Volume 3 - 1998
Editor: Giovanni Torello


Janeiro de 1998 - Vol.3 - Nš 1

National Institute of Health New's: A Ética na Pesquisa em Psiquiatria

Paulo J Negro*
*Visiting Associate - Clinical Neuroendocrine Branch/NIMH/NIH - Fellow - American Psychoanalytical Association
Mestre em Psiquiatria - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
Pós-Graduando -
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

 

Bioética em Pesquisa Clínica

Vou reproduzir entrevista com o Dr. Donald Rosenstein, Chefe do Serviço de Interconsultas Psiquiátricas do Programa Intramural do NIH e Chefe do Comitê de Ética do Centro Clínico do NIH. As respostas não necessariamente representam a opinião oficial do NIH, mas as opiniões próprias do pesquisador baseadas em sua experiência na área. A atenção aos aspectos bioéticos da pesquisa clínica é importante para a coerência e transparência de instituições de pesquisa, necessárias para manter a confiança e o apoio da comunidade leiga.

Como se organiza o Comitê de Ética do NIH?

A primeira coisa a se reconhecer é que há diversos corpos que se preocupam com a condução da pesquisa clínica no NIH. O mais importante deles, em minha opinião, é o Investigation Review Board (IRB); cada instituto tem seu próprio IRB para revisão específica de protocolos clínicos sob a perspectiva de segurança e ética, assim como embasamento científico. O Comitê de Ética é um subcomitê do Comitê de Execução Médica ou do Conselho Médico do Hospital, que possui representação dos diversos institutos e de uma variedade de diversas disciplinas, como enfermagem, assistência social, medicina, etc., assim como membros da comunidade leiga. O Comitê é responsável por três coisas: 1) Elaborar regras, revisões e desenvolvimento, 2) Esforços de educação no hospital para assuntos de bioética e 3) Consultas e revisões de casos, em coordenação com outros bioeticistas no hospital.

O que o senhor recomenda em termos de treinamento em bioética, em particular em psiquiatria?

É justo dizer que 15 anos atrás o treinamento formal em bioética não era frequente na maior parte das escolas de medicina deste país. Quando eu era estudante de medicina no começo da década de 80, a minha faculdade e um número de faculdades estavam apenas começando a incluir cursos de bioética; eu acho que desde então tem havido inclusão da bioética de forma razoavelmente uniforme no curriculum das faculdades de medicina. O que é interessante -embora eu não tenha certeza dos dados- é que muito pouco foi feito a respeito de pesquisa em bioética. A maioria dos tópicos discutidos em um curriculum médico típico tem a haver com assuntos ligados a morte e ao morrer, autonomia de pacientes, enfim assuntos clínicos, em contraposição à pesquisa clínica. Naturalmente no NIH, como entidade de pesquisa na qual todos os indivíduos atendidos estão envolvidos em algum protocolo de pesquisa, a questão da bioética está sempre em primeiro plano. Assim que um associado clínico chega ao NIH, ele é submetido a mecanismos formais e informais para treino em bioética. Por exemplo, todos os associados clínicos devem particpar do currículo central, que inclui sessões didáticas de desenho experimental, estatística e outros aspectos de pesquisa, incluindo bioética e consentimento após informação. Em adição, todos os associados, como parte de suas atividades deverão escrever protocolos e consentimentos após informação que serão apresentados ao IRB -o que eu considero uma parte bastante importante do treinamento. De modo menos formal, as relações individuais que investigadores juniores desenvolvem com seus mentores para o desenho e a condução de pesquisa clínica também são importantes. Finalmente, há um programa de computador para treinamento em bioética, que é requerido como parte do credenciamento de investigadores no centro clínico, o qual aborda assuntos como consentimento após informação, manipulação de amostras laboratoriais e os regulamentos para condução de pesquisa.

Alguma sugestão para residências em psiquiatria? Afinal, muitas das interconsultas em ética mesclam psiquiatria e ética médica.

