Volume 6 - 2001
Editor: Giovanni Torello

 

Junho de 2001 - Vol.6 - Nº 6

O artigo do mês

LÍTIO E ANTICORPOS ANTITIREÓIDE

LITHIUM AND ANTI-THYROID ANTIBODIES

Guilherme Rubino de Azevedo Focchi
Médico psiquiatra pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Pós-graduando do Departamento de Psiquiatria da FMUSP.

Endereço para correspondência: Instituto de Psiquiatria FMUSP – R. Dr. Ovídio Pires de Campos s/n – CEP: 05403-010 – São Paulo – SP – Tel: 3069-6960 – e-mail: [email protected]

 

        RESUMO

O autor faz uma revisão dos estudos sobre anticorpos antitireóide em pacientes sob litioterapia.

Unitermos: Lítio. Tratamento. Tireóide. Anticorpos.

ABSTRACT

The author reviews studies about anti-thyroid antibodies in patients using lithium.

Key-words: Lithium. Treatment. Thyroid. Antibodies.

      O Lítio, introduzido terapeuticamente ao final da década de 1940, continua sendo a droga de primeira escolha na prevenção do transtorno bipolar do humor. Outras indicações para o uso de Lítio são mania e hipomania, depressão bipolar, depressão recorrente, depressão resistente (como potencialização do tratamento antidepressivo), transtorno esquizoafetivo, transtorno de personalidade e agressividade (MORENO & MORENO, 1995).

O Lítio tem índice terapêutico estreito, de 0.5 a 1.5 mEq/L, sendo que a sensibilidade e tolerância aos seus efeitos colaterais variam muito entre os pacientes, o mesmo ocorrendo com a dose necessária para atingir o nível plasmático adequado; daí, a necessidade de monitorização da resposta clínica, da tolerância e dos níveis séricos (MORENO & MORENO, 1995).

São efeitos colaterais que podem ocorrer com o uso do Lítio: tremor fino nas mãos, sonolência, tonturas leves, fraqueza muscular, náuseas, gosto metálico na boca, dores de estômago leves, fezes amolecidas, poliúria, polidipsia, redução da capacidade de concentração urinária, ganho de peso, redução da libido e da atividade sexual, piora de acne e psoríase, "rash" cutâneo, achatamento e inversão da onda T no ECG e leucocitose (MORENO & MORENO, 1995).

A tireóide pode ser afetada dentro de alguns meses ou anos de tratamento com Lítio (BO CHETTA et al, 1991; MORENO & MORENO, 1995). Hipotireoidismo pode ocorrer em 5 a 35% dos pacientes, sendo que 5% destes desenvolvem bócio, sobretudo mulheres, e com apresentação subclínica (BOCHETTA et al, 1991; LAZARUS et al, 1981; MORENO & MORENO, 1995; JOHNSTON & EAGLES, 1999). Pode haver aumento do TSH e alteração nos níveis T3 e T4. Há também evidências de que o Lítio possa provocar tireoidite auto-imune ou agravar doença pré-existente, o que sugere a monitorização de anticorpos anti-tireóide (MORENO & MORENO, 1995). A influência do Lítio na formação dos anticorpos anti-tireóide será discutida a seguir.

A Literatura investigando a formação de anticorpos anti-tireóide na vigência de litioterapia é controversa (RAPAPORT et al, 1994). A conhecida associação entre Lítio e hipotireoidismo, aliada ao fato de que a autoimunidade é a principal causa de hipotireoidismo, poderia levar a crer que o Lítio poderia provocar autoimunidade na tireóide, o que é contestável (CALABRESE et al, 1995). Ademais, outras terapias farmacológicas, também usadas na prevenção do transtorno bipolar do humor, por vezes associadas ao Lítio, podem alterar a função tireoidiana – é o caso da Carbamazepina (HEIN & JACKSON, 1990).

DENIKER et al (1978), estudando níveis de anticorpos anti-tireóide em 58 pacientes usando Lítio, em relação a 40 pacientes em uso de outras medicações (grupo-controle), encontraram aumento de anticorpos anti-tireóide em 19% dos pacientes em litioterapia e em apenas 7,5% do grupo controle. ALBRECHT & HOPF (1982), em estudo com 58 pacientes usando Lítio, em comparação a grupo de 55 pacientes esquizofrênicos usando neurolépticos, tiveram como resultado diferença ainda mais significativa: houve aumento de anticorpos em 33% dos pacientes em litioterapia e em 9% dos pacientes usando neurolépticos. BOCCHETA et al (1992), seguindo 116 pacientes em litioterapia por 2 anos, tiveram como resultado aumento dos anticorpos anti-tireóide em 2/3 dos casos. Em contraste com esses dados, RAPAPORT et al (1994), não encontraram acréscimo dos anticorpos com o uso do Carbonato de Lítio, após 1 e 4 semanas, em 27 controles normais.

