Volume 3 - 1998
Editor: Giovanni Torello


Setembro de 1998 - Vol.3 - Nº 9

Investigação Comportamental-Cognitiva de Um Caso Clínico

Makilim Nunes Baptista * & Adriana Said Daher **
* Psicólogo clínico e Pós-Graduando do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo ? UNIFESP / Docente da Universidade Paulista e Universidade Braz Cubas./ ** Psicóloga clínica e Pós-Graduanda do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas / Hospital e Maternidade Celso Pierro.

Resumo

O objetivo deste estudo foi discutir, com base na Psicoterapia Comportamental-Cognitiva, um caso clínico, a partir das informações coletadas sobre o histórico de vida do cliente. Após a discussão dos principais comportamentos-problema são sugeridas algumas estratégias terapêuticas pertinentes ao caso descrito.

Palavras-chave: Psicoterapia Comportamental-Cognitiva; Caso Clínico.

Summary

The goal of. this study was to discuss, based on Behavioural-Cognitive Psychotherapy, a clinic case based upon the information gathered about the client?s life history. After this discussion of. the main behaviour-problems some therapeutic strategies about abovemencioned case are suggested.

Key-words: Behavioural-Cognitive Psychotherapy; Clinical Case

Introdução

O objetivo principal deste artigo se restringe a analisar um caso clínico e prever possíveis áreas de atuação dentro do modelo comportamental-cognitivo, bem como sugerir algumas formas de intervenção com a finalidade de provocar mudanças em benefício da qualidade de vida do cliente em voga.

A Terapia Comportamental-Cognitiva tem como objetivo analisar o indivíduo a luz dos princípios da aprendizagem, bem como também prioriza a importância dos eventos cognitivos na geração dos problemas pessoais e transtornos psiquiátricos, ainda considerando a relação destes princípios com outros sistemas, como por exemplo o fisiológico (Dryden e Rentoul, 1991; Zarb, 1992).

A Terapia Comportamental-Cognitiva (TCC) abrange diversas classes de terapias, dentre as quais se destacam a Terapia Racional-Emotiva-Comportamental (Ellis, 1994); a Terapia Cognitiva (Beck e cols., 1979); Terapia Muldimodal (Lazarus, 1989), entre outras. Os diferentes enfoques da TCC variam de acordo com os diferentes graus de mudança comportamentais e/ou cognitivas, dependendo do background de cada psicoterapêuta (Shinohara, 1997).

A Psicologia Comportamental-Cognitiva vem ganhando espaço dentre as diversas abordagens teóricas, principalmente pela sua objetividade e eficácia terapêutica, o que pode ser considerado uma vantagem no tratamento de diversos problemas, assim como de alguns transtornos psiquiátricos (Laberge e cols, 1993; Durham e cols, 1994; Craske, Maidenberg e Bystritsky, 1995).

Apresentação do Caso

J., 13 anos, chegou encaminhado por uma psicóloga, após conversar com sua mãe. Cursa a 7ª série em escola particular, apresentando ótimo rendimento escolar (a nota mínima apresentada no boletim escolar é nove). Como atividade extracurricular, estuda espanhol. É o filho do meio de uma prole de três, sendo que seus pais estão separados há cinco anos e moravam no Nordeste. Após a separação a mãe mudou-se para São Paulo, sendo que os filhos foram consultados a respeito de acompanhar a mãe ou ficar com o pai. Todos resolveram acompanhá-la. Após dois anos mudaram-se para uma cidade do interior de São Paulo, sendo que esta mudança foi bastante sentida pela família, já que não haviam conhecidos ou parentes na nova cidade.

A mãe tem um cargo de confiança onde trabalha, não tem hora para sair do serviço, faz viagens freqüentes a trabalho e, é muito reconhecida pelo seu desempenho profissional, permanecendo pouco tempo junto aos filhos. Esta considerou importante que o filho começasse um acompanhamento psicológico, pois tem apresentado alguns comportamentos inadequados para sua idade. J. já havia tentado fazer um acompanhamento psicoterápico, mas não deu continuidade alegando que não tinha gostado da psicóloga.

O relato-queixa da mãe sobre o filho inclui: estar comendo em excesso; não gostar de sair de casa; não aceitar fazer nenhum tipo de atividade física como caminhadas, apesar de apresentar 25% a mais do peso proporcional a sua altura; não conversar com os amigos pelo telefone (sempre se esquiva falando que está ocupado) e não procurar o pai em hipótese alguma. Descreve afetivamente o filho como distante, não gostando de beijar e abraçar. Não tem um grupo de amigos, nem no prédio onde mora. Tem um cachorrinho, que é seu companheiro. As respostas de J. às perguntas e interações verbais são geralmente curtas e sem prosseguimento, além de não haver a preocupação de procurar outras pessoas para desenvolver diálogo.

Na entrevista com J., este relata que a mãe não aceita seus comportamentos, que sempre está pegando em seu pé para sair, para fazer ginástica, ligar para seu pai, parar de comer e ligar para os amigos. J. aceitou dar início ao acompanhamento porque a mãe quer, mas acha que não tem problemas.

Análise do Quadro Comportamental de J.

