Volume 7 - 2002
Editor: Giovanni Torello

 

Maio de 2002 - Vol.7 - Nº 5

Psiquiatria, outros olhares

A psicologia do idoso

Dr. Antonio Mourão Cavalcante
Professor Titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Ceará, autor do livro "Casal, como viver um bom desentendimento"(Ed. Record / Rosa dos Tempos – Rio de Janeiro)

Do que tiveres do pomar plantado
Apanha os frutos e recolhe as flores;
Mas lavra ainda a planta o teu eirado,
ue outros virão colher quando te fores.
Envelhecer (Bastos Tigre)

Quando falamos em Psicologia, queremos nos referir basicamente à compreensão do comportamento. Poderíamos traçar, com o auxílio desta ciência, um certo perfil comum aos idosos? O que possuem estas pessoas de semelhante?

Por que se diz que uma pessoa está na 3a. idade? Não se cruza qualquer umbral definitivo para entrar na velhice. A Organização Mundial da Saúde estabelece o limite cronológico de 65 anos para o início da velhice nos países desenvolvidos, e 60 anos nos países em desenvolvimento. (1)

Como, psicologicamente, estaria assentada a idéia de velhice?

IDENTIDADE E CORPO

Uma questão importante a discutir, logo que falamos em velhice, é a da identidade. E, não é raro que esta seja construída a partir do corpo. Isto é, sou o que é o meu corpo. Não apenas aquele corpo que existe – dimensão real – mas, sobretudo, o corpo imaginário, aquele que, a partir da relação com o corpo real, eu alimento em mim. A identidade nasce do corpo simbólico que encontra suporte no corpo real.

Na medida em que este corpo real começa a sofrer modificações substantivas, pode acontecer um progressivo comprometimento da identidade, com risco de conflitos e dificuldades. Estas serão tanto mais importantes quanto mais a pessoa tenha desenvolvido sua personalidade em cima da imagem do seu corpo real.

Costuma-se chamar de narcisista aquele que cultua, em demasia, a própria expressão do corpo. Tendo centrado a identidade unicamente em torno do culto ao corpo, esta pessoa sentirá enormes dificuldades em confrontar-se com uma nova contingência. A mudança do corpo – por um que envelhece – será motivo de vexames e dificuldades.

Pode-se compreender o esforço que alguns fazem para "esconder" e/ou suportar as circunstâncias de um corpo envelhecido. Tentam adiar de todas as formas esta confrontação, que experimentada, será motivo de grande sofrimento.

Para outros idosos não é tarefa impossível assumir um corpo envelhecido ou envelhecendo. Não se esforçam para esconder a idade da vida no corpo.

São corpos envelhecidos, extremamente belos, que nos enternecem, transmitindo serenidade e paz. São expressão de uma velhice assumida. Por outro lado, é triste ver um corpo repuxado, na desesperada tentativa de jamais envelhecer. Quase mutilado, tentando expressar uma falsa beleza, revelando muito mais uma situação de conflito intenso vivido pela pessoa, querendo ainda ser jovem, quando o físico diz que não pode mais.

É provável que esta pessoa, assim descrita, não consiga assumir um corpo mais maduro, expressão mais exata do que já viveu, porque a sua biografia pessoal não tem tanta história para respaldar. É mais fácil alterar a aparência do que se assumir responsável por uma biografia tão pobre. Pensando-se jovem, não terá que se angustiar com o nada feito na vida.

A relação com o corpo não é apenas uma questão de estética mas uma expressão reveladora da relação do indivíduo consigo mesmo.

A QUESTÃO ECONÔMICA

A dimensão econômica tem uma importância significativa na estabilidade psíquica do idoso. Ter uma renda própria pode ser a garantia de uma melhor qualidade de vida na velhice. Estamos numa sociedade de inspiração capitalista, onde as pessoas são consideradas pelo que possuem. Nesta circunstância é fácil compreender a relevância de perceber uma aposentadoria. Começa com a sua conquista, um grande sonho. Dela deriva, em grande parte, o conceito de liberdade e expressão. Não vai depender de ninguém. E isto é muito importante para o idoso. Poderá manter e alimentar a independência e a autonomia.

