Volume 3 - 1998
Editor: Giovanni Torello


Abril de 1998 - Vol.3 - Nš 4

National Institutes of Mental Health New´s : Patofisiologia da Síndrome Pré-Menstrual

Paulo Jácomo Negro Jr.*
*Visiting Associate, Clinical Neuroendocrinology Branch, NIMH, NIH/ Fellow, American Psychoanalytical Association 1997-1998/ Pós-Graduando, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Peter Schmidt publicou em Janeiro um estudo importante no New England of Medicine sobre a patofisiologia da Síndrome Pré-Menstrual (PMS) no qual os autores suprimiram o eixo gonadal de pacientes com PMS com leuprolide (agonista do Hormônio Liberador de Gonadotropina ou GnRH) e adicionaram estrógeno ou progesterona para definir a ação destes hormônios em mulheres com o distúrbio (Schmidt PJ, Nieman LK, Danaceau MA, Adams LF, Rubinow DR. Differential behavioral effects of gonadal steroids in women with and in those without premenstrual syndrome. NEJM 338(4):209-16.

O resumo do artigo pode ser encontrado abaixo, assim como entrevista com Dr. Schmidt sobre a patofisiologia e tratamento do transtorno.

Antecedentes: Sintomas de mulheres com PMS melhoram em resposta à supressão da função ovariana, embora estas mulheres não mostrem evidência de disfunção ovariana. Nós realizamos um estudo para determinar o papel do estrógeno e progesterona nesta síndrome.

Métodos: Nós inicialmente estudamos o efeito de supressão ovariana com leuprolide, um agonista análogo do hormônio de liberação de gonadotropina, ou placebo nos sintomas de 20 mulheres com síndrome pré-menstrual. Dez mulheres cujos sintomas melhoraram com uso de leuprolide receberam estradiol e progesterona em um desenho duplo-cego, cruzado, cada qual por quatro semanas durante administração contínua de leuprolide. Mulheres sem síndrome pré-menstrual (voluntárias normais) também participaram de um protocolo similar. Resultados foram avaliados com base em autorelatos diários dos pacientes e escalas administradas por pesquisadores duas vezes por semana.

Resultados: As 10 mulheres com síndrome pré-menstrual que receberam leuprolide tiveram diminuição significativa de sintomas, quando comparadas com valores iniciais e com os valores de 10 mulheres que receberam placebo. As 10 mulheres com síndrome pré-menstrual que receberam leuprolide mais estradiol ou progesterona tiveram recaída significante dos sintomas, mas nenhuma mudança de humor foi observada nas 15 mulheres normais que receberam o mesmo regime ou nas 5 mulheres com síndrome pré-menstrual que receberam placebo durante o regime continuado de leuprolide.

Conclusões: Em mulheres com síndrome pré-menstrual a ocorrência de sintomas representa uma resposta anormal a variações normais de hormônios.

Qual a sua opinião sobre os critérios diagnósticos do DSM-IV?

Os critérios do DSM-IV para Transtorno Disfórico Pré-menstrual (Premenstrual Dysphoric Disorder ou PMDD) foram determinados pelo comitê; eles incorporaram um componente empírico importante para o diagnóstico de PMS. Diversos estudos demonstraram que o modelo médico padrão com o uso de sintomas para definir o diagnóstico não é suficiente para a elaboração dos critérios diagnósticos válidos de PMS. É necessário confirmar o padrão sintomatológico longitudinalmente e ligar os sintomas afetivos e comportamentais à fase do ciclo menstrual. De fato quando nós fizemos o mesmo, nós mostramos que em um grupo de mulheres que apresenta sintomas de PMS, o padrão sintomatológico é confirmado de maneira significativa em apenas 40% deste grupo. Isto é o que o DSM-IV incorporou no diagnóstico de PMDD. Mas o que eles também adicionaram é a necessidade da presença de prejuízo de desempenho global  na fase lútea, assim como a ausência de sintomas na fase folicular. Porém, eles não sugeriram nenhuma maneira de operacionalizar esta definição. Isto apresenta dificuldades para os pesquisadores da área? Como definir ausência de sintomas, ou de alguns sintomas ou sintomas leves? Como definir prejuízo? Alguém pode descrever prejuízo ou o prejuízo deve ser observado e medido? Eu não estou certo da existência de evidências neste ponto de que o prejuízo de desempenho (social, educacional, interrelacional) seja uma variável independente dos sintomas afetivos e, portanto, pedir a investigadores que confirmem prospectivamente prejuízo assim como sintomas afetivos pode levar apenas a trabalho extra sem adicionar nenhuma informação nova. Então, eu acho que embora seja bom definir critérios diagnósticos para a condição, existe um número de limitações e recomendações que não são baseadas em evidências empíricas, incluindo a necessidade de prospectivamente confirmar prejuízo de [desempenho]. [O DSM-IV] Também provê um novo rótulo psiquiátrico que pode isolar pesquisadores de PMDD dos demais pesquisadores na área médica, já que diversas outras pessoas que investigam PMS grave alegam que o DSM-IV não teria o consenso necessário para renomear a condição. Um terceiro problema é que o DSM-IV parece sugerir uma distinção entre sintomas afetivos e físicos; em nossa experiência, quando selecionamos mulheres especificamente pela presença de sintomas afetivos, sintomas físicos como dor nas mamas e "bloating" (estufamento) estão universalmente presentes. Ainda assim, o DSM-IV implica uma separação artificial entre mulheres com sintomas afetivos e sintomas físicos. Em nossa experiência, a divisão não é feita assim facilmente.