É evidente que em muitos Comitês de Ética existe uma grande proeminência de psiquiatras e muitos destes comitês são liderados por psiquiatras. Muitos das questões centrais abordadas por Comitês de Ética apresentam aspectos psiquiátricos importantos, como avaliação de competência e capacidade [de julgamento] e fazer a determinação se alguém é mentalmente capaz de fornecer um consentimento após informação para participar de um protocolo de pesquisa. Como regulamentações federais requerem proteção extra para indivíduos vulneráveis, qualquer um suspeito de prejuízos cognitivos para tomada de decisões deve ter estas proteções extras em jogo e, de fato, o Centro Clínico é um dos poucos lugares no país que possui regulamentos específicos para pesquisa em indivíduos com prejuízos cognitivos. Muito já foi escrito sobre interconsulta ética em hospitais e o que se observa quando se revisa o assunto é que é frequentemente necessária uma avaliação psiquiátrica do indivíduo ou até mesmo consultas menos formais com um psiquiatra ou alguém treinado em organização de sistemas; muito frequentemente o que à primeira vista parece ser problema ético, torna-se um problema que envolve dificuldades de comunicação, relacionadas a organização do sistema ou a aspectos psiquiátricos do caso; e isto para não se dizer que há sempre um aspecto psiquiátrico, embora muito frequentemente ele exista.

Quais os aspectos que devem ser avaliados para aprovação de um protocolo de pesquisa em indivíduos com prejuízo cognitivo?

O consentimento após informação é tão fundamental para qualquer pesquisa clínica que quando há razão para acreditar que alguém não seja capaz de fornecer o consentimento por qualquer motivo, devido a prejuízo para tomar decisões seja por problemas médicos ou psiquiátricos, os investigadores são obrigados a se conduzir acima e além do curso usual para se certificar de que os participantes estão protegidos de exploração. Existem um número de proteções potenciais; aquelas mais comumente utilizadas são mecanismos para julgamento ou consentimento substituído.Existem diversas frases que descrevem esta questão, como uma decisão substitutiva (substitutive decision maker), um guardião (guardianship), ou poder legal durável (durable power of attorney); estes são rótulos legais para descrever a noção de que alguém que tenha em mente o melhor interesse do paciente seja autorizado a tomar decisões e dar permissão para sua participação em protocolos de pesquisa. Portanto, o primeiro nível a ser avaliado diz respeito à possibilidade de alguém dar consentimento por si mesmo e, caso negativo, então alguma outra pessoa deverá fazê-lo. Isto não é suficiente, mas é por onde o raciocínio deve ser começado. É também importante saber que algumas pessoas podem apresentar déficits cognitivos substanciais em algumas áreas e ainda serem capazes de dar consentimento após informação. Um outro fator muito importante tem a haver com a possibilidade da pesquisa proposta ter um potencial de benefício para o indivíduo em questão. Existem benefícios terapêuticos esperados ou prováveis como consequência da participação na pesquisa? Exemplos incluem estudos farmacológicos em distúrbios como mal de Alzheimer ou esquizofrenia severa. Para alguns pacientes que já esgotaram o tratamento padrão ou para os quais não exista um tratamento padrão definido, é possível que participar de um protocolo de pesquisa seja a única possibilidade de prover um benefício clínico. Para estudos em que há um benefício potencial, o limiar para incluir indivíduos que não podem fornecer consentimento é menor, especialmente quando sofrimento substancial puder ser amenizado. Isto deve ser considerado em contraste com estudos sem benefício terapêutico, como estudos de imagem, diagnósticos ou neuropsicológicos que não necessariamente proveriam benefícios específicos para os participantes. O próximo nível de avaliação inclui a determinação do grau de risco. É uma coisa fazer testes com lápis e papel ou colher sangue; é bem diferente realizar uma punção lombar, um PET scan, ou uma biópsia. Todos estes fatores devem ser balanceados para a aprovação de estudos em indivíduos que não podem oferecer consentimento após informação. Para estudos que incluam risco maior que mínimo e não ofereçam vantagens terapêuticas, o limiar para aprovação deve ser bem alto. Existem uma série de esforços para se desenvolver regulamentos e procedimentos para este tipo de pesquisa. O Escritório de Advocacia Central do Estado de Maryland está escrevendo legislação para guiar pesquisas na área e algumas das recomendações incluem a especificação [por parte dos pacientes] por escrito dentro de suas Diretrizes Avançadas (Advanced Directives) para participação futura em pesquisa, em adição a decisões relacionadas a tratamento médico em geral. O problema é que muitos indivíduos podem já se apresentar com prejuízo para tomada de decisão antes mesmo de ter a oportunidade de se manifestar desta forma. É necessário balancear a necessidade de progredir no diagnóstico e tratamento de doenças demenciais, por exemplo, ao mesmo tempo em que se protege os direitos e a segurança de indivíduos vulneráveis.