Principais comportamentos em excesso

Déficit comportamentais

Estudar

Contato com amigos e com o pai

Comer

Realização de atividades físicas

Ficar em casa, dentro do quarto, assistindo televisão

Baixo repertório verbal

 

Contato físico

Outras características relevantes

    - Inteligência normal;

    - Não tem uma religião praticante;

    - Não acredita que precise mudar;

    - Sentimento positivo em relação aos pais (gosta deles).

Análise do Quadro Comportamental da Mãe

Principais comportamentos em excesso

Déficit comportamentais

Repete muitas vezes como deseja que o filho se comporte

    Permanência em casa

Trabalha muito.

Comunicação com o marido e comunicação adequada com o filho.

Outras características

    - Inteligência normal;

    - Aceita a necessidade de mudança; e

- Sentimentos positivos frente a J. (gosta do filho; quer ter mais aproximação física) e considera importante a relação do filho com o pai.

Outras informações relevantes

  • Quando casados, os pais eram responsáveis pela manutenção econômica da casa;
  • Depois da separação a mãe assumiu as despesas da casa e a educação dos filhos;
  • O pai não tem condições financeiras de dar pensão, a mãe o liberou deste dever;
  • A mãe trabalha muito, J. passa grande parte do tempo sozinho;
  • Todos os imprevistos que surgem, J. liga para o serviço da mãe, sendo que a secretária resolve, como por exemplo comprar livros e remédios;
  • A mãe apresenta ansiedade frente aos comportamentos do filho que considera como inadequado;
  • O pai mostra-se ausente, e quando apresenta-se faz cobranças, onde J. sente-se ansioso;
  • A mãe fala que o filho tem que mudar, e que está disposta também em rever seus comportamentos;
  • Os pais conversam somente o necessário, não procuram entrar em consenso;
  • A mãe impõe como deseja que o filho se comporte;
  • J. nunca teve regras claras para serem cumpridas;
  • O diálogo entre J. e sua mãe é restrito;
  • Nenhuma psicopatologia foi encontrada;
  • J. desenvolveu um comportamento de independência dos pais em função da ausência física;
  • A fala da mãe não tem força suficiente para mudar o comportamento de J.;
  • O cachorro parece ser a única companhia de J.; e
  • J. estuda a maior parte do tempo, inclusive nos finais de semana.

Discussão Clínica

Compreensão das Contingências Controladoras de J.

O histórico de vida de J. o fez desenvolver algumas crenças disfuncionais como, por exemplo, as constantes mudanças de casa e de meio social o fizeram acreditar que manter amizade com os outros seria inútil, pois ele sempre estaria mudando e deixando os amigos. Como ele não entrava em contato com as pessoas que deixava e, não atendia e nem retornava os telefonemas, também não desenvolveu plenamente suas habilidades sociais. Esta maneira de pensar auxiliava-o a ter o comportamento de isolamento em casa, o que proporcionava também a ficar estudando e assistindo televisão, esquivando-se assim de estabelecer relacionamentos sociais e evitando a punição decorrente de sua perda.

Ao mesmo tempo, ficar em casa sozinho o auxiliava a ser independente para realizar algumas tarefas dentro de sua casa, como preparar o seu café; comer coisas; se vestir, o que criava uma contingência reforçadora na realização das atividades dentro de sua casa, além de uma idéia de que não precisaria das outras pessoas para realizar suas tarefas, reforçando novamente o comportamento de ficar só, de não precisar se relacionar.

O fato de J. ficar só em casa não o expunha a se relacionar com outros pares de sua idade e, este mantinha uma relação estreita com seu cachorro. Isto ocorre uma vez que este iria com ele para qualquer lugar, além do que este animal estava sempre disposto a brincar e a estar ao seu lado, ou seja, nunca o punia por ser como ele era ou o abandonava. Desta maneira J. mantinha seu comportamento de esquiva de enfrentar qualquer situação de relacionamento social, o que novamente reforçava o comportamento de ficar só.

O ficar em casa também criava a possibilidade para assistir televisão grande parte do tempo, o que somado ao comportamento de evitação de contato o debilitava de desenvolver um bom repertório verbal e estratégias de habilidades sociais, como, por exemplo, se aproximar das pessoas; como manter amizades; como manter uma conversa.

A história de constantes mudanças e perdas de relacionamentos na vida de J. fizeram com que ele desenvolvesse uma estratégia de esquiva deste tipo de punição, marcada pela ausência de qualquer contato afetivo. Esta situação é reforçada pelo modelo de relacionamento fornecido pela mãe, a qual estabelece uma contingência pouco reforçadora do desenvolvimento social de J.

Deste modo, um dos poucos comportamentos reforçados pela mãe é o estudo, o qual ocorre em excesso e determina uma limitação de tempo para outras atividades físicas, o que, somado ao comportamento de assistir televisão, caracteriza os dois principais comportamentos de esquiva de J. As necessidades primárias de J. são resolvidas pelo comportamento de comer em excesso, que por seu caráter imediato aumenta ainda mais a probabilidade de sua ocorrência. Suas necessidades secundárias são resolvidos com um custo comportamental mínimo, sem possibilidade de punição, uma vez que a secretária resolve os seus problemas sem qualquer custo ou contato social. Esta contingência permite que J. mantenha seu comportamento de esquiva, principalmente pela ausência de controle no ambiente familiar para este tipo de comportamento. Há ainda de se considerar a ausência do pai enquanto modelo de relacionamento social e masculino, o que interfere na falta de habilidade social de J.

