Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Outubroo de 2017 - Vol.22 - Nº 10 France - Brasil- Psy Coordenação: Docteur Eliezer DE HOLLANDA CORDEIRO Quem somos (qui
sommes-nous?)
France-Brasil-PSY é o novo espaço virtual de “psychiatry on line”oferto aos profissionais do setor da saúde mental de expressão lusófona e portuguesa.Assim, os leitores poderão doravante nela encontrar traduções e artigos em francês e em português abrangendo a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise. Qui sommes- nous ? FRANCE-BRASIL-PSY est le nouvel espace virtuel de “psychiatry on line” offert aux professionnels du secteur de la santé mentale d’expression lusophone et française. Ainsi, les lecteurs pourront désormais y trouver des traductions et des articles en français et en portugais concernant la psychiatrie, la psychologie et la psychanalyse.
1. CLÁUDIO LYRA BASTOS: INTERCÂMBIO DE
MENSAGENS Cláudio, Hoje, ao olhar a lista das mensagens
classificadas como indesejáveis, encontrei a sua !!! De fato, Freud foi aquele que aprofundou os
conhecimentos sobre a psicologia, ao inventar o método e a técnica que
permitiram a investigação dos conteúdos inconscientes. Poderíamos
citar até outros autores que já haviam deixado entrever a questão do
inconsciente e que reforçaram a sua demonstração. Prefiro somente dizer
que quase todos eram filósofos, médicos, psicólogos e escritores. Destacaria
somente o papel dos psicólogos que você citou, antes de dizer que uma das
coisas que podemos notar na psicanálise francesa é a evacuação da
psicologia, sobretudo na obra de Lacan, que construiu suas teorias contra a
psicologia psicanalítica (ou a psicanálise psicológica?) vigente nos EEUU. A exceção francesa contemporânea vem de Daniel
Lagache e de seus discípulos (Jean Laplanche, J.B. Pontalis, Didier Anzieu e
Daniel Widlöcher, entre os principais). Eu me inscrevo nessa filiação, após
ter sido analisado pela franco-brasileira Elza Ribeiro Hawelka (na época
assistente de Lagache na Sorbonne) e por ter tido Widlöcher como um de meus
supervisores, quando comecei minha formação na A.P.F. (Association
Psychanalytique Française). Note que os quatro discípulos de Daniel Lagache
foram analisados por Lacan e que nenhum é lacaniano!! Estou traduzindo a curta biografia de Daniel
Lagache publicada pela Wikipedia francesa e que vou divulgar na WIki
portuguesa. Veja algumas passagens da mesma. « Nomeado mestre de conferências de
psicologia na universidade de Estrasburgo em 1937, Daniel Lagache foi o sucessor de P. Guillaume na
cadeira de psicologia da Sorbonne em 1947, e depois de G. Poyer
na cadeira de psicologia patológica em 1955”. Ele criou em 1952 o
Laboratório de Psicologia Social. Participou, com Jacques Lacan, à fundação
da Sociedade Francesa de Psicanálise em 1953, e, dez anos
mais tarde, à criação da Associação Psicanalítica da França, da
qual foi o primeiro presidente. No seu ensino, Lagache abordou diferentes
domínios da psicologia, mostrando-se nisso constantemente preocupado em
sintetizar, como na sua notável lição inaugural sobre ''A Unidade da
psicologia: psicologia experimental e psicologia clínica '' (1949). Mas a obra de Daniel Lagache é essencialmente psicopatológica,
é, sobretudo, de inspiração fenomenológica: ela utiliza
abundantemente as concepções de Karl Jaspers, em particular na
sua tese de medicina: ''As Alucinações verbais e a palavra'‘(1934), e na tese
de letras ''O Ciúme amoroso'' (2 volumes, 1947). Após haver feito uma psicanálise didática com Rudolph
Loewenstein, Lagache orienta sua pesquisa numa perspectiva
freudiana e se torna desta forma uma das personalidades mais
importantes do movimento psicanalítico francês. Sua pequena obra, ‘’A
Psicanálise’’ (1955) é ‘’um modelo de exatidão das noções e um exemplo
