Novembro de 2017 - Vol.22 - Nº 11 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Novembro de 2017 - Vol.22 - Nº 11 France - Brasil- Psy Coordenação: Docteur Eliezer DE HOLLANDA CORDEIRO Quem somos (qui
sommes-nous?)
France-Brasil-PSY é o novo espaço virtual de “psychiatry on line”oferto aos profissionais do setor da saúde mental de expressão lusófona e portuguesa.Assim, os leitores poderão doravante nela encontrar traduções e artigos em francês e em português abrangendo a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise. Qui sommes- nous ? FRANCE-BRASIL-PSY est le nouvel espace virtuel de “psychiatry on line” offert aux professionnels du secteur de la santé mentale d’expression lusophone et française. Ainsi, les lecteurs pourront désormais y trouver des traductions et des articles en français et en portugais concernant la psychiatrie, la psychologie et la psychanalyse.
1. MARIE CRISTINA CAVALCANTE (segunda parte) Sobre Nilzardo Carneiro Leão Cristina, amiga de longa data, daqueles tempos felizes quando
frequentávamos os cursos da Faculdade de Medicina, muito obrigado pelo envio do
excelente artigo do advogado Nilzardo Carneiro Leão. Ocorre que devo muito a Nilzardo, que aceitou a incumbência de me
defender quando fui indiciado ao mesmo tempo que
outros 28 estudantes, pelo Ministério da Guerra, 7ª. Região Militar. O edital
de intimação, assinado pelo Coronel Manoel Costa Cavalcanti, saiu na
primeira página dos jornais de Recife-Jornal do Comércio, Diário de Pernambuco
e Diário da Noite- em 19/08/1965.O edital ordenava que
os indiciados comparecessem, sob as penas da Lei, ao Quartel General do IV
Exército, às 8 horas precisas do dia 23/08/1965. O que fiz. Um coronel do
exército, um tenente e um sargento desempenharam seus papéis de inquisidores e
questionaram-me a manhã inteira, mas deixaram-me em liberdade. Poucos dias
depois, contatei Nilzardo, acelerei minha saída do Brasil e fui morar em Paris
em setembro de 1967. Revejo agora uma fotocópia da ata da Sessão do Conselho Permanente de
Justiça do Exército, que se reuniu em 22/09/1967 afim de julgar
os 28 estudantes acusados de subversão, de serem comunistas e de relações com
Cuba. Um dos acusados não compareceu por ter morrido, outro não veio por estar
doente, tendo sido representado pelo seu advogado. E, sobre
‘’ o acusado Eliezer de Hollanda Cordeiro”, o seu advogado, dr. Nilzardo
Carneiro Leão, apresentou o instrumento de procuração e um documento que
comprova estar o mesmo fazendo um curso na França, declarando ainda que, na
qualidade de advogado deste acusado, considerava perfeitamente válida a citação
por edital feita pelo seu defendido.” Grande foi a coragem dos advogados que
ousaram defender os 28 acusados: Nilzardo Carneiro Leão,
Paulo Cavalcanti, Mércia Albuquerque, Fernando Tasso, Boris Trindade, Jales
Araripe e João Batista da Fonseca, que correram riscos durante a ditadura
militar para ajudar, e talvez até salvar, pessoas perseguidas por causa de seus
engajamentos políticos. O excelente artigo de Nilzardo Carneiro Leão,
prova que ele não mudou, lutando a vida inteira por seu ideal de justiça e
por uma justiça ideal. 2.FILIAÇÕES PSICANALÍTICAS O assunto controverso da filiação dos psicanalistas - que de uma certa forma suscitei ao tornar público aspectos do
percurso de alguns colegas pernambucanos que fizeram análise pessoal e
supervisões em Paris- deu lugar a debates acalorados entre colegas que
participavam do fórum da Lista de psiquiatras de Psychiatry on line. Assim, o
próprio termo empregado para designar o percurso de um psicanalista e os
vínculos que ele tem ou teve com determinadas sociedades psicanalíticas, deu
lugar a discussões etimológicas e semânticas diversas. Eu mesmo falei de genealogia,
outros falaram de pedigree, etc. Precisemos esses termos. Mas genealogia tem um segundo sentido: o da ciência que tem por objeto a
pesquisa das filiações, por exemplo psicanalíticas,
como as que o nosso historiador, Walmor Piccinini, está fazendo. Quanto ao termo « pedigree », LE ROBERT nos diz que se
trata de uma palavra inglesa derivada do francês antigo « pied de
grue », pé de grua, ave pernalta. O dicionário precisa que pedigree se
refere ao fato de que a pata da grua deixa uma marca de três traços…
A definição de pedigree é « o estabelecimento do livro genealógico de
um animal de pura raça ». Por conseguinte, este termo não convém
quando falamos de genealogia humana. Desta forma, decidi empregar o conceito de filiação, que
comporta várias significações, segundo o dicionário LE ROBERT. Retenho apenas
duas: « Laço de parentesco unindo a criança a seu pai ou a sua mãe »
(filiação paternal e maternal); o segundo sentido é o de ligação,
de junção, de vinculação, que encontramos no francês liaison e
no inglês link. Falar de minha filiação com uma sociedade de
psicanálise freudiana é falar de meus vínculos com essa sociedade.
