicotine related disorders. In: SADOCK, B.J.; SADOCK, V.A Kaplan & Sadock's Comprehensive Textbook of Psychiatry. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 7th , 2000. p. 1033 - 8.
  4. MALBERGIER, A. Tabagismo. J Bras Dep Quim,v. 2 ( Supl. 1 ), p. 47-51, 2001.
  5. MARQUES, AC.P.R.; CAMPANA, A; GIGLIOTTI, A P.; LOURENÇO, M.T.C.; FERREIRA, M.P.; LARANJEIRA, R. Consenso sobre o tratamento da Dependência de Nicotina. Rev Bras Psiq, v. 23, n.4, p. 200-14, 2001.
  6. McCRADY, B.S. & EPSTEIN, E.E. Addiction - A Comprehensive Guidebook. New York: Oxford, 1999.
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  8. ORLEANS, C.T. & SLADE, J. Nicotine Addiction: principles and management. New York: Oxford University Press, 1993.
  9. SCHMITZ, J.M.; SCHNEIDER, N.E.; JARVIK, M.E. Nicotine. In: LOWINSON, J.H.; RUIZ, P.; MILLMAN, R.B.; LANGROD, J.G. (eds.). Substance Abuse - A Comprehensive Textbook. Baltimore: Williams & Wilkins, 1997. p. 276-94.
  10. SCHUCKIT, M. Abuso de álcool e drogas: uma orientação clínica do diagnóstico ao tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
  11. SHIFFMAN, S.; READ, L.; MALTESE, J.; RAPKIN, D.; JARVIK, M. Prevenção de recaída em ex-fumantes: uma abordagem de automanejo. In: MARLATT, G.A; GORDON, J.R. (eds.). Prevenção de recaída: estratégias de manutenção no tratamento de comportamentos adictivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. p. 418-63.
  12. VIEGAS, C.A A Tabagismo: diagnóstico e tratamento da dependência ao tabaco. Conselho Federal de Medicina, v.134, p. 13-4, 2002.

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