Não estar aposentado, não ter uma renda própria na velhice é ressentido pela sociedade, e pelo próprio idoso, como uma condenação antecipada de não ter feito nada. Uma vida fracassada para aquele que não conseguiu assegurar uma aposentadoria digna. Não aposentado, o idoso porta uma triste sina, além de não ter dinheiro, é visto pelos demais – inclusive a família! – como um incapaz, um derrotado. Um paria.

A SOCIABILIDADE

O ser humano é gregário. Tem inata a tendência de se relacionar e viver em grupo, com o qual troca suas experiências, sedimenta suas vivências e emoções. Neste caso, o idoso normal não busca a solidão, não quer se isolar, como falsamente tenta-se compreender. A solidão não é uma opção. Ele é empurrado por algum motivo. Primeiro, as limitações físicas. A locomoção, a vista e a audição restringem as possibilidades de andar, de ouvir e ver. Não há a mesma disposição de antes. É mais complicado sair e visitar os familiares e amigos.

Segundo, o círculo de amizade vai restringindo-se. As perdas são substanciais. Foi não foi, morre mais um... As amizades vão gradativamente deixando o mundo dos vivos. Esta situação será mais agravada, se o idoso não tiver a capacidade de estabelecer novos relacionamentos, seja pela restrição espacial – pouco sai, pouco anda, pouco conversa – seja pela dificuldade de atualizar-se com o outro mundo, o de agora. O envelhecimento representaria uma constante e inexorável marcha para a solidão.

A primeira grande redução do campo social, sobretudo para o homem, é a própria aposentadoria. É jogado fora do local de trabalho, onde tinha um amplo círculo de amigos e companhias. Se, de um lado, a aposentadoria tem a dimensão do "enfim livre" de obrigações e responsabilidades profissionais; por outro lado representa um importante retraimento dos laços sociais.

A profissão era um elemento constitutivo da própria identidade. Ele era o doutor fulano de tal, o responsável por tal coisa, o profissional que.... Hoje, com a aposentadoria, ele perdeu uma parte significativa desta identidade. Fica na categoria do EX. Mais frágil e socialmente mais vulnerável..

O que reforça o pensamento: "O que mais ameaça a pessoa idosa, quando as forças declinam é de perder todo desejo, de não pode mais conceber e realizar projetos, de não ter uma vida social." (2)

No passado havia a substituição desta função social por outras tarefas reconhecidamente válidas como a de sábio, depositário das tradições e das riquezas culturais. Agora, não mais. "Hoje, as tarefas atribuídas à velhice são nitidamente percebidas como pouco úteis, sem status preciso, por vezes simplesmente toleradas por boa vontade ou por princípio moral, isto em razão da aceleração do ritmo de vida, da competitividade e da tecnicidade crescentes."(3)

A SEXUALIDADE

"A sexualidade é uma forma de expressão pessoal que não tem um momento para começar nem para terminar. A sexualidade não começa na puberdade e não termina na andropausa / menopausa."(1)

Outra esfera importante de investimento da afetividade é a sexualidade. Freud dizia que esta é a fonte de impulso mais forte. Chamou-a de libido.

É crença generalizada que a pessoa idosa tem uma libido diminuída ou mesmo nula. Em muitas culturas o velho é terminantemente proibido de manifestar qualquer sentimento sexual. Aqueles que se arvoram em falar disto são chamados de atrevidos e mesmo de imorais.

A libido não diminui com a idade. A vontade existe e a pessoa não pode negar estes desejos. O que está parada é a procriação, no caso da mulher que teve a ovulação definitivamente suspensa – a menopausa.

O idoso terá, portanto, que conviver com uma dificuldade suplementar: tudo em estando disposto e necessitando de uma sexualidade plena, não poderá fazê-lo sem censura e culpabilidade.Terá que esconder dos seus e de si próprio este impulso tão caloroso. Esta situação gera conflitos que assumem desdobramentos vários, atingindo, com certeza a esfera emocional.

