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Julho de 1996 - Vol.1 - Nº 1
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello


Julho de 1996 - Vol.1 - Nº 1

Sobre a CID-10 e sua comparação com a CID-9

Dr. Miguel Roberto Jorge *
*Professor Adjunto de Psiquiatria da UNIFESP/EPM e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria

A Classificação Internacional de doenças [ CID ] é periodicamente revisada pela Organização Mundial da Saúde [ OMS ]. Sua versão mais recente, a CID-10, contém capítulos referentes a diversos grupos de doenças, sendo que o Capítulo V contém os Transtornos Mentais e do Comportamento. Diferentemente da CID-9, a CID-10 se contitui, em realidade, numa família de documentos. No que concerne aos Transtornos Mentais e de Comportamento, um primeiro documento - Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas - foi publicado pele OMS em 1992 [ no Brasil, em 1993, pela Editora Artes Médicas] . Este documento se presta à utilização da CID-10 para uso clínico, educacional e assistencial em geral. Outros documentos que compõem esta família, ainda em desenvolvimento ou não publicados, compreendem critérios diagnósticos para pesquisa, uma classificação multiaxial, outra específica para serviços de cuidados primários e, finalmente, um glossário.

Segundo portaria do Ministério da Saúde, a CID-10 deverá entrar em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 1996. A partir desta data, todo e qualquer diagnóstico de um transtorno mental deverá ser relatado segundo as normas da CID-10 , terefa que se revelará mais do que um procedimento burocrático a ser seguido. A forma de utilização da CID-10 é um tanto quanto diferente do que temos atualmente com a CID-9. É norma corrente que os psiquiatras brasileiros, assim como de outros paises, estabelecem um diagnóstico clínico baseados em sua formação e experiência e, após consulta à CID-9, relatem-no no código numérico da condição patológica que mais se aproxime de sua hipótese diagnóstica. O que permite este procedimento é a amplitude das descrições constantes na CID-9, que praticamente permite uma aproximação bastante grosseira de qualquer situação clínica apurada. Ou seja, diante de um paciente que acreditamos ser esquizofrênico, raramente a descrição de esquizofrenia da CID-9 nos afastaria desta hipótese. Com a CID-!0 , no entanto, provavelmente isto não seria tão simples.

A CID-10 fornece, em suas Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas, critérios específicos para que um determinado diagnóstico possa ser estabelecido. Ou seja, ainda que comportando certa flexibilidade, ocorrerá com alguma freqüência que um psiquiatra possa ter uma impressão diagnóstica sobre um determinado paciente que não esteja de acordo com o requerido pela CID-10. Caso o quadro clínico do paciente preencha parcialmente os critérios requeridos para aquela condição [ por exemplo, um número menor de sintomas ou uma duração menor na apresentação do quadro], um diagnóstico provisório ou tentativo poderá ser atribuido a ele.

Outro ponto importante diz respeito à atribuição de múltiplos diagnósticos. Na medida em que a CID-10 estabelece uma classificação de síndromes psiquiátricas [ chamadas de transtornos] e não de doenças, cada paciente deve receber tantos diagnósticos quanto tenham seus critérios satisfeitos. Isto não significará, necessariamente, que o paciente tenha todas estas doenças, porém o reconhecimento de quadros psicopatológicos concomitantes tem grande importância do ponto de vista prognóstico e terapêutico. Por exemplo, um paciente que preencha apenas critérios para a esquizofrenia paranóide poderá apresentar evolução clínica e requerer medidas terapêuticas bastantes distintas de um outro que, além de receber este diagnóstico, também preencha critérios para Dependência do àlcool e Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável [ Tipo Borderline ]. Será sempre útil, no caso de mais de um diagnóstico, que se assinale em primeiro lugar aquele considerado de maior relevância clínica ou, na dúvida, pela ordem em que aparecem ao longo da classificação.

A CID-10 adota, na identificação dos diversos quadros, um código alfa-numérico composto por uma letra e até quatro caracteres numéricos. Cada capítulo da CID-10 é identificado por uma letra, sendo seu Capítulo V identificado pela letra F. Ou seja, toda vez que um código da CID-10 se inicie pela letra F, aquela categoria diagnóstica identifica um transtorno mental ou de comportamento. O código básico inclui, além desta letra, outros dois caracteres numéricos, sendo que a combinação destes três [ uma letra e dois números] permite 100 categorias diagnósticas principais [ F00 a F99], um número de categorias bem maior do que as 30 atualmente reservadas para transtornos mentais na CID-9 [ códigos 290 a 319. Nem todos estes 100 códigos estão atualmente preenchidos, deixando espaços para mudança ou inclusão de novas categorias, sem necessidade de reformular todo o sistema.

A combinação da letra F com o primeiro caracter numérico possibilita a definição de 10 grupos principais [ F0 a F9] de transtornos mentais e do comportamento como, por exemplo, orgânicos, decorrentes do uso de substâncias psicoativas, esquizofrênicos, do humor, de personalidade, com início usualmente ocorrendo na infância e adolescência, entre outros. O segundo caracter numérico define, dentro de cada classe, uma categoria diagnóstica principal. no caso específico do grupo de transtornos mentais decorrentes do uso de substâncias psicoativas, este terceiro caracter identifica a substância psicoativa [ por exemplo, 0=álcool, 1=opióides, 2=canabinóides, e assim por diante ] ficando a definição da síndrome clínica [ intoxicação aguda, uso nocivo, síndrome de dependência, etc. ] para o quarto caracter.

Como pode ser visto, este esquema classificatório rompe com a tradição- mantida até a CID-9 - de se estabelecer uma grande divisão entre transtornos psicóticos [ códigos 290 a 299 ] e não- psicóticos [ códigos 300 a 319 ]. Esta modificação se deve, em parte, ao abandono tático do propósito de classificar doenças mentais, passando-se, sim a estabelecer-se uma classificação de quaisquer condições que levem uma pessoa a buscar atenção médica. Não é por outra razão que o último capítulo da CID-10 lista fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com serviços de saúde [ esta lista consta das páginas 298 a 302 da CID-10, publicada pela Editora Artes Médicas ".

No próximo número, estaremos publicando a parte II do artigo Sobre a CID-10 e Sua Comparação com a CID-9, do Dr. Miguel Jorge, especificando os grupos de F0 a F9.


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