Abril de 1998 - Vol.3 - Nš 4
Psiquiatria
Baseada em Evidências: Zuclopenthixol Acetate nas emergências
psiquiátricas: Procurando evidências em ensaios
clínicos¹.
Evandro da Silva Freire Coutinho* * Pesquisador
do Departamento de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde
Pública/FIOCRUZ e do Instituto de Medicina Social da UERJ.
(1)
Esse texto é um sumário da revisão sistemática
publicada por Fenton, Coutinho e Campbell na Cochrane Library.
INTRODUÇÃO
Os medicamentos dirigidos às emergências
psiquiátricas devem ter, entre outras características,
um início rápido, baixa freqüência de administração,
poucos efeitos colaterais e desconforto em seu uso (Atakan &
Davies, 1997). Nos últimos 10 anos diversos estudos não
controlados foram publicados sugerindo a efetividade do zuclopenthixol
acetate no tratamento de episódios psicóticos agudos
(Amidisen et al, 1986; Amidisen et al 1987; Balant et al, 1989;
Chakravarty 1990; Lowert et al, 1989; Predescu et al, 1991; Romain
et al, 1996; Schlosberg & Barr, 1991; Tan et al, 1993).
Originalmente o "clopenthixol"
era uma mistura de dois isômeros: cis(Z) and trans(E)-clopenthixol.
O primeiro, denominado zuclopenthixol, é a forma ativa apresentando
afinidade com os receptores da dopamina D1 e D2, sendo produzido
em três formas:
- zuclopenthixol dihydrochloride (oral)
- zuclopenthixol decanoate (IM-depot, agindo por
semanas)
- zuclopenthixol acetate (IM-depot, agindo por 2-3
dias)
Autores têm sugerido que o zuclopenthixol
acetate em doses reduzidas contribuiria reduzindo as chances de
hospitalização de pacientes psicóticos (Abdullahi,
1993).
Com intuito de avaliar a efetividade e os
riscos de efeitos colaterais indesejados, Fenton, Coutinho e Campbell
conduziram uma revisão sistemática em 1997 que está
publicada na Cochrane Library. Um sumário desta revisão
será apresentada a seguir.
METODOLOGIA
- Tipos de estudos - Todos os ensaios clínicos
controlados, com alocação aleatória
de pacientes comparando zuclopenthixol acetate com outros
neurolépticos em portadores de esquizofrenia foram
considerados para a revisão.
- Fonte de estudos - Publicações em
todas as línguas até junho de 1997 foram investigadas
nos arquivos do Cochrane Schizophrenia Group, na Cochrane
Library, no MEDLINE e nos resumos de 4 grandes congressos
de psiquiatria. As referências incluídas nos
trabalhos selecionados foram também investigadas.
Uma carta foi endereçada ao British Medical Journal
pedindo informações sobre estudos publicados
ou não, assim como ao Departamento de Informação
Médica do Laboratório Lundbeck, que produz
a droga na Inglaterra.
- Seleção dos estudos - A partir dos
resumos identificados dois revisores selecionaram artigos,
de modo independente.
- Coleta de dados - Se deu de forma independente
pelos dois pesquisadores que selecionaram os estudos. Foram
feitos contatos com autores visando recuperar informações
inexistentes nos artigos.
- Síntese dos dados - Os dados foram digitados
no programa RevMan 3.0 e a síntese dos dados foi
realizada através do MetaView. Sempre que possível,
odds-ratios (OR) e respectivos intervalos de confiança
foram estimados para variáveis binárias. A
presença de resultados heterogêneos também
foi investigada, usando para tal um p-valor de 0.10. Odds-ratios
(OR) foram combinados através do método de
Peto. Diferenças de média foram usadas para
variáveis contínuas.
PRINCIPAIS RESULTADOS
- A Busca
- A pesquisa detectou, inicialmente, 392 referências,
mas a leitura dos resumos mostrou que apenas 36 eram relacionadas
ao zuclopenthixol acetate. Destes, somente 10 referiam-se
a ensaios clínicos controlados. Quatro foram publicados
em revistas, 5 em resumos de congressos e um ainda não
havia sido publicado. Essas 10 referências relacionavam-se
a 6 estudos, assim denominados: França 1988 (Ropert
et al 1988), Bélgica 1989 (Bourdouxe et al, 1987;
Bobon & De Bleeker, 1989a; Bobon & De Bleeker, 1989b),
Nórdico 1993 (Fensbo, 1989; Baastrup et al, 1993),
Canadá 1994 (Chouinard et al, 1991; Chouinard et
al, 1994), África do Sul 1996 (Uys & Berk, 1996)
e África do Sul 1997 (Brook et al, 1997). Bélgica
1989 acabou sendo excluído porque o processo de aleatorização
foi violado na análise.
- Descrição
dos Estudos - Embora fossem todos ensaios clínicos
controlados, o processo de aleatorização utilizado
na alocação de pacientes não foi descrito
com clareza em nenhum estudo. Todos eles foram conduzidos
com pacientes hospitalizados, incluindo pessoas de 18-65
anos. Apenas um excluiu mulheres. Com exceção
de Canadá 1994, nenhum utilizou avaliação
duplo-cego.