Lembro-me que Wladimir Granoff, psicanalista francês da APF, que desempenhou um
papel relevante na história da psicanálise na França, escreveu um livro
intitulado Filiations, onde ele examina essa questão do ponto de vista
psicanalítico. Senti então a necessidade de rememorar os trajetos científicos de vários
colegas e amigos pernambucanos que se formaram em Paris, onde com eles convivi
durante anos. Donde as informações que vou dar aos leitores, após muita
hesitação e questionamentos pessoais, porém tomando a extrema precaução de
não falar de nenhum aspecto da intimidade das pessoas podendo causar-lhes um prejuízo
qualquer. Tendo sobrepujado esses escrúpulos, pensei que tais informações poderiam
até serem úteis futuros historiadores da psiquiatria e da psicanálise no
Brasil. Mais ainda, convenci-me que não havia nenhum inconveniente
que os leitores soubessem que eu fui analisado por uma tal,
que meus supervisores foram tais e tais, etc. No Maximo, os leitores poderiam reagir com desinteresse ou mesmo
indiferença. Eu pensei, igualmente, que os usuários da psiquiatria e da psicanálise
deveriam saber, em nome do principio de transparência, a quem eles pediam
ajuda. Enfim, ao citar os nomes dos analistas e supervisores dos colegas e
os meus, faço isto porque todos eles, sem exceção, foram ou são psicanalistas
de valor que marcaram a psicanálise francesa pelos seus escritos e pelas
atividades nas associações às quais pertenciam. Foi na primeira metade da década de 1960 que vários psicólogos e psiquiatrias pernambucanos decidiram de estudar, fazer
análise e supervisões em Paris. Este movimento cresceu muito a partir de 1964,
ano do Golpe militar no Brasil. Tudo começou com José Lins de Almeida e sua esposa, a psicóloga Lucia
Almeida, e com um padre muito aberto à psicanálise e que dava assistência
espiritual aos pacientes internados no serviço do Professor José Lucena,
catedrático de Psiquiatria da Faculdade de medicina da Universidade Federal de
Pernambuco. O padre- esqueci o seu nome, mas vou
obtê-lo, sem dúvida- tinha feito uma estadia em Paris e conhecia os
responsáveis do Comité Catholique Contre la Faim et Pour le Développement, uma
organização católica cuja finalidade era de ajudar, por meio de projetos
diversos, os países em desenvolvimento. Entre as diversas modalidades de ajuda,
o Comité financiava bolsas de estudos, segundo critérios que não se pode
examinar agora. Foi assim que José Lins e Lucia obtiveram bolsas do Comité
e vieram estudar em Paris, dois anos depois foi a vez
de Carlos Augusto Nicéas, mais tarde de Ivone Lins (foi para a Bélgica, em Louvain, depois para Paris), Affonso Barros de Almeida, de
Edilnete Sampaio, do autor deste trabalho, de Paulo de Queiroz Siqueira, de
Mário Lyra Romangueira, de Fernando de Barros Coutinho, de Jurandyr
Freire Costa, de Abílio Guerra. Muitos deles, talvez quase todos, vieram
com bolsas do Comité Catholique. A minha foi de um ano, depois encontrei
empregos e por aqui fiquei. Assim, José Lins de Almeida fez supervisão (e análise?)