Em relação à patofisiologia do transtorno, qual a contribuição de seu artigo?

Tendo em vista a correlação dos sintomas da síndrome pré-menstrual com a fase lútea, não é de se surpreender que a maioria das teorias sugira que anomalias dos hormônios reprodutivos do ciclo menstrual ou dos ovários sejam a causa do transtorno. É importante saber que no momento não há anormalidades de nenhum hormônio reprodutivo que tenham sido consistentemente identificadas na fase lútea e que possam distinguir uma mulher com PMS de outra sem o transtorno. De fato em um estudo que publicamos em 1991, nós usamos o antagonista de receptor de progesterona RU 486 com gonadotrofina coriônica humana para mostrar que sintomas de PMS podem ocorrer independentemente de fase lútea normal o que sugere que o ciclo menstrual age meramente para orquestrar ou coreografar os sintomas de PMS, e não é a causa dos sintomas; alternativamente, mudanças hormonais anteriores à fase lútea podem estar desencadeando os sintomas de PMS. Então, como passo subseqüente, o que fizemos foi olhar os efeitos da supressão da função ovariana. Isto foi o que fizemos neste último artigo. Nós usamos um agonista GnRH, que é uma medicação que produz supressão ovariana se administrada de maneira regular, o que neste caso eqüivaleu a doses mensais. Nós recrutamos mulheres com diagnóstico prospectivo de PMS. Elas receberam agonista GnRH ou placebo uma vez por mês por três meses. Mulheres recebendo medicação ativa apresentaram remissão dos sintomas e eliminação de sua ciclicidade, enquanto que mulheres com placebo apresentaram a manutenção da ciclicidade sintomatológica. Portanto, nós confirmamos estudos anteriores que haviam mostrado que supressão ovariana pode ser um tratamento efetivo para PMS.

O que fizemos a seguir se relaciona à patofisiologia da PMS. Nós selecionamos as mulheres que responderam à supressão ovariana pelo agonista GnRH. De fato, nós identificamos resposta ao agonista GnRH em apenas 60% das mulheres com PMS. A taxa de resposta de 60% é comparável à resposta a SSRI em PMS. Selecionamos então os 60% que responderam e continuamos o uso de agonista GnRH por mais três meses. Adicionamos níveis fisiológicos de estrógeno ou progesterona por quatro semanas. Nós observamos os efeitos da adição de níveis fisiológicos de estrógeno ou progesterona nos sintomas de PMS. Para verificar o quanto específico seria este efeito, tomamos duas outras medidas: também recrutamos um grupo controle sem história de PMS e adicionamos placebo por um mês ao subgrupo de mulheres com PMS, em adição ao uso de estrógeno e progesterona, para controlar os efeitos [psicológicos] do uso de hormônios. Mulheres com PMS (mas não mulheres sem PMS) apresentaram sintomas de tristeza, ansiedade, variações do humor e sintomas físicos como dor nas mamas e sensação de estufamento quando níveis fisiológicos de estrógeno ou progesterona foram adicionados em condições controladas. Isto sugere que os hormônios ovarianos podem desencadear os sintomas de PMS. Ambos os hormônios parecem ser capazes de produzir sintomas de PMS mas o fato da resposta ter sido observada apenas em mulheres com história de PMS sugere que mulheres com diagnóstico de PMS têm uma sensibilidade diferente ao efeito desestabilizador do humor dos hormônios gonadais.

E estas mulheres apresentaram sintomas todos os dias, por semanas, depois de iniciar o uso de estrógeno ou progesterona?

Não. Os sintomas de maneira geral retornaram após cerca duas semanas de uso dos hormônios. Os sintomas duraram de 5 a 10 dias e então melhoraram (sem modificação na quantidade administrada de hormônios). A introdução do hormônio parece suficiente para desencadear o estado, mas quando o estado está presente os hormônios não parecem tão relevantes para determinar a presença e duração da sintomatologia.

Quais as próximas questões?

