Volume 5 - 2000
Editor: Giovanni Torello

 

Outubro de 2000 - Vol.5 - Nº 9

História da Psiquiatria

Voando sobre a História da Psiquiatria III

Walmor J. Piccinini

Voltando aos anos 50, anos de reconstrução do pós-guerra, encontramos a psiquiatria num momento de grande renovação. Na França houve a disputa pela cátedra onde Jean Delay venceu Henri Baruk, chefe médico de Charenton, considerado um psiquiatra de manicômio enquanto Delay, o preferido da Faculdade era psiquiatra de hospital. Jean Delay assumiu a cátedra e com ela a direção do Hospital Sainte-Anne. Faziam parte da equipe os Professores Pierre Pichot, Pierre Deniker e Jean Thuillier. Delay imprimiu uma linha de trabalho dirigida a psiquiatria biológica e a terapêutica. Isso não impediu que Jacques Lacan desse seus Seminários no mesmo Serviço. Além de Lacan, o Prof. Raimu-Henri-Ey também dava conferências e supervisionava casos no Sainte-Anne. Lacan e Henry Ey eram amigos o que não impedia que tivessem calorosos debates pois divergiam nas concepções sobre loucura e tratamento. O debate era eletrizante.

A crítica que era feita aos psiquiatras da época, é que se interessavam pelo fenômeno patológico, descreviam brilhantemente os quadros clínicos, formulavam hipóteses diagnósticas interessantes, mas pouco efetivos na hora do tratamento.

O chefe da clínica de homens de Sainte-Anne era o Dr. Pierre Deniker, seus interesses estavam mais voltados para a clínica, não era homem de laboratório, não era um pesquisador clássico. O acaso entra em cena através de um seu cunhado cirurgião. Podemos imaginá-los numa reunião de família, num bate papo descontraído e uma observação casual sobre experiências de sedação em que um médico da marinha, Henri Laborit, junto com um anestesista chamado Huguenard faziam com o 4560 R.P. Comentou que os pacientes ficavam tranqüilos e passivos. Eles hibernavam.Sob efeito da hibernação podia-se realizar cirurgias com o paciente semi-acordado. Logo surge a pergunta, porque não tentar com os doentes mentais agitados?

Deniker não conhecia Laborit nem Huguenard que desenvolviam os chamados "coquetéis líticos" utilizados como medicamentos pré-operatórios. A associação mais comum era de Prometazina (Fenergan), a dietilazina (Diparcol) e o Demerol . O sucesso da associação da morfina sintética com as fenotiazinas estimulou Laborit a procurar novas e mais eficientes fenotiazinas. Encontrou uma sob o número 4.560 R.P. ( de Rhône-Poulenc) sintetizada pelo químico Charpentier em 11 de dezembro de 1950. A primeira farmacologia foi feita por Simone Courvoisier. O coquetel com a clorpromazina em pequenas doses se mostrou particularmente eficaz e foi este coquetel de drogas que chamou a atenção do cunhado de Deniker.

A primeira referência do uso de clorpromazina na literatura médica surgiu num trabalho de Laborit e Huguenard em 13 de fevereiro de 1952 "Um novo estabilizador neurovegetativo, o 4560 R.P." Não era uma indicação para tratamento das psicoses. Esse uso se deve a Deniker que, após conseguir amostras do 4.560 R.P. (Largactil) decidiu experimentá-lo em pacientes psicóticos. Preocupado com a possibilidade de acrescentar mais uma moléstia nos seus pacientes ele evitou o uso do coquetel que tinha derivado da morfina, resolveu empregar o novo produto isoladamente e em doses mais altas. Naquela época não haviam as salvaguardas que hoje existem para se testar uma nova droga em humanos, não foi feita experiência prévia em animais, deve-se destacar a preocupação quanto ao Demerol. No início foi testado o Largactil com gelo, isto é o paciente era envolto com gelo dentro da idéia de apressar a hibernação. Os transtornos com o uso do gelo eram muitos e logo foi abandonado por sugestão da enfermagem.