de abertura quanto à diversidade dos campos de aplicação », escreveu
Didier Anzieu. Suas contribuições publicadas na revista ''La Psychanalyse'',
sobre a « Transferência na cura psicanalítica » (1952), a «
Psicanálise e a estrutura da personalidade » (1961), bem como «
Fantasia, realidade, verdade » (1963), afora muitos outros artigos,
testemunham de sua experiência clínica e de suas pesquisas psicanalíticas. 2. JULES E AUGUSTA
DEJERINE: A PAIXÃO PELA NEUROLOGIA Quem pensa em casal de científicos pensa
imediatamente em Pierre e Marie Curie. Mas é necessário acrescentar seus
contemporâneos neurobiologistas, Jules e Augusta Dejerine, cujos trabalhos
científicos são indissociáveis. Enquanto Jules se dedica sobretudo aos
estudos, Augusta, primeira senhora recebida no Internato dos hospitais de
Paris, assume a responsabilidade do laboratório. Mas ela não pode esperar
outras honras que a estima de seus colegas, numa época em que as
mulheres cientistas se contam nos dedos duma mão. Após sua tese de medicina,
ela se dedica completamente a um projeto de grandes dimensões: a análise do
cérebro em cortes seriados, suas colorações e seu exame no microscópio, donde
resulta uma nova Anatomia dos centros nervosos (em 1901). É esta grande
história de amor e de ciência que é contada em Paixão Neurologia, livro
escrito por Michel Fardeau. 3. MARIA CRISTINA CAVALCANTI: CORRESPONDÊNCIA (1) 30/11/2011 Li no Jornal do Brasil de ontem a
entrevista de José Padilha que estou te enviando agora. A
entrevista pode -e deve- ser debatida, discutida, contestada, aprofundada
em certas passagens. Mas, de uma maneira geral, o diagnóstico que ele fez
sobre o surto de violência atual é correto. E o tratamento que propôs,
eu o assinaria com as duas mãos, como dizem por aqui. Talvez estendendo- o ao
país inteiro, pois o que ocorre no Rio pode acontecer nas outras grandes
cidades brasileiras. Abraços, Eliezer. Cristina : Eliezer, a operação
espetacular foi um “ parto da montanha”, igualzinho a Guerra de Canudos e a do Iraque que, no final, prendeu um
punhado de homens desnutridos e famintos. Conselheiro havia morrido de
diarreia e Sadam Husseim, apavorado, estava escondido em um buraco na
terra. Vi na televisão um bando de homens de calção
fugindo a pé do morro do Cruzeiro, ladeira abaixo. O grande e caríssimo
aparato montado foi inútil. Um hospital de campanha moderníssimo nunca teve
ninguém para atender. O hospital Getúlio Vargas não recebeu maior volume de
feridos e logo desativou o alarme vermelho, voltando a atender normalmente a
população. O número de presos foi pífio. Ninguém se entregou. Poucos
feridos. A droga foi encontrada em boa quantidade. Os traficantes não. O terror dos iraquianos e a rebeldia dos sertanejos
ou a marginalidade dos bandidos favelados do Rio de Janeiro continuam
intactos. Escondidos na complexidade da natureza humana. Maria Cristina, Sobre a conferência que você fez na Academia
brasileira de letras, gostaria de comentar duas passagens: 1)“Freud, como quase todo escritor (...)
preocupava-se vivamente com o julgamento do porvir’’. Então lhe pergunto: porque é que alguém
escreve? Escritores dizem que sempre gostaram de escrever, de expressar-se por meio de escrita para serem amados
e, sobretudo, reconhecidos. O psicanalista e escritor, J.B. Pontalis, destaca os dois
sentidos da palavra ‘’reconhecido”: ‘’como pessoa e por uma pessoa, por
um único interlocutor ou por muitos’’. Mas ser
reconhecido não é somente o objetivo de quem escreve. Portanto, notou
que quando era menino não se sentia reconhecido por sua mãe, mas somente
pelo pai. Pensei em falar na ânsia que têm os escritores
de serem reconhecidos, na « imortalidade » prometida pelas
academias. O escritor é tido como imortal e assim é chamado pelos seus pares
e críticos (lembre-se que você falava para uma academia de imortais).
