Volume 7 - 2002
Editor: Giovanni Torello

 

Maio de 2002 - Vol.7 - Nº 5

Artigo do mês

Coletânea da Lista Brasileira de Psiquiatria sobre Diagnóstico e Tratamento

Valyter Daudt

Oi, Pessoal !

Há alguns dias, nesse assunto de aspectos legais, eu não soube responder e prometi que ia ler mais sobre o tema. Eis um pouco do que li.

OBS.: Sou médico psiquiatra, sempre um pouco interessado no assunto, e há um ano necessitei estudar mais o assunto em função de precisar estudar mais o assunto, para uma denúncia que fiz ao CRM aqui do Rio Grande do Sul, quando um paciente meu passou a ser maltratado por uma psicóloga e uma psiquiatra, com a anuência do médico diretor do serviço. Minhas observações são passíveis de correção por quaisquer colegas, mais ainda por colegas que trabalhem na área pericial, forense etc

Resumo:

O assunto foi despertado, penso, pela Maria do Carmo, comentando que um ator da novela Clone tinha sido esfaqueado ( na vida real) e que, na vida real, ele é também psicólogo. Maria do Carmo perguntava: Pode ?

Eu escrevi que diagnóstico e terapia (ou tratamento) são áreas privativas dos médicos, médico-veterinários e odontólogos. Citei o DECRETO Nº 53.464, DE 21 DE JANEIRO DE 1964 - encontrável no site http://wwwt.senado.gov.br/legbras/ que diz sobre as funções dos psicólogos. De passagem, citei também algo a respeito do exercício da psicanálise, que eu lera no PARECER 02/98 , do Conselho Federal de Medicina, encontrável no site http://www.cfm.org.br/.

O Cesar Skaf escreveu que " ... Minha posição nisso, a Lista já conhece, é paranóica, querelante e reivindicatória. Eu denunciaria tudo aos órgãos de fiscalização e controle quando 1 cm dessas atribuições fossem excedidas ou negligenciadas ..."

Mas o Guilherme lembrou o assunto de que os psicólogos podem fazer psicoterapia, no tocante ao item "d" do Art.4º da Lei citada "solução de problemas de ajustamento". Disse mais:

Sou psiquiatra-forense e me interesso pelo tema. Mesmo porque muitos psicólogos estão se especializando na área forense, e deveremos ter bem claros os limites da ação de cada especialidade. De minha parte, sou muito favorável ao trabalho de equipe, desde que cada um se mantenha dentro de sua especialidade. Como é bom quando podemos dispor de testes psicológicos em nossas perícias médico-legais! Como são admiráveis alguns trabalhos de psicólogos nos Juizados da infância e adolescência! E os estudos sobre personalidade de delinqüentes (só para citar alguns exemplos)!

Há mercado para psiquiatras e psicólogos, e as psicoterapias podem ser realizadas por ambos, desde que habilitados tecnicamente.

Eu, então, referi também o artigo 13 da Lei 4119 de 27/98/1962, que diz:

Art 13. - Ao portador do diploma de Psicólogo é conferido o direito de ensinar Psicologia nos vários cursos de que trata esta lei, observadas as exigências legais específicas, e a exercer a profissão de Psicólogo. 

§ 1º Constitui função (VETADO) "privativo" do Psicólogo e utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:

  1. diagnóstico psicológico;
  2. orientação e seleção profissional;
  3. orientação psicopedagógica;
  4. solução de problemas de ajustamento.

§ 2º É da competência do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências.

E copiei o art. 1o da RESOLUÇÃO CFM nº 1.627/2001, que diz, no seu

§ 1º - As atividades de prevenção secundária, bem como as atividades de prevenção primária e terciária que envolvam procedimentos diagnósticos de enfermidades ou impliquem em indicação terapêutica (prevenção secundária), são atos privativos do profissional médico.

A Hilda Morana lembrou que

"o psiquiatra, segundo consulta que fiz ao CRM tempos atrás, é autorizado a realizar qualquer procedimento que julgar pertinente para o benefício do paciente, desde que não lhe cause danos."

A Raquel elogiou a lucidez do Guilherme.

O Cesar voltou ao assunto das psicoterapias, que são uma forma de tratamento e que eu havia excluído, na minha observação inicial sobre o tema.

