![]() ![]() Volume 4 - 1999 Editor: Giovanni Torello |
Abril de 1999 - Vol.4 - Nº 4 Acamprosato: uma novadroga no tratamento do alcoolismo AUTOR: Luciano Kurtz
Jornada* * Psiquiatras Assistente da Unidade Dependência
Química – Hospital Mãe de Deus – 1998 RESUMO: ATÉ RECENTEMENTE, O MANEJO DE PACIENTES COM DEPENDÊNCIA
DE ÁLCOOL LIMITAVA-SE A TERAPIAS AVERSIVAS E ABORDAGENS psicissociais. NOS ÚLTIMOS ANOS DUAS DROGAS VEM SENDO DESTACADAS
COMO REDUTORAS DO CRAVING OU COADJUVANTES NA PREVENÇÃO
DA RECAÍDA : O NALTREXONE E O ACAMPROSATO O PRESENTE ARTIGO
TRATA DE UMA REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O ACAMPROSATO (
ACETIL HOMOTAURINATO DE CÁLCIO ). O FÁRMACO PARECE
TER SUA PRINCIPAL AÇÃO ATRAVÉS DE BLOQUEIO
NO SISTEMA GLUTAMINÉRGICO. A LITERATURA EUROPÉIA REPORTA
ACHADOS POSITIVOS EM MODELOS ANIMAIS E EM ENSAIOS CLÍNICOS.
DESTACAM-SE TRÊS ESTUDOS DUPLO–CEGOS, MULTICÊNTRICOS,
REALIZADOS NA ÚLTIMA DÉCADA, COM DURAÇÃO
EM TORNO DE UM ANO ENVOLVENDO 1258 PACIENTES.ESTES OBTIVERAM UMA
TAXA DE ABSTINÊNCIA CUMULATIVA COM ACAMPROSATO DE 19,3 % VERSUS
9,3 % EM RELAÇÃO AO PLACEBO E 39,6 % E 29,6 % DE DIAS
DE ABSTINÊNCIA, RESPECTIVAMENTE (USANDO COMO ANÁLISE
A INTENÇÃO DE TRATAMENTO). POR FIM, CONCLUI-SE
QUE ESTA DROGA É UM EFETIVO COADJUVANTE NA MANUTENÇÃO
DA ABSTINÊNCIA E SEGURA NAS SITUAÇÕES
ESTUDADAS. INTRODUÇÃO O alcoolismo é um problema de saúde pública em todo o mundo. O álcool causa danos à saúde e qualidade de vida comprometendo o bem-estar do indivíduo, família e sociedade. Em 1990, nos Estados Unidos , foi estimado um custo anual de 98,6 bilhões de dólares devido ao abuso e a dependência desta substância1, com taxas de mortalidade chegando a 100.000, representando mais de 5% do total de óbitos2. Estima-se que uma em cada dez pessoas apresenta problemas com álcool 3 . Programas de tratamento para dependentes tem tido sucesso modesto. Estudos de revisão 4,5 tem encontrado taxas de recaída em torno de 50% após 3 meses de tratamento hospitalar. Até recentemente, o manejo de pacientes com dependência, após a desintoxicação, limitava-se a abordagens não farmacológicas e terapias aversivas6 . Várias pesquisas tem focado a implicação do sistema de neurotransmissores e de receptores no desenvolvimento de tolerância e dependência etílica, fazendo parte deste quebra-cabeça os sistemas dopaminérgico7, serotoninérgico 8, opióide9,10, ácido gama-amino-butírico-GABA11 e , por último, glutaminérgico12. Nos últimos anos duas drogas vem sendo destacadas como coadjuvantes na prevenção da recaída: o Naltrexone e o Acamprosato (AC)13. O primeiro é um antagonista opióide que tem o efeito de diminuir o consumo por bloqueio dos efeitos prazerosos do álcool (reforço) e redução do “craving”14, uma discussão mais detalhada desta droga foi abordado no estudo anterior. O artigo pretende discorrer sobre os mecanismos farmacológicos e achados de ensaios clínicos com Acamprosato ( Ac ). O Acamprosato (Ac) ou Acetil Homotaurinato de Cálcio é um derivado químico da taurina, ingrediente da medicina oriental usado para tratar dependentes de drogas. Este parece ter sido o principio racional para o desenvolvimento deste derivado para o tratamento do alcoolismo15. Na Europa, a partir do final da década de 80, surgiram estudos em modelos animais com derivados da Taurina (ex. ingestão voluntária em ratos) tendo sido encontrado resultados positivos com Ac. Isso, seguiu-se de ensaios clínicos animadores replicados por diversos pesquisadores na década de 90. Atualmente é usada clinicamente em alguns países da Europa como Alemanha, Itália, França e Inglaterra. O Ac não é produzido pela industria farmacêutica brasileira. Nos Estados Unidos não é disponível para uso comercial, ainda não foi liberada pelo FDA. Na Europa é comercializado com o nome de Aotal , Campral e