O TRANSCENDENTE

De uma feita que a velhice é considerada como a última etapa da vida, torna-se mais freqüente o pensar sobre a morte e sobretudo sobre o que vem depois da morte. Esta questão mereceria uma reflexão à parte. Não podemos esgotá-la nos limites deste trabalho.

Se a morte parecia uma questão longínqua, pouco pensada, não apenas as limitações pessoais progressivas, como as mortes circundantes tornando-se mais freqüentes: dos pais, dos parentes e amigos. Forçosamente pensa-se no assunto.

O retorno a uma prática religiosa passa a ser mais evidente e ressentida como indispensável. Não é sem razão que muitos consideram a velhice como etapa em que se prenuncia o grande julgamento. A hora de fazer o balanço da vida. Isso angustia muito mais a existência. Na cultura cristã há a convicção de que, uma vez morto, será submetido ao grande julgamento. A proximidade deste momento não faz que aguçar a situação.

CONCLUSÃO

Costuma-se dizer que o idoso terá sua velhice como conseqüência do que foi sua vida até ali. A personalidade é uma construção. Ninguém é o que é por acaso. É fruto da maneira como viveu cada uma das etapas da vida, dos objetos e desejos que cultivou durante a vida.

A velhice deve ser compreendida não como uma involução, retrocesso, mas como uma evolução. Alguma coisa que se inscreve no processo de avançar.

Mira y Lopez, em A Arte de Envelhecer (4) assinala quatro maneiras igualmente ineficazes de viver a maturidade:

  1. Agarrar-se ao passado – Passa a viver de recordações. Aliena-se do presente. Suas referências estão todas no passado. Nada presta, senão as coisas de antigamente. Tudo de hoje não presta, é ruim, não tem sentido, está perdido;
  2. Negar a velhice – Tenta encontrar desesperadamente a fonte da eterna juventude. Busca de todas as formas parecer jovem. Observa-se que atualmente há um culto exagerado à juventude e um desprezo ao idoso. Além de o jovem ser cultuado, o velho é rejeitado;
  3. Isolamento – Vira-se para dentro de si mesmo. Submerge em tristeza e desolação. Já que não desperta paixão, busca ao menos compaixão;
  4. Adotar uma atitude místico-religiosa – A religião é abraçada como forma de renúncia, resignação conformista e alienação. Fechada num sistema de crença maniqueísta, a pessoa se sente passiva e descompromissada com a vida. Deus resolve tudo!

Roger Gentis (5) acrescentaria a esta lista outros elementos, centrando sobretudo na angústia desencadeada pelo comprometimento da imagem de si mesmo "o egoísmo, a voracidade oral (comer em demasia), o charme exibicionista de algumas idosas, a hipocondria de outros que passam o tempo a procurar dor ou doença para correr ao médico. E, mais ao fim da lista, a regressão profunda do demente senil que se refugia em comportamento infantilizado – "voltou a ser menino", como diz o homem da rua...."

É indispensável desenvolver com os idosos todo um projeto de Ecologia de Vida, fazendo-os descobrir que, longe de ser o fim, a velhice deve ser encarada como mais uma etapa da vida, que pode e deve ser vivida plenamente.

A confiança e a segurança são fatores decisivos no equilíbrio psíquico do idoso. Que ele possa sentir-se parte integrante de um grupo social sólido e solidário, percebendo-se útil e amado. Uma segurança consolidada num apoio econômico significativo e na liberdade de viver intensamente a aventura de ser maduro.

BIBLIOGRAFIA

  1. CANÇADO, F. A. Xavier – Noções Práticas de Geriatria – Belo Horizonte, Coopmed:Healt CR Ltda., 1994;
  2. FORCET, J.Y., BAZELLE, M-L. – Sortir la personne âgée de son isolement – Paris, Ed. Frison-Roche, 1999;
  3. GUILLAUMIN, J. – Le temps et l’âge in Temps et la vie, obra coletiva organizada por J. Guillaumin e Hélène Reboul, Lyon, Ed. Chronique Sociale, 1982;
  4. MIRA Y LOPEZ, Emilio – A arte de envelhecer – Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1966;
  5. GENTIS, Roger – Vieillards et séniles – Paris, Ed. Du Scarabée, 1970.

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