A enfermaria passou a ficar surpreendentemente silenciosa, sem tumultos. Logo era foco de comentários e atenções. Os bons resultados iniciais entusiasmaram Delay que passou a encaminhar para a enfermaria de Deniker todos os psicóticos agitados. No período de maio a junho de 1952 Delay e Deniker apresentaram vários informes científicos que despertaram a atenção do valor do Largactil (clorpromazina) nos estados de agitação maníaca e nas psicoses agudas. Seu uso logo se espalhou pelos países europeus e os franceses conheceram a glória de lançarem uma Terceira Revolução Psiquiátrica.

Observando a evolução da disseminação do uso da clorpromazina no meio psiquiátrico notamos nas publicações da época, uma certa resistência inicial, principalmente pelo lado americano. Os centros psiquiátricos americanos sofriam forte influência psicanalítica e seja por isso ou por ciúmes, ofereceram resistências para assimilar a novidade. Só em 1954 começaram a surgir trabalhos sobre o emprego da clorpromazina, Largactil, que nos EUA mudou de nome, passou a se chamar Thorazine. No Brasil recebeu o nome de Amplictil.

Em 30 de abril de 1954 Nathan Kline apresentou na Academia de Ciência de Nova York suas primeiras observações sobre o emprego da Rawolfia no tratamento das psicoses

No nosso país, os primeiros trabalhos sobre o emprego da clorpromazina surgiram em 1955. Extraí do Índice Bibliográfico da Psiquiatria Brasileira as seguintes publicações:

Vizzotto,Spartaco et al. Dados preliminares sobre resultados obtidos com a clorpromazina em psiquiatria (71 casos). Arq.Assist.a Psicopatas do Estado de São Paulo, 1955; 21. 234;

Sampaio,Norival, A clorpromazina em psiquiatria. Bol. do Hospital Juliano Moreira, Salvador, Bahia 1955, 21,234

Lucena, José, Loreto, Galdino e Costa, Antonio Souza. Resultados do tratamento de doentes mentais pelo Amplictil. Neurobiologia, Recife, 1956, 19 (1-2) 1-20.

No ano seguinte o Jornal Brasileiro de Psiquiatria publicava em francês o trabalho de:

Osterman, E. e Lassenius,B. La therapeutique par la chlorpromazine dans les Hospitaux Psyquiatriques de Suede. J,Bras. Psiquiat. 1957 ,6 (4)277-285.

Há o registro de um caso clínico publicado no HCUSP por . Bastos, Fernando de O.et al – Agranulocitose por clorpromazina (relato de novo caso curado por altas doses de corticoesteroide e nova revisão da literatura R e v. HCUSP. 1954 (19) 255

As experiências com a Reserpina foram replicadas por pesquisadores brasileiros o que já prenunciava uma crescente aproximação deles com as pesquisas vindas da América do Norte.

Campos, J.S. sobre o emprego da Rawolfia Sello-Wu em psiquiatria. Boletim do Instituto Vital Brasil. 1954 (5) 1999.

Krynski, Stanislau. Sobre o emprego da Reserpina em psiquiatria. Arq. Assist. aos Psicopatas do Estado de São Paulo, 1955.

Macedo, Gilberto de. Da Reserpina em neuropsiquiatria e medicina psicossomática. O Hospital. 1956 (30) 721.

Martins, Clóvis. Reserpina no tratamento psiquiátrico. J. Bras. Psiquiat. 1956. 5(3) 147-152

Macedo, Gilberto de. Novas terapêuticas dos estados emocionais: observações clínicas com a associação Reserpina + cloridrato de metilfenidilacetato. J.Bras. Psiquiat. 1958; 17(4) 338-343

Pacheco e Silva, A.C. // Carvalho, Henrique M. // Fortes, J.R.Albuquerque Terapêutica neuroléptica em psiquiatria: Impregnação ( clorpromazina em doses maçiças) Publ. Médica. S.P. 1957. 18 (198) 59-112.

Outros trabalhos envolvendo a clorpromazina:

Amorim, A. Bloqueio da liberação hipofisária de ACTH pela clorpromazina. Rev. Bras. Biol. 1968; 28(3):331-336.

Couto, B. A Síndrome parkinsoniana causada pela clorpromazina. Tese, Rio De Janeiro. 1960; 1-111.

