Volume 6 - 2001
Editor: Giovanni Torello

 

Setembro de 2001 - Vol.6 - Nº 9

No Paiz dos Yankees

As perspectivas de Paul McHugh

Dr. Erick Messias

Coincidências trazem suspeitas aos místicos e crentes. Pois comigo aconteceu de comprar o livro Perspectives of Psychiatry, para uma disciplina ‘the nature of mental illness’ na Escola de Saúde Pública da Hopkins, e encontrar em minha caixa do correio duas publicações onde se anuncia na primeira página o riso contido de Paul McHugh. A primeira dessas publicações é o jornal The Maryland Psychiatrist, editado pela associação psiquiátrica de Maryland, onde a machete é "O Fim de uma Era na Hopkins". O outro jornal é o Psychiatric Research Report , publicação da divisão de pesquisa da Associação Americana de Psiquiatria, onde a chamada de primeira página é The DSM: Gaps & Essences. O livro que mencionei primeiro, além de ser o texto-chave de várias disciplinas da saúde pública, é o manual do residente de psiquiatria da Johns Hopkins. Seu autor, Paul McHugh, tem sido o chefe do departamento de psiquiatria da Johns Hopkins desde 1975, de onde comanda uma liderança na psiquiatria americana e tem influenciado a visão popular acerca da psiquiatria nos EUA. No começo desse ano McHugh anunciou sua aposentadoria como chefe do departamento, donde as referências ao ‘fim de uma era’.

Tanto no livro quanto no artigo McHugh delineia sua proposta para a psiquiatria, que ele chama de as Quatro Perspectivas. Em sua palestra no congresso da APA, reproduzida no artigo, ele apresenta um esquema dessas perspectivas da seguinte forma:

As perspectivas e suas lógicas e sua essência

Perspectiva da doença lógica das categorias o que o paciente tem

Perspectiva da dimensão lógica das gradações o que o paciente é

Perspectiva do comportamento lógica da teleologia o que o paciente faz

Perspectiva da história de vida lógica das narrativas o que paciente encontra(vive)

Essas diferentes perspectivas não devem ser vistas como mutuamente excludentes, mas sim complementares na concepção do paciente e suas circunstâncias. No entanto cada perspectivas se adequa melhor a diferentes apresentações patológicas.

Perspectiva da doença

Essa perspectiva pode ser utilizada tanto em apresentações clínicas com fisiopatologia conhecida, como algumas demências, as afasias, quanto em quadros com fisiopatologia desconhecida, como transtorno bipolar e esquizofrenia. Esses transtornos afetam as funções cerebrais básicas, cognição em demência, consciência em delirium linguagem nas afasias, e controle afetivo nos transtornos do humor. Nesses exemplos há ‘algo quebrado’ no sistema nervoso, assim o modelo fisiopatológico se aplica a cada uma delas. Assim essa perspectiva pode ser resumida no seguinte esquema:

Patofisiologia Patogenese

Síndrome Clínica Entidade patológica Etiologia.

 

Perspectiva da dimensão

Alguns transtornos psiquiátricos se enquadram melhor no conceito de dimensões. Inteligência, por exemplo, se apresenta em uma dimensão onde todos temos uma posição nesse espectro, ou dimensão. Assim Hans Eysenck identificou dimenções afetivas, como introversão e extroversão, que se apresentam numa dimensão em todos nós. O conceito-chave nessa perspectiva é que esses transtornos podem ser entendidos como o resultado de uma combinacão entre o ‘potencial’ afetivo, ou emocional, de cada um com as demandas do ambiente. Assim podemos resumir essa perspectiva como o seguinte esquema:

Potencial Provocação Resposta

(personalidade) (circunstâncias de vida) (sintomas neuróticos)

 

Perspectiva do comportamento

Uma primeira consideração para entendermos essa perspectiva é diferenciar atividade de comportamento. Atividade é o objeto de estudo da neurologia, enquanto atividades com objetivo, ou comportamento, se enquadram no campo da psiquiatria. Assim alguns transtornos são identificados nos comportamentos do paciente. Essas condições representam problemas na escolha e controle de comportamentos, particularmente, aqueles criados a partir de instintos como o sexual e o de comer, beber e dormir. Assim transtornos como bulimia ou conversão se enquadram nessa perspectiva, que pode se resumida na tríade:

Instinto Escolha Aprendizado

 

Perspectiva da história de vida

Nessa perspectiva tentamos entender os transtornos a partir da sequencia de encontros, e circuntâncias, que o paciente encontrou durante sua existência e a partir daí entender o sentido do sintoma, ou da apresentação. Essa perspectiva pode ser utilizada com sucesso em certas síndromes ansiodas que surgem como resultado de relacionamentos, situações familiares, religiosas ou de trabalho. As idéias de Aaron Beck e Jerome Frank, o primeiro com seus pensamentos disfuncionais e o segundo com com o conceito de demoralização, sustentam essa perspectiva. Assim a perspectiva de história de vida pode ser esquematizada da seguinte forma:

Situação original Sequência de eventos Resultados

 

Tom Wolfe e seu A Man in Full.

Esse é um esquema introdutório para as idéias de Paul McHugh, que tem sido influente na psiquiatria norte-americana nos últimos anos. Sua aposentadoria da Johns Hopkins irá abrir novos horizontes para o psiquiatria, mas a marca de McHugh deve ficar, com possíveis repercussões no DSM V. Enquanto isso podemos utilizar essas diferentes perspectivas no entendimento de nossos pacientes. Termino essa coluna com as palavras de Tom Wolfe que dedicou seu livro A Man in Full a McHugh dizendo o seguinte:

Com admiração imensa

O autor dedica

‘A Man in Full’ a

PAUL McHUGH

Cujo brilhantismo, camaradagem

E bondade infalível salvaram o dia.

Esse livro não existiria

Se não fosse por você, querido amigo.


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