A Rejane Pimentel, de Belém do Pará, lembrou que não adianta querermos nos apropriar de palavras. Lembrou também que

" ... Hoje em dia, um pesquisador faz diagnóstico de seu problema a investigar,um administrador faz um diagnóstico situacional de uma empresa, um terapeuta ocupacional utiliza a atividade como terapia, como tratamento, o fisioterapeuta, o exercício como terapia, o enfermeiro, o dentista, o veterinário, o biólogo ... enfim ...

Se tivermos certeza daquilo que fazemos não nos preocuparemos com o que o colega faz ou deixa de fazer, se ele está ou não "invadindo" (creio que um dia, em saúde, deixaremos de utilizar esta palavra) a nossa área de atuação. Se tivermos realmente esta certeza, ao invés de brigarmos, uniremos forças para encontrar os melhores caminhos de ajudar aquele chega até nós pedindo auxílio. "

O Walmor lembrou as diversas interfaces entre as áreas do atendimento à saúde.

Hoje, segunda-feira, tivemos dois e-mails, o da Ana Botto elogiando, de novo a postura do Guilherme e o do Marcelo Chagas, da ENSP/FIOCRUZ .

Penso que o Marcelo, nos fornece uma ótima síntese do nosso tema. O Marcelo disse:

" ... o que se procura defender é a saúde da população ao dar como privativo dos médicos o diagnóstico de qualquer doença e a indicação de qualquer tratamento porque é o único profissional com uma formação abrangente para a avaliação completa (holística?) do seu estado de saúde. Por exemplo, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas têm licença e formação superior apenas para realizar os tratamentos assim indicados, biólogos nem isso.

Á síntese do Marcelo, cabe acrescentar que, como consta nos fundamentos da Resolução 1627/2001, escritos pelo nosso colega Secretário do CFM, Luiz Salvador, a prática da psicoterapia é uma atividade legitima dos psicólogos.

Alguns comentários adicionais:

A Rejane lembrou que pode ser inútil apegarmo-nos  a palavras e penso que ela tem razão. Há algumas semanas, aqui na lista alguns de nós comentamos que gostamos muito e achamos vantajoso ao paciente quando ele participa de atividades religiosas , sessões espíritas , de umbanda e semelhantes, desde que, nessas atividades não sejam hostilizadas as prescrições terapêuticas. Essas pessoas, nas atividades religiosas, não tem curso na Faculdade, nem dizem que fazem tratamento e podem ajudar muito muitos pacientes.

E várias vezes aqui na lista tem sido comentado como muitos médicos – com toda a Faculdade de Medicina que cursaram e a sua plena habilitação legal etc -- em muitas ocasiões são relapsos, descuidados, incompetentes, imperitos, preguiçosos ao atenderem os pacientes. Há vários meses, a Vera Helena Ashcar, Psiquiatra de São Paulo comentou uma prescrição absurda e maléfica de um endocrinologista. Recentemente a Maria Fernanda D’Antona – Mafer – referiu a ausência ou o pequeno horário de atendimento de médicos e outros profissionais no seu local de trabalho.

Ou seja, mais importante do que a Faculdade que a pessoa tenha cursado é o seu interesse e a sua atitude em relação aos pacientes e ao trabalho dos colegas. A grande luta, na humanidade, não é entre as pessoas de uma ou outra profissão, mas entre os que querem ganhar o seu sustento trabalhando de uma maneira honesta e útil para a sociedade e os que querem ganhar benefícios trabalhando o menos possível e aproveitando-se do trabalho dos outros.

Penso que aí está a utilidade dos textos legais. Se alguém que não fez a preparação técnica e científica adequada, por exemplo em um Curso Superior, é está atendendo pacientes de maneira prejudicial, é mais fácil impedi-lo de continuar nisso se houver uma lei que diz que quem não tem esse preparo não pode atender os pacientes; seria bem mais difícil se não houvesse essa lei e os órgãos sociais fiscalizadores (se eles um dia passarem de fato a fiscalizar) tivessem que examinar caso a caso essas pessoas.

Claro, é bem mais difícil documentar o mau atendimento quando ele é praticado por um profissional legalmente habilitado, porque terminou a Faculdade.


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