Matarazzo, Eneida B. Clorpromazina no tratamento da histeria de conversão. Rev. ABP. 1983; 5(18):170-172.

Paim, Isaías. Tratamento da esquizofrenia pela clorpromazina. Publ. Méd.S.P. 1962; 33(1).

San Juan, F. et al. Hepatite colangiolítica por clorpromazina. Rev. O Hospital. 1958; 54(5):611-621.

Silva, V. Síndrome de impregnação pela clorpromazina em 10 pacientes do Instituto de Psiquiatria. J. Bras. Psiquiat. 1960; 9:323-339.

Recentemente foi publicada uma revisão sobre o emprego dos neurolépticos pelo Dr. Luiz Paulo de C. Bechelli "Impacto e evolução do emprego dos neurolépticos no tratamento da Esquizofrenia" J. Bras. Psiquiat. 2000, 49(5)131-147.

Com o aparecimento quase acidental do Largactil ( clorpromazina) e do Serpasil (Rawolfia) como drogas efetivas no tratamento das psicoses, a indústria lançou-se numa busca frenética de novos produtos. A Ciba-Geigy apostava na G 22 355, a Imipramina e que depois foi denominado Tofranil, mas a mesma não se mostrou eficaz nas psicoses. Antes de abandoná-la fizeram uma última tentativa com Roland Kuhn um psiquiatra suiço de excelente "feeling" clínico. Kuhn descobriu que o G22 355 dava bons resultados no tratamento das depressões e nova era se abriu no tratamento das mesmas.

Nos EUA pesquisadores tentando entender como atuavam as drogas Largactil e Serpasil fizeram experiências com coelhos. Com o Largactil nada acontecia de especial, mas com o Serpasil constataram que causava o desaparecimento das monoaminas do cérebro destes animais e de outros animais de laboratório como camundongos e ratos. Assim, se a ausência das monoaminas deixava o animal sedado, calmo, o seu excesso deveria mantê-lo excitado. Para tal se deveria paralisar a oxidase das monoaminas e isso era feito utilizando um inibidor da monoamina oxidase. Surgia assim uma nova medicação antidepressiva os IMAOs. Nesta descoberta brilhou novamente Nathan Kline que além de descobrir um dos primeiros antipsicóticos, descobria também um dos primeiros antidepressivos.

As publicações brasileiras sobre Imipramina/Tofranils não foram numerosas, mas dá para perceber que sua introdução no nosso meio foi quase concomitante com seu uso na Europa.

    Arruda, Elso. Depressão e seu tratamento pelo Tofranil e aminas despertadoras. Acta Neuropsiquiatr.Arg. 1960; 6(233).

    Ciulla, Luiz Pinto. Contribuição ao tratamento das depressões com Tofranil. J.Bras.Psiquiat. 1960; 9(1,2):79-92.

    Di Lascio, Arnaldo and Sette, Paulo. Tentativa de suicídio pela Imipramina. Rev.Neurobiologia,Recife. 1965; 28:43.

    Madalena, J. Caruso. A Desipramina metabólito III da Imipramina no tratamento dos estados depressivos. Revista De Psiquiatria. 1965; 4(7):22-37.

    Moretzsohn, J. Affonso. Conceito de depressão:tratamento dos estados depressivos pelo tofranil. Rev. O Hospital. 1961; 59:13.

    Pacheco e Silva, A. C. O emprego da imipramina no tratamento das depressões. Estudo a respeito de 48 casos. J.Bras.Psiquiat. 1960; 9(1,2):100-143.

    Pacheco e Silva, A. C.; Carvalho, Henrique M., and Cardo, Walter Nelson. O emprego da imipramina no tratamento das Depressões. Estudo a respeito de 48 casos. J.Bras.Psiquiat. 1960; 9(1,2):100-143.

    Wolfenbuttel, P. O emprego associado da imipramina em depressões. Rev. Bras.Med. 1965; 22(11):699-707.

Os anos 50 marcaram o surgimento de novas drogas e provocaram uma revolução na assistência psiquiátrica. Antabuse, Lítio, Clorpromazina, Imipramina e os Benzodiazepínicos foram inovações extraordinárias e abriram uma nova área de estudos, a psicofarmacoterapia.


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