Intervenções Utilizadas

As estratégias relatadas abaixo, utilizadas no caso, não abrangem a totalidade do trabalho psicoterápico de base e é um modo de expressar didaticamente algumas intervenções.

Orientações para a Mãe

Efeitos Pretendidos

Não reforçar as notas altas

Retirada da contingência mantenedora do comportamento de estudar em excesso

Dispensar mais tempo para o filho.

Aumentar a possibilidade da relação afetiva se tornar um reforçador para J.

Auxiliá-lo nas tarefas diárias, com a finalidade de aproximação e melhor comunicação.

Aumentar a possibilidade da relação afetiva se tornar um reforçador para J.

Incentivar o filho a trazer colegas para casa ou reforçá-lo (dar atenção) quando este relata interação com os colegas.

Reforçar qualquer comportamento pró-social de J.

Restringir a secretária a não fazer "tudo" para o filho e incentivá-lo a resolver parte de seus problemas.

Fornecer Sd (estímulo discriminativo) para que J. altere seu padrão comportamental de dependência da secretária

Observar mais outras relações entre pais e filhos (criar um modelo).

Estimular a Mãe a buscar um modelo de relacionamento mais reforçador com J.

Assistir filmes que aborde relações adequadas nas relações familiares.

Estimular a Mãe a buscar um modelo de relacionamento mais reforçador com J.

 

Estratégias terapêuticas com J.

Efeitos Pretendidos

Treinar situações de relacionamentos sociais em consultório.

Aumento das habilidades sociais e reforçar situações de contato social

Desenvolver repertório e habilidades em comunicação (Caballo, 1996).

Facilitar o desenvolvimento de contato social, aumentando a probabilidade deste comportamento ser reforçado

Discriminar e discutir sobre as crenças disfuncionais que o impedem de agir adequadamente.

Alterar o padrão de avaliação cognitiva de J. das situações envolvidas na problemática, buscando uma alternativa mais racional e reforçadora

Treinamento em resolução de problemas (Nezu e Nezu, 1996).

Aumentar as habilidades de J. e sua independência da secretária da Mãe

Controle alimentar.

Diminuição da obesidade

Eliminação das atividades que o impeçam de ficar ocioso.

Diminuição da obesidade e aumento de contato social

Conclusões

A utilização de estratégias terapêuticas adequadas depende da clara conceitualização e descrição dos problemas do cliente, pois somente desta maneira o clínico tem capacidade de compreender todas as variáveis que podem contribuir na análise dos casos atendidos, além de poder desenvolver procedimentos eficazes na modificação dos comportamentos inadequados, bem como na modificação das crenças disfuncionais, que auxiliam a distorcer a visão racional que o homem tem dos eventos de vida.

Referências

Beck, A. T.; Rush, A. J.; Shaw, B. F. e Emery, G. (1979). Cognitive Therapy of. Depression. New York: The Guilfor Press.

Caballo, V. E. (1996). Treinamento em Habilidades Sociais In: V. E. Caballo Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo: Editora Santos.

Craske, M. G.; Maidenberg, E. e Bystritsky, A (1995). Brief Cognitive-Behavioral versus Nondirective Therapy for Panic Disorder. Journal of Behavior and Experimental Psychiatry 26 (2): 113 -120.

Dryden, W. e Rentoul, R. (1991). Adult Clinical Problems: A Cognitive-Behavioural Approach. London: Routledge.

Durham, R.C.; Murphy, T.; Allan, T.; Richard, K.; Treliving, L.R. e Fenton, G. (1994). Cognitive Therapy, Analytic Psychotherapy and Anxiety Managment Training for Generalised Anxiety Disorder. British Journal of Psychiatry, 165: 315 - 323.

Ellis, A. (1994). Reason and Emotion in Psychotherapy. New York: A Birch Lane Press Book.

Laberge, B.; Gauthier, J. G.; Côté, G.; Plamondon, J. e Cormier, H. J. (1993). Cognitive-Behavioural Therapy of. Panic Disorder with Secondary Major Depression: A Preliminary Investigation. Journal of. Consulting and Clinical Psychology, 6: 1028 ? 1037.

Lazarus, A. A. (1989). The Practice of. Multimodal Therapy. Baltimore: John Hopkins University Press.

Nezu, A. M. e Nezu, C. M. (1996). Treinamento em Solução de Problemas In: V. E. Caballo Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo: Editora Santos.

Shinohara, H. O. (1997). Conceituação da Terapia Cognitivo-Comportamental In: R. A. Banaco Sobre o Comportamento e Cognição. São Paulo: Arbytes Editora.

Zarb, J. M. (1992). Cognitive-Behavioural Assessment and Therapy with Adolescents. New York: Brunner/Mazel Publishers (p.04).


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