BONNYNS et al (1980), encontraram, em 5 pacientes tratados com Lítio, 3 com altos níveis de anticorpos anti-tireóide. Cabe salientar que um dos pacientes que não apresentou essa alteração, tinha agenesia de um lobo da tireóide e que o outro paciente fora tireoidectomizado. LEROY et al (1988), em estudo com 60 pacientes, 40 dos quais com transtorno bipolar do humor, tiveram como resultado inicial níveis de anticorpos em 20% dos pacientes, havendo acréscimo de apenas 1,7% (equivalente a mais um paciente) após 6 meses de litioterapia. MYERS et al (1985), em estudo com 133 pacientes, mostraram queda dos anticorpos anti-tireóide em 5 pacientes após uso do Lítio.

Há duas explicações para o aumento dos anticorpos, observado com o uso do Lítio. Este poderia de fato provocar autoimunidade, e a conduta tomada seria o uso de medicação antitireóide e alternativamente, terapia com Iodo (BARCLAY et al, 1994; DENIKER et al, 1978); a outra explicação é que o Lítio retiraria anticorpos de seus sítios de ligação na tireóide, tornando-os detectáveis (MYERS et al, 1985). Nos estudos em que não houve aumento dos anticorpos, argumenta-se que estes poderiam preexistir à litioterapia, a ponto de se afirmar que a prevalência de anticorpos anti-tireóide na população geral oscila em torno de 10%. É também discutível a presença de anticorpos anti-tireóide como fator de risco para hipotireoidismo (BOCHETTA et al, 1992; DENIKER et al, 1978; LAZARUS et al, 1981; LAZARUS et al, 1986; LAZARUS, 1998; MYERS et al, 1985; RAPAPORT et al, 1994; STRAKOSCH et al, 1982).

Concluindo, apesar das evidências é necessário estudo mais aprofundado sobre a relação entre Lítio e anticorpos anti-tireóide em que pese, no mínimo, maior conhecimento sobre efeitos colaterais da litioterapia.

REFERÊNCIAS

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  2. BARCLAY, M.L.; BROWNLIE, B.E.; TURNER, J.G.; WELLS, J.E. (1994) – Lithium associated thyrotoxicosis: a report of 14 cases, with statistical analysis of incidence. Clin. Endocrinol. (Oxf) 40: 759-64.
  3. BOCHETTA A.; BERNARDI, F.; PEDDITZI, M.; LOUISELLI, A.; VELLUZZI, F.; MARTINO, E.; DEL ZOMPO, M. (1991) – Thyroid abnormalities during lithium treatment. Acta Psychiatr. Scand. 83: 193-8.
  4. BOCHETTA A.; BERNARDI, F.; BURRAI C.; PEDDITZI, M.; LOUISELLI, A.; VELLUZZI, F.; MARTINO, E.; DEL ZOMPO, M. (1992) – The course of thyroid abnormalities during lithium treatment: a two-year follow-up study. Acta Psychiatr. Scand. 86: 38-41.
  5. BONNYNS M.; GLINOER, D; ERMANS, A. (1980) – Hypothyröidie aou cours d’un traitement au lithium. Ann. Endocrinol. (Paris). 41: 222-4.
  6. CALABRESE, J.R.; GULLEDGE, A.D.; HAHN, K. et al. (1995) – Autoimmune tiroiditis in manic-depressive patients treated with lithium. Am. J. Psychiatry. 142: 1318-21.
  7. DENIKER, P.; EYQUEM, A.; BERNHEIM, R. et al. (1978) – Thyroid autoantibody levels during lithium therapy. Neuropsychobiology. 4: 270-5.
  8. HEIN, M.D.; JACKSON, I.M. (1990) – Review: thyroid function in psychiatric illness. Gen. Hosp. Psychiatry. 12: 232-44.
  9. JOHNSTON, A.M.; EAGLES, J.M. (1999) – Lithium associated clinical hypothyroidism. Prevalence and risk factors. Br. J. Psychiatry. 175: 336-9.
  10. LAZARUS, J.H.; JOHN, R.; BENNIE, E.H.; CHALMERS, R.J.; CROCKETT, G. (1981) – Lithium therapy and thyroid function: a long-term study. Psychological Medicine. 11: 85-92.
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