O que o senhor acha de estudos controlados com placebo em psiquiatria, sob o ponto de vista ético?

É um assunto bastante debatido. A questão central tem a haver com a alta resposta a placebo em muitos estudos de distúrbios psiquiátricos. Existe também resposta placebo considerável em outros campos da medicina, como por exemplo no manejo de dor, tratamento de hipertensão e sintomas de hipertrofia prostática. Em minha opinião, um estudo duplo cego controlado com placebo é a melhor maneira de se obter a eficácia de uma nova medicação ou tratamento. Dito isto, creio que há certas condições nas quais seja necessário uma justificação maior para o uso de placebo. Por exemplo, quando há um tratamento claramente efetivo para um distúrbio que se não tratado ocasiona sofrimento substancial, justificar um estudo prolongado com placebo é problemático. Não quer dizer que não possa ser feito ou que não haja justificativa para fazê-lo, mas certamente um ponto deve ser feito para preferir a comparação direta entre o tratamento padrão e a abordagem experimental. No final, o que importa é ser capaz de tirar conclusões para um certo tratamento experimental a respeito do que a resposta placebo seria. Estas respostas variam substancialmente em coortes diferentes. As questões estatísticas e científicas devem pesar; por exemplo, se você desenhasse um estudo multicêntrico grande para um novo antidepressivo, seria razoável comparar diretamente com um SSRI ou algum outro antidepressivo bem estabelecido caso você planeje estudar milhares de participantes; por outro lado, se você for fizesse um estudo piloto pequeno com 30 pacientes, o uso de placebo é mais apropriado.

O que o senhor acha de pagar indivíduos para participar em pesquisas?

A regra geral no Centro Clínico é que pacientes não são pagos, mas voluntários normais sim. O problema ético óbvio é que se deve evitar prover coerção ou indução indevida devido a pagamentos exagerados. Isto poderia levar à exposição a riscos maiores simplesmente devido à compensação financeira exagerada. Por outro lado, nós estamos pedindo a pessoas que ofereçam o seu tempo e a si mesmas, que participem de procedimentos desconfortáveis, e é perfeitamente razoável prover compensação pelo tempo perdido e pela inconveniência devido a seu envolvimento nos estudos. Estas são decisões difíceis, melhor alcançadas através do consenso de um grupo como o IRB, que decide qual seria a compensação razoável pela inconveniência e o que cruza esta linha e se torna excessivamente sedutor. Em relação a pacientes, é um pouco mais complicado, pois para alguns pacientes que estão envolvidos em estudos puramente diagnósticos, pode-se argumentar que não haveria razão para tratá-los de maneira diferente de voluntários normais. Desta forma, alguns protocolos oferecem reembolso a pacientes de maneira semelhante à compensação oferecida a voluntários normais [para estudos não terapêuticos]. Naturalmente, é necessário ser mais cauteloso neste tipo de circunstância.

Em relação a interconsultas, parece ser uma experiência razoavelmente comum sentir que a psiquiatria não está tão integrada à medicina interna como as demais especialidades. O senhor já sentiu isto? O que pode ser feito para alcançar uma melhor integração dos serviços psiquiátricos no hospital geral?