Acampar FARMACOLOGIA O Ac tem uma estrutura similar ao GABA16 e também análoga ao Ácido L-Glutâmico17, de onde provém os seus mecanismos de ação mais estudados, envolvendo sistema Gabaérgico e Glutaminérgico respectivamente. A atribuição inicial do seu efeito clínico se deu através da demonstração “in vitro” e “in vivo” de sua estimulação do GABA (via inibitória) em diferentes áreas do cérebro18-20 em especial nos receptores do tipo B6. Estudos mais recentes sugerem que sua eficácia decorra de antagonismo na neurotransmissão do receptor N-Metil-D-Aspartato (via excitatória)21,22 ,mais especificamente no sítio da glicina (ver figura). A diminuição no consumo de álcool possivelmente esteja associado a redução de sintomas de abstinência , uma vez que, uma hiperexcitação do SNC acompanha e presumivelmente causa síndrome de retirada. Em um estudo23 o Ac diminuiu de forma dose-dependente os sinais de privação em ratos. Fig. 1: Modelo simplificado do sistema receptor NMDA. NMDA= Sítio de ligação do receptor N-Metil-D-Aspartato; Glicina: Sítio de ligação do modulador alostérico ; Ca = canal de cálcio. Dupla camada lipídica = parte da membrana neuronal35. Sendo assim o Ac, bloqueador dos receptores NMDA, não deixa de ser um redutor da privação alcoólica. Isso foi demonstrado em modelos animais com redução de sinais autonômicos e até convulsões em ratos23 A situação de Pós-Síndrome de Abstinência ou Síndrome de Abstinência tardia, inclui um período de semanas a meses onde os pacientes podem queixar-se de sintomas variados tais como ansiedade, depressão, irritabilidade, fadiga, palpitação, diarréia ou constipação, transpiração e tremor. O alívio desses desconfortos ou da própria abstinência condicionada, poderia ser os fatores redutores da recaída em alcoolistas que recebem Ac. Este fármaco entretanto, atua em outros sistemas neurotransmissores do cérebro como o opióide24, o serotoninérgico e o noradrenérgico25. Além disso, poderia mimetizar a atuação do taurino, uma sustância presente no cérebro que parece reduzir a hiperexcitação26. Com isso, a exata forma com que a substância age na redução da ingestão alcoólica permanece incerta. Os dados farmacocinéticos disponíveis são geralmente baseados em voluntários saudáveis. A maior parte da droga é absorvida em 4 horas, tem sua meia-vida em torno de 13 hs. e o tempo necessário para estabilização de 7 dias. Não parece haver metabolização ocorrendo eliminação urinária da substância ativa. Indivíduos com problemas renais moderados a severos tiveram aumento da meia- vida o que sugere a possibilidade de acúmulo. Distúrbios hepáticos provavelmente não modificam a farmacocinética. Não foi reportado interação com álcool, diazepan, oxazepan ou dissulfiram. Por último, não foram encontrados estudos com crianças ou idosos27. Em todos os ensaios clínicos revisados não foi evidenciado efeito ansiolítico, anti-depressivo, potencial de abuso ou sinais e sintomas de retirada. Os efeitos colaterais mais freqüentes são diarréia e cefaléia, sendo que na maioria dos estudos só o primeiro foi superior ao placebo A literatura cita 5 casos de overdose com Ac (doses < 43 g. ) todos com boa evolução após lavagem gástrica27. A mesma fonte cita como contra-indicações hipersensibilidade a droga, gravidez, amamentação, alteração renal ( creatinina sérica > 0,12 mol/l. ) e falência hepática ( Pugh grau C ). Também, em modelos animais , não foi observado mutagênese, carcinogênese ou teratogênese. Ensaios ClínicosResultados positivos com Ac tem sido reportados em diversos estudos europeus. Estes vão desde redução da ingestão voluntária em ratos28,29 a ensaios clínicos controlados com 1 ano de duração. Em recente revisão Wilde & Wagstaff (1997)6 encontraram 11 "trials" duplo-cego envolvendo um total de 3338 pacientes com dependência de