Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Abril de 2017 - Vol.22 - Nº 4 História da Psiquiatria CARTA AO MINISTRO Walmor João Piccinini OF.
068/17/ABP/SEC Brasília, 25 de abril de 2017. Ao
Exmo. Sr. Osmar Terra Ministro
do Desenvolvimento Social Ao
Exmo. Sr. Ricardo Barros Ministro
da Saúde Aos
Exmos. Srs. Governadores A
todos os Gestores de Saúde CONSIDERANDO que a Lei
Federal 10.216/2001, dispõe sobre a Proteção e Direitos das Pessoas Portadoras
de Transtornos Mentais e Redireciona o Modelo Assistencial em Saúde Mental, foi
promulgada em 06 de abril de 2001. CONSIDERANDO que a Lei
Federal 10.216/2001 garante o direito da pessoa portadora de transtornos
mentais o acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo com a
necessidade de cada paciente, em todos os níveis de complexidade. CONSIDERANDO que a Lei
Federal 10.216/2001 garante às pessoas portadoras de transtorno mental que
sejam tratadas, preferencialmente, mas não obrigatoriamente, em serviços
comunitários e que a internação psiquiátrica só será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes e, ainda, que, os pacientes
têm direito à presença médica em qualquer momento de sua hospitalização. CONSIDERANDO que a Lei
Federal 10.216/2001 não faz nenhuma referência à proibição de internações
psiquiátricas e não preconiza o fechamento de Hospitais Psiquiátricos
Especializados e que, na verdade, garante tratamento Hospitalar Especializado
quando necessário e determina que as internações sejam estruturadas de forma a
oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais,
incluindo serviços médicos, assistência social, psicológicos, terapia
ocupacional, lazer e outros. CONSIDERANDO que a Lei
Federal 10.216/2001 estabelece que as internações psiquiátricas sejam
realizadas somente mediante laudo médico que caracterize seus motivos e
estabelece os tipos de internação: a) voluntária (com o consentimento do
paciente); b) involuntária (sem o consentimento do paciente, mas com pedido de
terceiro) e c) compulsória (determinada pela Justiça). CONSIDERANDO que a Lei
Federal 10.216/2001 assegura a todos portadores de transtorno mental a
continuidade do tratamento durante o tempo que for necessário; e que o paciente
há longo tempo hospitalizado ou com grave dependência institucional, seja
decorrente de seu quadro clínico ou por ausência de suporte social, será objeto
de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade
de autoridade a ser definida pelo Poder Executivo, sem haver exclusão, contudo,
da garantia legal ao tratamento pelo tempo necessário, determinado pelo médico. CONSIDERANDO que, desde
2001, o Ministério da Saúde, por intermédio da Coordenação Nacional de Saúde
Mental, vem induzindo e fomentando o descumprimento da Lei Federal 10.216/2001,
através de distorções da “letra da Lei”, de forma propositada, por meio de:
documentos oficiais do Ministério da Saúde (portarias); de incursões a todos os
gestores de saúde; de informações inverídicas passadas às autoridades
judiciais, operadores do direito e principalmente à mídia; por meio de
palestras, cursos e publicitando em seu site que a
Lei Federal 10.2016/2001 proibiria internações psiquiátricas e determinaria o
fechamento dos Hospitais Psiquiátricos Especializados, o que não é verdade,
subtraindo o direito à melhor assistência garantida por Lei ao portador de
transtorno mental em seu momento mais delicado, que é o do surto. CONSIDERANDO que nenhuma
Portaria Ministerial, nenhuma Política de Saúde, nenhuma ideologia ou vontade
de qualquer grupo que esteja no Governo pode desrespeitar ou suprimir os
direitos garantidos na Lei Federal 10.216/2001, como vem ocorrendo desde 2001. CONSIDERANDO que o
descumprimento da Lei Federal 10.216/2001 vem negando o direito dos cidadãos a
um tratamento pleno e integral em Saúde Mental pelas várias Portarias
Ministeriais que suprimiram vários direitos e garantias, assegurados pela Lei
aos portadores de transtornos mentais. CONSIDERANDO que a distorção
da Lei 10.216/2001 pela Coordenação Nacional de Saúde Mental do Ministério da
Saúde promoveu nos últimos 30 anos, através da Política Nacional de Saúde
Mental, o fechamento sistemático de mais de 90.000 leitos psiquiátricos no país
quando, na prática, a supressão do direito garantido na Lei Federal
10.216/2001, que todo cidadão tem de ser internado, sempre que necessário, em
Serviços Psiquiátricos Especializados, devidamente formatados e funcionando
conforme determinado em Lei. CONSIDERANDO que a
Coordenação Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde criou inúmeros
serviços extra-hospitalares de atendimento em Saúde Mental. CONSIDERANDO que as
Portarias do Ministério da Saúde dedicadas à normatização e autorização de
funcionamento dos serviços extra-hospitalares, principalmente aqueles com
funcionamento 24 horas, ferem as garantias emanadas da Lei 10.216/2001 em
relação a como devem ser constituídos, negligenciando os recursos humanos
necessários e a manutenção de doentes mentais graves internados, ou sob