com Jean Clavreuil, conceituado psicanalista que deixou o movimento lacaniano,
após a morte de seu fundador, por questões de desacordo com os processos
de formação então vigentes naquela escola. José Lins e sua esposa, Lucia, desempenharam
um papel saliente, aconselhando os recém-chegados, ajudando-os a estabelecer contatos,
hospedando alguns no apartamento que alugaram em Paris, reunindo a colônia
pernambucana para festinhas, onde não faltavam músicas e comidas
brasileiras. Lucia Lins foi analisada por Dona Elza Ribeiro Hawelka, da APF (Associação
Psicanalítica da França), afiliada à IPA. Penso que ela teve como supervisor
Didier Anzieu, filósofo e psicólogo que se tornou um dos grandes analistas
da APF. O casal retornou para Recife em 1968, onde
começou a organizar o núcleo do que viria a ser a Escola Psicanalítica de
Recife. Lucia faleceu na Salpetrière, dois ou três anos após haver voltado para
Recife. José Lins, que conhecia muito bem Daniel Widlöcher, professor de
Psiquiatria na Salpetrière, pediu-lhe ajuda, donde sua rápida hospitalização no
serviço de neurologia desse hospital. Visitei- a dois ou dias antes da
operação, mas todos os seus colegas conheciam a gravíssima realidade do quadro
clinico, que lhe deixava poucas esperanças. Fomos quase todos ao seu enterro num
cemitério da cidade. Foi o drama principal sofrido pela colônia pernambucana em
Paris. Carlos Augusto Nicéas: foi meu colega de turma e meu padrinho de casamento, vive no Rio, onde
exerce a psicanálise. Foi analisado por D. Elza Ribeiro Hawelka (de quem tracei
uma história na coluna France-Psy da Psychiatry online) e por Daniel Lagache,
grande psicanalista francês, ex-professor na Sorbonne, amigo e depois adversário
de Lacan. Affonso Barros de Almeida, velho amigo, colega de turma,
analisado por D. Elza Ribeiro Hawelka. Ele foi residente estrangeiro no
Hospital Henri Rousselle, anexo de Saint Anne. Seguimos juntos os seminários de
Henri Ey, as apresentações de casos de Lacan, etc. Affonso voltou
para Recife em 1970. Ele muito me ajudou quando de minha chegada em
Paris. Quanto a mim, cheguei em Paris em 1967, forçado
pela Ditadura. Durante vários anos, fiz análise e trabalhei no hospital
psiquiátrico Henri Rousselle, dirigido por Georges Daumézon, um dos fundadores
da política de Setor psiquiátrico da França. Fiquei cerca de seis
anos nesse serviço e leste longo engajamento me permitiu obter o
reconhecimento de meu diploma médico e a minha inscrição no Conselho da Ordem
dos Médicos da França. Pude assim trabalhar com os mesmos direitos e deveres de
qualquer médico francês, beneficiando das mesmas prerrogativas e salários.
Passei dez anos com consultório em Orléans e trabalhei trinta anos numa associação:
o Centro-Médico-Psicopedagógico de Orléans, como psiquiatra responsável de uma
equipe pluridisciplinar (psiquiatra, psicólogo, educador, assistente social, ortofonista Minha filiação psicanalítica: análises com Dona Elza Ribeiro Hawelka e
Pierre Fédida, ambos da APF. Supervisões de análises de adultos: Daniel Widlöcher e Pierre Fédida;
análises de criança: Pierre Bourdier, da Société Psychanalytique de
France. Ivone Lins veio primeiro para Louvain, na Bélgica,
onde seguiu cursos na Universidade e começou uma análise. Depois, em Paris,
continuou sua análise e frequentou seminários e cursos, trabalhando igualmente em
centros para crianças. Voltou para Recife anos mais tarde, em seguida foi morar
no Rio onde casou com Rogério Luz. Os dois voltaram à Paris em meados
de 1980, ficaram uns três anos e trabalharam muito sobre a obra de
Winnicott. Ivone fez uma memória com Didier Anzieu
durante esse período, onde analisou minuciosamente a relação mãe-criança. De
volta para o Rio, instalaram-se como analistas e animaram um grupo de
estudos sobre D.D. Winnicott.
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