Volume 3 - 1998
Editor: Giovanni Torello


Julho de 1998 - Vol.3 - Nº 7

Psiquiatria Baseada em Evidências:

Comentários: Ana C Chaves

Intervenções Familiares e Recaídas na Esquizofrenia: Metanálise dos Resultados de Pesquisas

Jair de Jesus Mari **
Prof .Titular do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP-EPM

Há uma evidência cada vez mais consistente de que o curso da esquizofrenia varia nas diferentes regiões do mundo, havendo um certo favorecimento de prognóstico nos assim chamados países em desenvolvimento. Um fator importante para explicar estas diferenças está relacionado com o ambiente familiar e o tipo de relações entre os familiares mais próximos, como por exemplo o tipo de estrutura familiar, tamanho, os valores e obrigações, laços, e os modelos de doença incorporados pela família. Pacientes com diagnóstico de esquizofrenia são particularmente sensíveis ao ambiente social mais imediato (BEELS et al., 1984), sendo a atmosfera familiar fator de influência no prognóstico da doença. KLEINMAN (1980) observou que o setor familiar na assistência à saúde deveria ser considerado no manuseio das doenças, nas diferentes partes do mundo.

A maioria das pesquisas sobre familiares de pacientes com esquizofrenia foram realizadas para testar a teoria das Emoções Expressas (EE), desenvolvida por investigadores britânicos há duas décadas (BROWN et al., 1972). Os sentimentos manifestados pelos familiares foram avaliados segundo os escores obtidos em uma entrevista semi-estruturada ? a Entrevista Familiar de Camberwell (VAUGHN & Leff, 1976). Estes escores eram baseados na tonalidade vocal da fala e no conteúdo dos relatos familiares . A entrevista continha os seguintes componentes: a) comentários críticos, que eram julgados pelo tom da voz e manifestações claras de indignação censura ou desamor; b) hostilidade , indicando rejeição e comentários críticos generalizados; c) super-envolvimento, para avaliar uma preocupação excessiva em relação ao paciente e demonstração de ansiedade frente a problemas corriqueiros; e d) afeto, o único escore positivo, para incorporar comentários de suporte e demonstração espontânea de acolhimento e afeição. Os familiares foram divididos em alta EE e baixa EE segundo os resultados obtidos na entrevista e o seguimento dos pacientes por 9 meses mostrou que esta dicotomia esta associada com o número de recaídas ? maior nos pacientes com familiares com alta EE. Estudos em países diferentes seguiram-se aos realizados na Inglaterra e a maioria confirmou a relação entre alta EE familiar e recaída na esquizofrenia (Vaughan et al., 1984; Wig at al. 1987; Cazzulo et al., 1989; Mavreas et al., 1992; Martins et al, 1992). Diferenças nas características metodológicas dos estudos dificultam uma comparação apropriada entre eles, mas indicam que existam diferenças transculturais em relação às emoções expressas ? os familiares de países ditos em desenvolvimento apresentariam menos EE dos que os familiares dos países em desenvolvimento. Estas comparações podem estar revelando a natureza cultural essencial do constructo de EE, e dão subsídios à teoria de que a resposta individual a um membro familiar esquizofrênico estará enraizada no contexto social e cultural, existindo, portanto, um constructo social moldado por expectativas, apoio, atitudes e crenças, de pacientes e familiares, para com a natureza e curso da doença, que vão determinar, desta forma, o prognóstico da esquizofrenia para uma cultura particular (Mari, 1994).

Na última década, uma grande variedade de intervenções familiares na esquizofrenia foram desenvolvidas, todas apresentando objetivos semelhantes. Os ingredientes destas intervenções com enfoque psicossocial podem ser sintetizados do seguinte modo: a) promover uma aliança com os familiares que cuidam do paciente; b) reduzir a adversidade do ambiente familiar (ou seja, diminuir o clima de sobrecarga emocional através da redução do estresse e do sentimento de opressão dos familiares; c) aumentar a capacidade resolutiva de problemas dos familiares; d) diminuir a expressão de raiva e culpa; e) manter expectativas de um desempenho exeqüível por parte do paciente ( ou seja, pela manutenção de um balanço adequado entre a promoção de uma melhora no funcionamento do paciente e a super-estimulação que aumenta o risco de recaídas) ; f) estabelecer limites apropriados entre o paciente e seus familiares; g) determinar mudanças no sistema de crenças e comportamentos dos familiares. Todos estes pontos podem ser observados como princípios gerais que são, provavelmente, aplicados em diversas intervenções ( Mari, 1994).

Diante destas questões propusemos realizar uma revisão sistemática da literatura para avaliar estudos sobre a eficácia e a efetividade da intervenção familiar, na diminuição da ocorrência de episódios de recaída em pacientes com esquizofrenia. Os estudos foram identificados através de pesquisa computadorizada na base de dados MEDLINE, rastreamento de bibliografia de artigos de revisão e daqueles referidos nos ensaios primariamente identificados. Mais de 400 citações foram revisadas e, entre os artigos potencialmente relevantes , oito ensaios clínicos aleatórios e controlados foram considerados para o estudo de metanálise. O número total de pacientes incluídos nos oito estudos foi 486 (241 no grupo controle e 245 no experimental). Em relação à análise de eficácia , pode-se dizer que houve um aumento desta com o tempo, em favor da intervenção familiar, a qual diminuiu a probabilidade de recaídas. Portanto, intervenções familiares podem ser um tratamento eficaz para aqueles que aderiram a este procedimento. Contudo, os resultados da metanálise mostraram uma boa efetividade apenas para os seguimentos de nove e dezoito meses, ou seja, quando analisados rigorosamente, os resultados mostraram-se afetados pelas perdas e retiradas dos pacientes.

Esta metanálise não demonstrou uma associação clara entre a intervenção familiar e uma esperada mudança no status das EE. Entretanto, o número de estudos selecionados para avaliar o impacto da intervenção nas EE foi relativamente pequeno, havendo um aumento na probabilidade de se cometer um erro do Tipo II.

O grupo experimental mostrou através do tempo, um aumento significante na adesão ao tratamento medicamentoso e na redução da taxa de hospitalização, porém não foi possível fazer uma metanálise do número de contatos com serviços psiquiátricos em ambos os grupos, de tal modo a estimar a possibilidade de um efeito "LCT" (Love, Care, Tender).

Vários problemas foram detectados nos estudos de intervenções familiares ? os investigadores foram altamente influenciados pela teoria das EE, a maioria dos ensaios realizados se utilizaram de pacientes e familiares selecionados após uma internação psiquiátrica, desconsiderando que muitos pacientes apresentam episódios psicóticos sem, entretanto, serem internados. É aparentemente mais fácil envolver os familiares em uma intervenção psicossocial durante um episódio psicótico, mas os problemas decorrentes de se proceder deste modo são provavelmente maiores do que se a participação dos familiares fosse obtida com o paciente clinicamente estabilizado. Nenhum investigador testou a confiabilidade entre-observadores dos critérios empregados e nenhum providenciou estimativas.


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