observação, e usando o termo “acolhimento” para fugir do termo internação,
pondo em risco a segurança dos pacientes e a eficácia do tratamento. CONSIDERANDO que o
Ministério da Saúde, através de portaria, que criou a Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS) e excluiu os Ambulatórios Psiquiátricos Especializados,
fundamentais em qualquer tratamento de saúde e que, além de não ter os
ambulatórios psiquiátricos especializados, esta “rede” incompleta ainda não foi
implantada de forma satisfatória, funcionando de maneira precária, irregular e
ilegal; não obedecendo a Lei Federal 10.216/2001, nem a Resolução 2057/2013, do
Conselho Federal de Medicina (CFM). CONSIDERANDO que as
Portarias emanadas pelo Ministério da Saúde, até a presente data, não respeitam
as condições mínimas de segurança, de funcionamento e de tratamento,
desobedecendo as determinações emanadas pelo Conselho
Federal de Medicina (CFM) e elencadas nas Resoluções: 1952/2012; 2056 e
2057/2013; 2073/2014; 2116/2015; 2147/2016. CONSIDERANDO que, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO), 96,8% dos suicídios têm ligação direta
com transtornos mentais, entre eles transtornos afetivos, depressão,
dependência química e esquizofrenia. CONSIDERANDO que a
Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO) preconiza 01 Leito Psiquiátrico para
cada 1.000 habitantes, que o próprio Ministério da Saúde preconiza 0,45 Leitos
Psiquiátricos para cada 1.000 habitantes e que os Leitos Psiquiátricos
existentes no país estão muito abaixo destes patamares. CONSIDERANDO que as
estimativas do próprio Ministério da Saúde indicam que 3% da população sofrem
de transtornos mentais graves e persistentes; 6% têm problemas mentais
decorrentes do uso de álcool e outras drogas e 12% vão necessitar de algum
atendimento em saúde mental em algum momento da sua vida. CONSIDERANDO que as doenças
mentais estão entre as maiores causadoras de incapacidade no mundo todo, com
grande ônus social e financeiro para as famílias e para a sociedade; e que o
tratamento correto pode devolver boa parte dos pacientes a um funcionamento
menos caótico. CONSIDERANDO que a doença
mental é conceitualmente transtorno de grande complexidade, envolvendo fatores
biológicos, familiares, sociais e ambientais e não afeta apenas o doente, mas
envolve e faz adoecer várias outras pessoas da família e impõe à comunidade
alto custo social. CONSIDERANDO que nove em
cada dez suicídios completos poderiam ser prevenidos com tratamento adequado e
que apenas em 2015 foram registrados oficialmente cerca de 12.000 suicídios no Brasil. CONSIDERANDO que pelo menos
50% da população de pessoas em situação de rua é composta de
portadores de transtornos mentais sem acesso aos serviços de saúde, sendo
sujeitos a maus tratos, fome, exposição às intempéries e elementos naturais. CONSIDERANDO que a população
prisional já possui mais de 12% de portadores de transtornos mentais graves,
sendo excluídos deste percentil àqueles com problemas de abuso ou dependência
de álcool e outras drogas, e que 80% da população prisional sofre de alguma
forma de transtorno mental, em sua maioria também sem assistência adequada. CONSIDERANDO que os
Hospitais de Custódia e Tratamento (HCTPs)
existentes são insuficientes para atender a demanda e que vêm sendo
sucateados e fechados, nestes anos todos. CONSIDERANDO que é
responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a
assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos
mentais, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim
entendidas todas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde
aos portadores de transtornos mentais. CONSIDERANDO que a garantia
legal de acesso ao tratamento em todos os níveis de complexidade exige que
qualquer serviço que interne ou deixe sob observação uma pessoa devido à
necessidade imposta por sua doença ou transtorno mental tenha,
obrigatoriamente, pelo menos, um médico presente na unidade, de maneira
ininterrupta, 24h por dia todos os dias. CONSIDERANDO que o
atendimento hospitalar em psiquiatria destina-se, na maioria dos casos, a
tratar pacientes em surto, com internações pelo menor tempo possível,
permitindo o retorno à suas famílias e à comunidade; sendo continuado o
tratamento em serviços ambulatoriais. CONSIDERANDO que deveriam
existir Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais devidamente
estruturadas, com recursos humanos preparados e especializados e somente para
internações de curtíssima permanência. CONSIDERANDO que, como um
todo, o atual Sistema de Saúde Mental gerido pelo Estado brasileiro (SUS) está
fragilizado, é ineficiente, de difícil acesso e até mesmo perigoso para o
tratamento dos portadores de transtornos mentais e dependentes químicos. CONSIDERANDO a incipiência
das RAPS em relação a proporcionar minimamente o acesso e tratamento necessários
aos numerosos portadores de transtornos mentais e dependentes químicos. CONSIDERANDO que as Unidades
Psiquiátricas em Hospitais Gerais existentes são insuficientes, sendo pífio o
