Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Junho de 2017 - Vol.22 - Nº 6 Artigo do mês
HIDROCEFALIA DE PRESSÃO NORMAL E SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS
Maria Luiza Dalcim* INTRODUÇÃO A Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) é uma
anomalia adquirida que se manifesta na idade adulta e é caracterizada por
dilatação dos ventrículos cerebrais com pressão normal do líquido
cefalorraquidiano (LCR). Sua causa é geralmente desconhecida, embora haja
suspeita de que esteja relacionada a diversos processos que ocasionam tanto um
bloqueio do fluxo para o espaço subaracnóideo como uma dificuldade em absorver
o LCR por bloqueio das granulações meníngeas (hidrocefalia comunicante tipo
hipoabsortiva ou não absortiva) (CARRASCO CALVO B et al., 2006). Quem primeiro identificou esta síndrome
foi o neurocirurgião Salomón Hakim, no Hospital San Juan de Dios, em Bogotá,
Colômbia, em 1957, quando encontrou seu primeiro caso de HPN, a princípio
chamada de hidrocefalia sintomática oculta (LOPES DCP, et al. 2012). A hidrocefalia de pressão normal (HPN)
é uma síndrome caracterizada por alteração da marcha, transtorno
mental-cognitivo e incontinência urinária, associados a ventriculomegalia e
pressão liquórica normal. A apresentação clínica (tríade) pode ser atípica ou
incompleta, ou pode ser mimetizada por outras doenças, daí a necessidade de
testes suplementares, principalmente para predição do resultado cirúrgico, tais
como teste da punção lombar e tomografia computadorizada (TC) ou ressonância
magnética (MR) de crânio (DAMASCENO, 2015). A fisiopatologia presumida da HPN implica um aumento da
resistência ao fluxo liquórico, a diminuição da sua absorção ou ambos. Estudos
recentes demonstram que, em pessoas normais, a resistência ao fluxo liquórico
aumenta com a idade. Além disso, o número de casos idiopáticos é menor em
pacientes mais jovens (MELATO L; BIGAL ME & SPECIALI JG, 2000). Evidências científicas confirmam
associação entre HPN e sintomas psiquiátricos. Pacientes com HPN podem
desenvolver sintomas com predomínio frontal, tais como mudanças de
personalidade, ansiedade, depressão, síndromes psicóticas, transtorno obsessivo
compulsivo, síndrome de Otelo, furtos e mania. Sintomas incomuns de HPN podem
dificultar o diagnóstico precoce e o tratamento adequado (OLIVEIRA, 2014). Há poucos estudos epidemiológicos sobre
HPN. A incidência relatada na literatura varia de 1,8 casos/100.000 habitantes
a 2,2 casos /1.000.000 habitantes. Estima-se que 1,6% a 5,4% dos pacientes com
demência tenham como causa a HPN (GALLIA GL et al, 2006). O tratamento de HPN é a derivação cirúrgica,
com desvio do LCR do sistema ventricular ou do espaço subaracnóideo lombar para
um local distante (peritôneo, cavidade pleural ou sistema venoso) onde é
reabsorvido. Os sistemas mais freqüentemente utilizados são a derivação
ventrículo-peritoneal e a ventrículo-atrial. (GALLIA GL et al, 2006). METODOLOGIA Este trabalho é uma revisão
bibliográfica, utilizando artigos científicos em português, inglês e espanhol,
teses e dissertações. É baseada nos temas centrais:
hidrocefalia de pressão normal e distúrbios psiquiátricos. A obtenção dos recursos foi feita
através de bibliotecas virtuais como, Bireme, LILACS, Scielo e Pubmed. Também
foram utilizados teses e dissertações disponíveis na internet. DISCUSSÃO Já foi descrito que pacientes com HPN
podem apresentar sintomatologia psiquiátrica possivelmente relacionada a
alterações na atividade dos neurotransmissores centrais. Pacientes com HPN
podem desenvolver sintomas com predomínio frontal, tais como mudanças de
personalidade; ansiedade; depressão; síndromes psicóticas, como estados delirantes,
alucinações e estados agressivos; distúrbio obsessivo-compulsivo; síndrome de
Otelo; e mania. Sintomas relacionados aos gânglios da base são exemplificados
por coreia. Sintomas talâmicos podem ser exemplificados pela apatia e síndrome
de Otelo, caracterizada pela falsa crença de infidelidade do parceiro
(OLIVEIRA, 2014). CARRASCO CALVO B et al (2006) explica que muitas vezes as
mudanças na atividade mental são os primeiros sintomas a aparecerem e se
estendem desde de uma leve deterioração na memória ou apatia, até um retardo
psicomotor intenso e danos intelectuais severos. Com a evolução da doença, o
paciente se encontra progressivamente desorientado e não apto a realizar
cálculos, escrever ou desenhar. A deterioração pode ser tão intensa que torna a
HPN indistinguível da Doença de Alzheimer. A alteração cognitiva é caracterizada por um progressivo
déficit das funções das áreas subcortical e frontal, manifestado como retardo
psicomotor, diminuição da atenção e concentração, disfunção executiva e viso-espacial
e alteração de memória, sendo a função executiva danificada precocemente no
curso da doença. Os déficits da área cortical como apraxia, agnosia e afasia
são raros. A severidade de tais déficits vistos na HPN pode variar de
minimamente detectáveis à profundamente severos e significativa melhora desses
sintomas pode ser obtida depois da derivação, sendo, portanto, uma das poucas
causas de demência reversível. Uma breve avaliação pode ajudar a determinar a
causa do prejuízo da cognição. O mini exame do estado mental (Mini mental) pode
mostrar déficits para realização de cálculos, concentração, escrita de frases,
copiar a intersecção de pentágonos, e seguir um comando de três estágios.