- Seguimento
- A maioria dos estudos seguiu os pacientes por 6 dias.
Três estudos excluíram pessoas da análise,
alegando não adesão ao protocolo original,
sendo que em uma das investigações tal exclusão
chegou a 12%. Não foi possível saber a que
grupo pertenciam os pacientes excluídos
- Relato de
Resultados - Houve uma tendência de apresentar os
resultados através de gráficos, o que impossibilita
a síntese de dados. Pedidos de dados brutos não
foram atendidos. Também foi comum a apresentação
de p-valores como medidas de associação entre
o tratamento e a modificação da sintomatologia.
Além disso, não foi possível combinar
p-valores pois estes eram freqüentemente apresentados
como "p < 0.05 ou p > 0.05".
- Comportamento
e sintomas mentais- Embora alguns estudos tenham referido
melhoria nos escores das escalas aplicadas no início
e ao final do período de tratamento, não se
observou diferenças estatisticamente significativas
entre aqueles que usaram zuclopenthixol acetate e aqueles
em uso de outras drogas.
- Sedação
- Os estudos usaram instrumentos distintos para avaliar
essa variável e os achados não foram consistentes.
Apenas um estudo apresentou resultados com um grau de sedação
mais intenso entre os usuários de zuclopenthixol
acetate com 4 e 8 horas do que entre usuários de
haloperidol. Outro estudo também relatou maior sedação
entre os usuários de zuclopenthixol acetate, mas
não apresentou números. Os demais estudos
não observaram diferenças entre os grupos.
- Efeitos
colaterais - Dados sobre uso de anti-parkinsoniano foram
heterogêneos entre os estudos, mas a combinação
dos resultados não mostrou diferenças entre
os tratamentos. Efeitos colaterais específicos foram
pouco relatados, não se observando diferenças
entre os grupos.
DISCUSSÃO
Essa revisão não encontrou
evidências até o momento de que o zuclopenthixol acetate
seja mais efetivo do que o tratamento convencional no controle da
agressividade ou de sintomas psicóticos agudos. O entusiasmo
dos estudos não controlados quanto à efetividade do
zuclopenthixol acetate está em contraste com a pobreza de
evidências a partir dos resultados dos poucos ensaios clínicos
realizados até agora. Além disso, esse estudos apresentam
importantes deficiências metodológicas e seus resultados
são freqüentemente relatados de modo inadequado.
Embora não existam dados diretamente
relacionados à tranqüilização, dois estudos
referiram sedação mais intensa e precoce entre usuários
de zuclopenthixol acetate. Entretanto, apenas um deles apresentou
esses escores. Também não é possível
tirar conclusões sobre efeitos colaterais.
Essa revisão deixa clara a necessidade
de estudos de boa qualidade para investigar a efetividade do zuclopenthixol
acetate. Também são necessários ensaios clínicos
em pacientes na comunidade para avaliar a sua capacidade de prevenir
internações.
RECOMENDAÇÕES PARA ESTUDOS
FUTUROS
- Garantir
a aderência ao protocolo de investigação.
Perdas após o processo de alocação
dos pacientes nos grupos a serem comparados podem introduzir
vièses importantes, levando a resultados distorcidos.
- ALEATORIZAÇÃO.
O processo de alocação dos pacientes nos grupos
comparados deve ser descrito de modo claro, para que o leitor
julgue a sua adequação.
- MASCARAMENTO.
O uso de duplo-mascaramento deve ser feito para evitar vièses
na avaliação da melhora dos pacientes, assim
como de efeitos indesejados.
- PERDAS.
Pacientes não devem ser retirados da análise
depois de terem sido alocados nos grupos. Caso existam perdas,
deve-se adotar a análise por intenção
de tratar para evitar vièses de exclusão.
Nesse caso, a perda deve ser considerada como fracasso (ausência
de melhora).
- COMUNIDADE.
Conduzir ensaios clínicos com pacientes na comunidade,
assim como com aqueles hospitalizados.
- VARIÁVEIS
DE DESFECHO. Nível de tranqüilização
pode ser mais útil do que sedação.
Também podem ser de interesse variáveis do
processo da internação, como redução
da freqüência e da duração.
- APRESENTAÇÃO
DOS RESULTADOS. Variáveis binárias (melhorou
x não melhorou) devem ser preferidas em lugar de
escores contínuos de escalas, pois têm maior
significado clínico e são mais fáceis
de interpretar. Apresentar medidas de associação
como risco relativo, número necessário para
tratar e não apenas p-valores que são fortemente
influenciados pelo tamanho das amostras. Intervalos de confiança
devem ser descritos para informar sobre a precisão
das medidas encontradas. No caso de se apresentarem p-valores,
informar o valor exato. Por exemplo, p=0,07 e não
p > 0,05.
Para outras informações sobre
o relato de resultados, ver Begg 1996.
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