número de leitos em Hospitais Gerais no Brasil e, na maioria das vezes, sem
estrutura e com falta de recursos humanos capacitados. O
Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Brasileira de Psiquiatria
(ABP) e demais instituições que assinam este documento recomendam: 1 -
Que os serviços existentes, e os que venham a ser criados, sejam fiscalizados e
cumpram com o que determina a Lei Federal 10.216/2001, as Resoluções do
Conselho Federal de Medicina, em especial a Resolução CFM 2057/2013 que versa
sobre condições de tratamento e segurança no atendimento. 2 -
Que todas as Portarias do Ministério da Saúde irregulares, no que tange à
inobservância e/ou supressão das garantias e direitos elencados e assegurados
pela Lei Federal 10.216/2001, sejam corrigidas e complementadas. 3 -
Que o tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais tenha, como eixo principal, os Ambulatórios Especializados,
com atendimentos multiprofissionais, realizados por pessoal habilitado e
capacitado, pois tem a melhor relação de eficiência, resultados e de
custo-benefício infinitamente melhor do que o sistema existente hoje no Brasil,
que despreza este tipo de tratamento, eficaz no mundo todo. 4 -
Que a rede de CAPS já existente seja mantida e melhorada,
considerando-se sua finalidade principal que é a reabilitação e tratamento de
pacientes graves com quadros persistentes e/ou crônicos, que necessitam de
serviços especializados intermediários entre o Ambulatório e a internação plena.
5 -
Que os leitos psiquiátricos existentes em Serviços Hospitalares Especializados
sejam mantidos, melhorados e qualificados, como é
dever do Estado, e que seu número seja adequado proporcionalmente à população
de cada região, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e
da própria portaria 1.631/2015 do Ministério da Saúde (MS). 6 -
Que as Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais sejam devidamente criadas,
equipadas, tenham recursos humanos adequados e devidamente cadastradas no CNES
e no SUS, extinguindo-se a figura do “leito psiquiátrico em hospital geral”, e
que hoje funciona sem recursos humanos necessários, prejudicam os pacientes de
outras especialidades, provocando aumento do estigma aos portadores de
transtornos mentais. 7 -
Que o método de avaliação dos estabelecimentos de atenção especializada em
Saúde Mental seja revisto de forma que haja critérios técnicos e equivalência
com a avaliação aplicada aos demais Serviços Especializados em Saúde de outras
especialidades. 8 -
Que o Estado elabore, juntamente a especialistas capacitados, sem a exclusão do
médico psiquiatra, programas eficazes, devidamente fundamentados em evidências
científicas comprovadas internacionalmente, para prevenção de suicídios, para
população em circunstâncias de exposição social e para prevenção e tratamento
da dependência química. 9 -
Que a população de doentes mentais presos possa ser devidamente assistida,
ampliando, de acordo com a demanda, os Hospitais de Custódia de Tratamento (HCTPs), melhorando, capacitando e qualificando o
atendimento e tratamento nestas unidades; assim como adequando o número de
leitos e serviços desta natureza em relação à demanda existente. 10-
Que o acesso ao tratamento medicamentoso seja ampliado, com melhor gama de
medicamentos, e que sejam disponibilizados com regularidade aos pacientes
atendidos em Serviços de Saúde Mental. 11 -
Que a Política Nacional de Saúde Mental seja revista e direcionada para um
modelo estruturado com base em uma Rede Integral de Tratamento, nos mais
diversos níveis de complexidade, consentâneo com as necessidades dos pacientes;
conforme exemplificado e explicado nas Diretrizes para um Modelo de Atenção
Integral em Saúde Mental no Brasil, elaboradas pela Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP), Associação Médica Brasileira (AMB), Federação Nacional dos
Médicos (FENAM), Sociedade Brasileira de Neuropsicologia
(SBNp) e é documento oficial
adotado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). 12 -
Que seja revisto o financiamento de toda área da Saúde Mental, que há vários
anos vem sofrendo reduções sucessivas pela não correção dos valores das
tabelas, inclusive inferior às demais áreas da saúde em geral. 13 -
Que todos os gestores de saúde sejam cientificados desta situação e que tomem
as providências suficientes e necessárias para corrigi-las, dentro de sua
esfera de administração e competência; para facilitar aos portadores de
transtornos mentais o acesso ao tratamento. 14
- Que as Políticas de Saúde Mental e o tratamento aos portadores de transtornos
mentais obedeçam e apliquem a Lei Federal 10.216/2001, as Resoluções do
Conselho Federal de Medicina (CFM): 1952/2012, 2056 e 2057/2013, 2073/2014,
2116/2015 e 2147/2016, e as sugestões das Diretrizes para um Modelo de Atenção
Integral em Saúde Mental no Brasil, elaborado pela Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP) e instituições parceiras.
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