Processamento mental lentificado pode ser evidente devido ao aumento do tempo
do teste. O desempenho no teste do relógio também pode estar alterado,
mostrando um pobre planejamento espacial e organização. Distúrbios de
comportamento também foram relatados associados à HPN como depressão, mania,
agressividade, distúrbio obsessivo compulsivo, psicoses incluindo paranóia,
alucinações e distúrbios do controle do impulso. O aparecimento de sintomas
depressivos em pacientes com HPN pode ser uma consequência neuroquímica da
desordem cerebral (LOPES DCP, 2012). Para MELATO L; BIGAL ME & SPECIALI
JG (2000) o reconhecimento da HPN, como causa potencialmente tratável de
demência, tem recebido atenção crescente. Segundo eles, a síndrome é
caracterizada por um desenvolvimento gradual (ao longo de semanas ou meses), de
alterações na marcha, associada a graus variáveis de declínio intelectual, que
progride insidiosamente para níveis mais avançados de demência e incontinência
urinária. Essa tríade é considerada classicamente como o marcador clínico dessa
doença, embora não esteja presente em todos os casos, nem seja específica. O estudo de OLIVEIRA (2014) demonstrou
que 71% dos pacientes diagnosticados com HPN tiveram algum acompanhamento
psiquiátrico, predominantemente com sintomas de depressão e apatia. Em outras
palavras, mais do que eventuais achados, o estudo evidenciou que os sintomas
psiquiátricos são típicos em pacientes com HPN. Devido a HPN ser uma doença frequentemente encontrada na
população idosa, faixa etária em que a dificuldade de marcha, demência e
incontinência urinária são relativamente comuns, uma diversidade de
diagnósticos de sintomas individuais deve ser considerada, incluindo doenças
neurodegenerativas, etiologias vasculares e desordens urológicas. Uma relação
de diagnósticos diferenciais da HPN é apresentada no Quadro 1, e diante de tais
diagnósticos, torna-se evidente a importância de uma avaliação clínica
adequada, tanto por parte dos clínicos gerais, quanto por parte dos geriatras
e, finalmente dos neurologistas que estiverem assistindo aos pacientes que apresentarem
características da HPN, visto que o diagnóstico precoce e, sobretudo, correto,
guarda estreita relação com o sucesso terapêutico (LOPES DCP, et al. 2012). CONCLUSÃO Diante do conhecimento da
evidente relação entre a HPN e sintomas psiquiátricos, é de fundamental
importância o diagnóstico precoce através da atenção à manifesta tríade
clínica, acrescida de possíveis achados por imagem, tendo em vista que a HPN é
uma demência tratável com sucesso terapêutico absoluto em meio a uma sociedade
contemporânea em que os profissionais da saúde tendem a hipervalorizar e
generalizar o diagnóstico de Alzheimer. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS CARRASCO,
B.C.; PRIETO, J.F.P; VIADEL, M.H. Hidrocefalia
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Serviço de Psiquiatria do Hospital Clínico Universitário de Valencia Espanha.
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Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, Sao Paulo SP, Brazil.
2014;72(6):435-438. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/anp/v72n6/0004-282X-anp-72-06-435.pdf DAMASCENO, B.P. Neuroimaging
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Disponível em http://www.scielo.br/pdf/dn/v9n4/1980-5764-dn-9-04-00350.pdf PEREIRA,
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Med (São Paulo). 2012 abr.-jun.;91(2):96-109. Disponível em http://files.bvs.br/upload/S/0103-5355/2012/v31n1/a2834.pdf TAKAYANAGUI, O.M. The diagnosis
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2006. Disponível em http://www.cadastro.abneuro.org/site/neuro_atual/neuro_atual_volume2_n4.pdf MELATO,
L.; BIGAL, L.M.; SPECIALI, J.G. Hidrocefalia
de pressão normal: avaliação de cinco anos de experiência e revisão de
literatura. Medicina, Ribeirão Preto, 33: 499-505,
out./dez. 2000. Disponível em http://revista.fmrp.usp.br/2000/vol33n4/hidrocefalia.pdf *Interna dep. Medicina UNITAU ** Coordenadora da disciplina de psiquiatria – UNITAU
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