![]() ![]() Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Junho de 2016 - Vol.21 - Nº 06 História da Psiquiatria MANOEL TOSTA BERLINCK (1937-2016) Walmor J. Piccinini Nos últimos tempos tive pouco contato com o
Berlinck, sabia que estava doente e compreendia seu distanciamento de coisas
mais mundanas. Mesmo assim, foi com tristeza que recebi a notícia da sua morte.
Neste mês tinha programado publicar no Psychiatry Online Brazil um editorial
escrito por ele sobre Indexação bibliográfica. Vou publicar, mas gostaria que
todos soubessem quem era Manoel Tosta Berlink. Tinha formação em sociologia
pela Fundação Escola de Sociologia Política de São Paulo (1958-1961). Mestre em
Ciências Sociais da mesma Escola em 1964. Passou alguns anos em Ithaca, na Cornell University
onde obteve seu doutorado em 1969 e fez seu pós-doutorado em 1975. Voltando ao
Brasil tornou-se professor da UNICAMP (1972-1992). Depois disso tornou-se
professor da PUC em São Paulo onde criou e dirigiu o Laboratório de
Psicopatologia Fundamental 2002-2016. No meio desta intensa atividade ainda fez
formação psicanalítica e criou sua Editora e uma livraria. A Editora Escuta e a
Livraria Pulsional. Editor da Revista Pulsional (1987-2009). Por sua insistência em ver em mim
qualidades que eu nem suspeitava, tornou-me colaborador fixo desta revista. Sempre
que eu duvidava da qualidade dos meus textos ele me estimulava e me fazia
acreditar que tinham alguma importância. Deve ter feito isto com muitas pessoas
e todos lhe dedicavam muito carinho e admiração. Editou uma das melhores revistas brasileiras da área
Psi. A Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Indexei 673
artigos no meu Índice Bibliográfico de Psiquiatria (www.biblioserver.com/walpicci). Escreveu vários livros, trouxe grandes nomes da
História da Psiquiatria para colaborarem na sua editora e revistas. Posso citar
German Berrios, Paulo Dalgalarrondo, Ana Oda, Mário Costa Pereira. Dedicou
especial carinho à formação de novos profissionais. Orientou cerca de 60
mestrandos e 26 doutorandos. Escreveu inúmeros editoriais onde opinava com
grande conhecimento sobre vários temas ligados a Sociologia, Psicanálise e a
Psiquiatria. Uma boa oportunidade de conhecê-lo é através de
entrevistas que podemos encontrar no Youtube, (https://www.youtube.com/watch?v=d_S6OvE6DEc) Antes do seu envolvimento com a psicanálise escreveu
vários artigos sociológicos que podem ser encontrados em http://rae.fgv.br/artigos/autor/3315 Antes de
saber do seu passamento em 21 de junho de 2016 tinha separado um editorial
escrito pelo Berlinck e vou seguir o plano inicial e colocar este material a
consideração dos nossos leitores: Rev. latinoam.
psicopatol. fundam. vol.19 no.1 São
Paulo Jan./Mar. 2016 http://dx.doi.org/10.1590/1415-4714.2016v19n1p11.1 EDITORIAL O
futuro das revistas científicas Manoel Tosta Berlinck* *Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC-SP (São Paulo, SP, Br). Qual o futuro das
revistas científicas? Quando iniciei a
carreira de Editor de revistas científicas, nos princípios dos anos 1960, o
sucesso da publicação era medido pela tiragem impressa. Supunha-se que quanto
maior a tiragem, maior o número de leitores. As assinaturas e a distribuição
física dos periódicos era, então, uma grande preocupação. Periódicos com
artigos inovadores, de autores famosos e bem distribuídos, principalmente em
bibliotecas públicas, eram considerados bem difundidos e lidos por muitos.
Porém, nem sempre a distribuição era bem-sucedida e, apesar de autores famosos,
exemplares encalhados eram destruídos. Hoje, a biblioteca
pública, com acervo físico, organizada em função da tiragem impressa e sua
consequente distribuição, é obrigada a se ver com
vários novos fenômenos: antes de mais nada, a Internet e, ao mesmo tempo, a
escassez de espaço para o acervo e os leitores. Além disso, mudanças
tecnológicas no setor gráfico possibilitaram o crescimento vertiginoso de
livros variados através de edições reduzidas. O crescente número de diferentes
títulos vem acompanhado com mudanças de funções. As bibliotecas se
transformaram em centros de busca e informação de textos existentes na www. A Internet aumentou
substancialmente o acesso a textos não impressos e estabeleceu uma infinita
rede de bibliotecas para o pobre leitor. Com o tempo e as
inovações, as revistas científicas também sofrem numerosas modificações. De
forma geral, as impressas perdem relevância para as virtuais. Nessas
circunstâncias, é possível e até provável que o formato revista deixe de
existir. Já há revistas em portais (sites) que publicam artigos de acordo com o
fluxo contínuo de chegada. Termina, assim, a periodicidade característica das
revistas. Além disso, a nova forma de publicação por fluxo contínuo supera a
natureza descontínua do formato revista. Antigamente, o
pesquisador frequentava a biblioteca buscando, nas estantes, as coleções de
revistas que lhe interessavam. Quando eram encontradas, o pesquisador folheava
número por número, buscando artigos e autores para sua pesquisa. Hoje, ele
busca autor e tema, na www,
sem se importar com o nome da revista. Se o artigo lhe interessar, aí ele
buscará o contexto em que o artigo foi publicado. Mas, este é, cada vez mais
frequentemente, um portal de pesquisa e conteúdo e não uma revista. Há uma dinâmica
lógica da difusão virtual que precisa ser compreendida pela equipe editorial,
pelos autores e pelos próprios leitores. Nessa lógica, o formato revista deixa
de ser dominante. As revistas cedem lugar para os portais de conteúdo. O que conta,
agora, é o artigo postado, articulado a autor e tema, referências fortes para a