Shakespeare resolveu contar a " dark lady" para torná-la
imortal, e conseguiu. Esta luta pelo julgamento da posteridade é
a preocupação maior dos escritores — desde Homero onde o poeta ganha o
Olimpo, lugar onde habitam as divindades
greco-latinas e transforma-se em estrela ou semideus. A mesma coisa com
o cientista, por exemplo. Neste, frequentemente, atingir a solução do
problema que o move é, em si mesmo, sua recompensa. O atleta visa superar os
recordes. Pensei no escritor, na multidão de literatos, na busca do
julgamento do porvir. Freud se sabia excelente escritor. Foi nesta categoria
que o identifiquei. Será que todo este povo foi desaprovado pela mãe? Escrever pode ajudar a pessoa ‘’a se
descobrir, se definir, se estruturar interiormente, adquirir uma autonomia de
pensamento, liberar suas inibições, tornar seu pensamento e seus sentimentos
mais claros, descobrir a beleza, dar forma à sua imaginação criadora.’’ Isto aconteceu comigo. A palavra me fez
desabrochar. Donde tirei esta frase? De um atelier de
escritura para crianças de 7 a 14 anos. O nome do atelier? La Plume
enchantée! (“A Pena de escrever encantada”). A caneta maravilhosa... As crianças
despertam suas capacidades criativas neste atelier de escritura
espontânea. Escrever se aprende e quanto mais cedo melhor. Pontalis abriu as
portas da Nouvelle Revue de Psychanalyse a jovens analistas porque notou “que
eles tinham qualquer coisa para dizer, mas se sentiam incapazes de escrever”.
Teria a ver com o complexo de castração? Penso que o domínio da linguagem é uma
expressão mais adequada e próxima do fenômeno observado por mim na libertação
de minha mente pela escrita. A linguagem provocou grandes repercussões no
cérebro humano. Marcou o aparecimento do homo sapiens na escala
evolutiva. Atua vigorosamente na neuroplasticidade da evolução da
pessoa. O antônimo da criação literária não seria a
esterilidade (impotência) literária? Mas às vezes simplesmente por
preguiça: « Ici venu,
l´avenir est paresse/ l´amertume est douce et l´esprit clair (Paul Valéry. Cimitiére Marin, reproduzido de memória) .Para produzir
literatura é preciso obstinação. Uma personalidade mais astênica pode
escolher a doce preguiça. 2) Donde vem sua vocação de psiquiatra e
escritora? Notei suas explicações: menina curiosa sobre o psiquismo
humano, ávida de leitura, você descobriu muito cedo que a literatura é um
formidável celeiro de informações sobre a natureza humana. Destaco ainda a
exaltada admiração que a leitura de Freud lhe despertou na adolescência,
talvez até no seu talento literário. Quando era menino também li muito.
Recordo-me haver lido uma boa parte do ‘’Tesouro da Juventude’’, enciclopédia
de 18 volumes. Acho que lia ainda mais quando estava doente. Minha vocação
médica surgiu deste passado, do medo de morrer, das angústias de meus pais
quando um filho adoecia-minha irmã mais velha morreu aos 3 anos de uma disenteria...E
porque a França? A Ditadura foi uma das razões que me levaram a deixar o Brasil. Mas meu pai falava muito de Pasteur, criticava o anticlericalismo
e agnosticismo de Voltaire...E, no Tesouro da Juventude, havia um capítulo
sobre rudimentos da língua francesa, fábulas de La Fontaine e de Esopo
que eu adorava. Continuei lendo muito, mas não escrevi livros.
Faltou-me sem dúvida o talento. Teria eu escrito algum se tivesse voltado
para o Brasil? Talvez eu tenha ficado entre as duas línguas, navegando de uma
para outra, amando a brasileira, admirando a francesa (e vice-versa), sem
privilegiar nenhuma. Você teve a sorte de ficar no Brasil e, assim,
fiel à língua materna, às suas origens. Ainda é tempo de voltar ‘’a última flor do Lascio
inculta e bela, há um tempo esplendor e formosura’’, que é a língua
portuguesa.
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