álcool. No presente texto, os autores optaram por fazer uma síntese com três estudos, mencionados na tabela 1: Paile e Cols (1995)30 , Sass e Cols (1996)31 e Whithworth e Cols (1996)32 por serem os de mais longa duração além de ter metodologia adequadas e semelhantes. Tratam-se de estudos duplo-cego, controlados, multicêntricos, com duração de 48 semanas a 1 ano e seguimento posterior de 6 a 12 meses abrangendo 1258 indivíduos. Todos apresentavam diagnóstico prévio de Dependência do Álcool pelo DSM-lll33 ou DSM-lllR34. Receberam após desintoxicação hospitalar 1,3 a 2 g/dia de AC ou de forma randomizada o mesmo número de comprimidos da droga inativa, divididos em três tomadas ao dia. A faixa etária variou de 18 a 65 anos, tendo alguns fatores de exclusão comuns, por ex. gravidez, amamentação, doença clínica ou mental incapacitante. Todos receberam algum tipo de suporte terapêutico além dos comprimidos, de maneira semelhante entre os grupos. As medidas de efetividade mais consistentemente empregadas foram as Taxas de Abstinência - TA - (ausência total de ingestão alcoólica) e Dias de Abstinência - DA- (representados na tabela 1 em percentagens). Os resultados foram medidos considerando a Intenção de Tratamento, ou seja, "drop-out" é considerado recaída. Este método parece ser o mais próximo da prática clínica, porém corre-se o risco de subestimar TA e a DA. A tabela 1 mostra a superioridade do AC em relação ao placebo, não havendo uma diferença estatisticamente significativa na TAC do estudo de PAILE e Cols (1996)30, apenas uma tendência que comparando apenas os pacientes que recebera 2 g/dia com placebo foi significativa. No total a diferença em valores absoluto na taxa de abstinência de 19, 3 para 9,3 % pode parecer pequena mas a relação entre as duas é 2,1. Isso quer dizer, entre aqueles que receberam terapia coadjuvante com Ac a taxa de abstinência foi maior que o dobro do que o grupo placebo. TABELA 1: ESTUDOS DUPLO-CEGO COM ACAMPROSSATO E PLACEBO COM DURAÇÃO EM TORNO DE 1 ANO
T.A.= Taxa de Abstinência ; D.A.= Dias de Abstinência Os três estudos também reportaram estabilidade no período de seguimento ( a diferença entre os grupos se mantiveram). Outro dado encontrado foi de que, apesar de diversas semelhanças clínicas e sociais entre os dois grupos, os pacientes que receberam a droga ativa permaneceram mais no tratamento que aqueles que receberam comprimido inativo. Os ensaios clínicos apresentam características tais como elevado “drop-out”, risco na integridade do duplo-cego e diferença entre população de voluntários para pesquisas e população clínica. Essas limitações em relação às pesquisas em grande parte são inerentes a patologia ou comuns a maior parte dos estudos com tratamentos de qualquer natureza. Ainda no que diz respeito a aspectos populacionais, vale citar que não foi encontrada nenhuma referência científica da medicação em nosso meio. Estudos futuros são necessários para definir vários aspectos do fármaco. Seria ele útil desde os primeiros dias de abstinência? Até quanto tempo utilizá-lo? Qual a sua dose ótima? Eficácia comparada com outros fármacos ? Eficácia da associação com outros fármacos? Segurança em idosos? existe um grupo de pacientes que se beneficiaria mais deste ? A maioria destas questões de forma semelhante servem para qualquer abordagem com indivíduos dependentes de álcool. Conclusão: Até o momento a pesquisa nos permite concluir que o Acamprosato é um efetivo e seguro coadjuvante das medidas psicossociais e comportamentais da manutenção da abstinência. Agradecimentos: Somos gratos pelas contribuições dos doutores Bruno Galperin, Letícia Gonzalez Henke, Sérgio de Paula Ramos e Vilma Cecília Rodriguez Rodriguez Endereço para Contato:
e-mail : [email protected]
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