Certamente, a questão principal é qual o mecanismo por trás desta sensibilidade diferencial; se pudermos identificá-lo, poderemos desenvolver tratamentos visando modificar a sensibilidade aos hormônios. Existem vários candidatos; um deles seriam os receptores de hormônios gonadais. Estamos procurando diferenças nos genes que encodam receptores de hormônios gonadais, que diferenciariam mulheres com PMS daquelas sem o problema. Nós também pretendemos usar o fenótipo da remissão de sintomas com supressão ovariana e o retorno de sintomas com estrógeno ou progesterona para verificar se existiriam diferenças em polimorfismo de receptor de esteróide ou do sistema serotoninérgico. Entretanto, suspeitamos que nenhum dos dois trará a resposta final; acho que é bem mais complicado certamente não há indicações de que receptores de esteróide sejam diferentes no corpo, pelo menos no útero, de mulheres com PMS em comparação com controles sem o distúrbio. Eu acho que a probabilidade de que o problema represente apenas o polimorfismo de um único receptor expressado amplamente seja improvável. Mas certamente pode haver atividade específica de tecido e, então, devemos procurar co-reguladores de transcrição potencialmente relevantes. Uma alternativa `a hipotese da ação direta dos hormônios gonadais
como agentes causadores dos sintomas de PMS, seria a de que mensagens hormonais inespecíficas -fisiológicas- nestas mulheres teriam se tornado biologicamente relevantes e passado a condicionar comportamentos associados ao diagnóstico de PMS.
A razão pela qual esta hipótese seria tão ou mais provável que qualquer evento mediado por receptor é que nós observamos os sintomas retornarem durante o uso de estrógeno e progesterona; é possível que isto seja algum tipo de paradigma de condicionamento/aprendizado no qual durante a vida as mudanças dos hormônios gonadais teriam sido associadas de algum modo a mudanças de estado de humor e levariam ao condicionamento do comportamento às mudanças hormonais.

O que o senhor recomenda em termos de tratamento, pelo menos neste momento?

A primeira linha de tratamento é uma avaliação cuidadosa, que inclui tanto a documentação prospectiva dos sintomas durante pelo menos dois ciclos menstruais para identificar com a paciente o padrão de sintomas e sua relação com o ciclo menstrual, assim como os principais sintomas alvo de tratamento que a paciente queira tratar. É importante descartar uma série de problemas médicos que possam produzir sintomas semelhantes à PMS, como anormalidades da tireóide, distúrbios hematológicos como anemia (que possam produzir uma mudança nos níveis de energia ao redor da menstruação), enxaqueca desencadeada por menstruação, epilepsia desencadeada pelo ciclo menstrual (se é que isto existe) ou simplesmente dismenorréia grave. Quando confiante de que a paciente esteja médica e ginecologicamente bem, que não tenha outras contra-indicações para o tratamento, o próximo passo é determinar se ela não teria uma exacerbação menstrual de um transtorno psiquiátrico crônico, como depressão maior ou menor, ou se ela teria uma produção de novo de sintomas em associação com a fase lútea, o que nós consideraríamos PMS.

Neste caso, existem duas direções para o tratamento: hormonal (que envolve tipicamente a supressão da função ovariana) seja com agonista GnRH, doses altas de estrógeno (usado na Inglaterra) ou não-hormonal, como um dos SSRI; uma terceira opção também hormonal, envolve uso de danazol e vários estudos sugerem eficácia, mas o problema são os efeitos androgênicos, não tolerados por muitas mulheres. A dificuldade com os tratamentos hormonais é que GnRH é caro e as seguradoras não se inclinam a pagar; além disso, depois de alguns meses a paciente precisa de um regime adicional (combinação de estrógeno e progesterona para proteção óssea) que pode resultar em mudanças periódicas dos sintomas. Algumas mulheres, quando verificam que nenhum outro tratamento funciona consideram cirurgia em termos de ooforectomia ou histerectomia; certamente há razões para usar agonista GnRH antes da cirurgia para decidir se a supressão ovariana seria um tratamento eficaz e isto certamente está recomendado para qualquer mulher antes de realizar procedimentos cirúrgicos.

Os SSRIs, seja fluoxetina, sertralina, ou mesmo a clomipramina podem ser utilizados e diversos estudos demostraram sua ação em 40-60% das mulheres que efetivamente recebem o medicamento; o problema é que eles freqüentemente não são eficazes ou produzem efeitos colaterais que as pacientes consideram inaceitáveis. As diferenças entre os antidepressivos ainda é mal estudada. Alguns pesquisadores acham que o nefazodone poderia ser menos associado com perda de libido, mas tais opiniões aguardam demonstração em estudos controlados maiores. Os SSRIs podem melhorar não apenas os sintomas emocionais, mas os sintomas físicos também; é possível que apenas o uso durante a fase lútea possa ser eficaz, mas estudos que abordaram a questão apresentaram problemas metodológicos no desenho o que torna difícil a generalização dos resultados (principalmente para fluoxetina). Alguns estudos em andamento abordam o uso de sertralina durante a fase lútea; como sertralina tem uma meia vida menor que fluoxetina, seria um candidato melhor para uso intermitente.

Mas, neste momento, a primeira coisa a fazer é estabelecer se a pessoa responde a SSRI com sua utilização durante o mês inteiro; após alguns meses de boa resposta seria possível tentar uso intermitente durante a fase lútea. Não parece que o tratamento com SSRIs curaria a condição; quando o uso do medicamento é interrompido, ocorre recaída sintomatológica. Esta é a razão pela qual paradigmas como o uso apenas durante a fase lútea vem ganhando popularidade, já que permite minimização da exposição ao medicamento.


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