Certamente senti isto em outros hospitais, porém em menor intensidade no Centro Clínico. Minha experiência aqui tem sido de que de maneira geral o ambiente é bem cooperativo, talvez porque os psiquiatras que trabalham aqui são pesquisadores ativos em colaborações com as demais especialidades. Entretanto, certamente também existem sentimentos de alguns clínicos e cirurgiões de que psiquiatras seriam de certa forma menos integrados na corrente principal da medicina. Isto é desafortunado em minha opinião. Mas existem algumas razões para isto; uma delas é que o trabalho muito frequentemente envolve a avaliação de informações pessoais sensíveis, que não são compartilhadas com tanta abertura quanto outras informações médicas. Naturalmente, qualquer informação relevante deve ser compartilhada com a equipe terapêutica, mas até um certo ponto a informação trocada entre paciente e psiquiatra não permite o mesmo grau de disseminação ampla que outras informações requerem. Acho que existem algumas coisas que podem ser feitas para mehorar a situação. Em primeiro lugar, é importante se comportar como "médicos normais"; isto inclui responder rapidamente ao clínico que solicita a consulta, fazer as anotações em tempo apropriado e comunicar os resultados diretamente ao médico responsável. É melhor evitar jargões psiquiátricos; a comunicação deve ser clara e as recomendações pragmáticas. O que é interessante em interconsulta psiquiátrica é que as pessoas chamam quando precisam de ajuda e nós podemos ser úteis em situações de dilemas clínicos. Cada vez mais, a medicina neste país vem sendo praticada por médicos generalistas, que tomam decisões quando os cuidados do especialista são necessários; nós temos um papel como educadores dos demais médicos para a identificação e tratamento de distúrbios psiquiátricos.

Qual é o papel da "ligação", em contraste à interconsulta? É efetiva sob o ponto de vista custo-benefício?

Eu não estou tão familiarizado com a literatura de evolução e prognóstico para responder a esta pergunta. Muitos departamentos de Interconsulta e Ligação sofreram problemas financeiros com a emergência do managed care e, frequentemente, não há reembolso previsto para a interconsulta psiquiátrica e menos ainda para uma ligação continuada. Mas eu posso dizer que um modelo que falhou é ter alguém de uma clínica generalista enviar um paciente a um psiquiatra particular, em seu consultório. Os pacientes sentem-se menos confortáveis agindo desta forma e certamente há um maior potencial para problemas na coordenação e comunicação do tratamento quando este é fragmentado. O que vem acontecendo em diversos lugares no país é que psiquiatras estão indo às clínicas para oferecer interconsulta no local para pacientes e médicos e, desta forma, integram-se à equipe terapêutica. Não sei o custo-benefício deste esquema, mas considero que a melhor maneira de prover tratamento é ter o psiquiatra como parte do serviço principal pois esta é a melhor forma de aprimorar padrões de atendimento.

Quais os seus pensamentos sobre suicídio assistido por médico e o papel da psiquiatria no mesmo?

Eu acho que sabemos tão pouco a respeito das pessoas que solicitam suicídio assistido por médico que seria mal aconselhado proceder sem ter informações substanciais sobre as diversas condições psiquiátricas presentes em pacientes que o solicitam. Se tivesse que existir alguma forma de permissão formal para alguma versão de suicídio assistido por médico, eu acho que seria catastrófico proceder sem o envolvimento íntimo de psiquiatras. Em minha opinião, um distúrbio depressivo não adequadamente diagnosticado e tratado é tão frequente que correr o risco de não identificar uma depressão tratável em alguém que solicita auxílio para terminar sua vida é inconcebível. Certamente seria concebível a existência de indivíduos não deprimidos, não suicidas, sem problemas psiquiátricos que influenciassem sua capacidade de decidir, e que ainda desejassem terminar sua vida. Como tomar decisões a respeito de procedimentos nestas circunstâncias é complicado e eu não gostaria de fingir ter as respostas, mas eu nunca encontrei um destes pacientes -que estivesse livre de depressão ou de dificuldades no manuseio de dor capazes de serem melhoradas [pela equipe terapêutica]. Portanto, eu reservo meu julgamento para o momento em que encontrar esta pessoa.


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