busca. O leitor tende a buscar o autor, o título do artigo, o tema. A revista
fica num segundo ou terceiro plano. O fator de impacto,
ou seja, a frequência relativa das citações de artigos,
adquire crescente relevância. Artigos citados e constantes em
bibliografias atraem atenção. O fator de impacto existiu desde sempre. O
pesquisador sempre valorizou a bibliografia citada como fonte de informação
para sua investigação. Deixou, entretanto, de ser uma referência impressionista
e passou a ser medida. Porém, o fator de
impacto deixa de lado leitores anônimos, pois o que vale nessa medida é a
leitura especializada, a gerar citações. Forma-se, dessa maneira, uma
“sociedade de citações mútuas” a atribuir relevância e prestígio. Isso, também,
sempre existiu. “Eu te cito; você me cita” sempre foi prática comum. E ainda é. Qual o lugar do
leitor anônimo, leitor simplesmente, aquele que, de alguma forma, se beneficia
da leitura de um artigo, mas não faz parte desse sistema? Ele existe, é claro,
e está cada vez mais presente e relevante na Internet. Por exemplo, o portal www.fundamentalpsychopathology.org, onde encontra-se, em destaque,
aRevista Latinoamericana
de Psicopatologia Fundamental, recebeu
pouco mais de 1 milhão de consultas em 2015. O pequeno (mas crescente) fator de
impacto dessa revista, valorizado pelo sistema de citações (SJR = 0,20), não é
proporcional às consultas. A expansão
internacional do conhecimento científico, baseada em fator de impacto,
passaria, então, contraditoriamente, pela drástica redução do número de artigos
publicados e pelo estímulo à publicação com significativo fator de impacto. Em
outras palavras, o fator de impacto geraria fator de impacto e consagraria o
autor e o veículo de publicação. A redução de veículos
de publicação — revistas e portais — sem fator de impacto reduziria o número de
revistas e o custo de seu financiamento e deixaria de alimentar a perversa
política de produtividade apoiada no número de publicações. “Publicar ou
perecer” aumentou a demanda indiscriminada por periódicos e até por sites e
estimulou a produção de artigos “mais do mesmo”. Retirar da produção o número
de publicações irrelevantes provocaria uma diminuição do custo de manutenção de
veículos. Isso, por sua vez, colocaria em destaque a preferência por artigos
relevantes, originais e bem escritos, afastando a atração pela escrita tipo
“mais do mesmo”. Entretanto, ignorando
o número de leitores leigos, ou seja, os que leem por prazer ou por benefício
próprio, a política do fator de impacto fortaleceria a já exclusiva elite
baseada na citação. Em outras palavras, a política vigente de publicação serve,
principalmente, para alimentar um restrito clube do conhecimento citado. É óbvio que os
veículos de publicação deveriam cuidar de seus leitores, tanto os especialistas
quanto os leigos. Deveriam, por exemplo, ter muito precisas missões,
principalmente relevantes e originais; deveriam ser poliglotas, ou seja,
publicar artigos em diversas línguas, e deveriam ter um claro projeto de
difusão. Deveriam estimular a publicação de textos bem escritos em todas as
línguas, pois, atualmente, abundam, por exemplo, artigos escritos em pobre
inglês mal redigido. Textos e veículos de publicação com missões pouco
definidas, imprecisas e sem originalidade deveriam ser desestimulados, pois
atraem artigos banais. Por outro lado, a
exigência de publicar artigos somente em inglês é retrógrada, pois ignora tanto
o autor quanto o leitor leigo nessa língua. Assim, por exemplo, a evidente
expansão do público leitor em português, no mundo, seria ignorada. Supor que o
inglês é a única língua confiável do ponto de vista científico talvez
represente uma visão correta para o exclusivo “clube da citação”, mas,
ignorando a complexidade linguística do mundo e os avanços tecnológicos da
tradução, ela é eminentemente restrita e tacanha. Além disso, não estimula a escrita e a leitura em outras línguas. A Internet, por sua
vez, facilita a publicação de artigos em diversas línguas. Assim, por exemplo,
este Editorial é publicado concomitantemente em português, inglês, francês e
espanhol, no portal da Associação
Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Artigos, inclusive os
científicos, almejam o mais amplo e diverso público leitor. É bom não se
esquecer, entretanto, que o número de citações é um mero indicador da difusão.
Portais contendo revistas e artigos precisam enfatizar sua natureza
internacional contendo textos em diversas línguas. Veículos de livre acesso
deveriam ser estimulados, pois os de acesso pago ou restrito não só limitam
drasticamente as consultas como estão voltados para o lucro e não para a
difusão do conhecimento. Os veículos de publicação precisam ser permanentemente
divulgados na rede social; terem “Newsletters” articuladas
a listas de endereços e serem indexados no maior número de diversas bases de
dados internacionais, que passariam a indexar portais e não só revistas. Os
veículos deveriam publicar artigos de autores escritos em diversas línguas e
seus artigos deveriam ser avaliados por revisores internacionais. Os veículos deveriam,
ademais, se ligarem a redes setoriais, como a World Association
of Medical Editors (WAME), onde são frequentemente apresentadas ideias úteis
para o aperfeiçoamento da difusão científica. Os veículos
precisariam revelar a existência de uma base financeira a partir de fontes
idôneas. Periódicos e portais de medicina e de saúde, por exemplo, financiados
por laboratórios farmacêuticos, indicam um comprometimento incompatível com o
conhecimento desinteressado. Entretanto, essa não é uma regra. Há laboratórios,
como o Synthelabo francês, que contribuem, de maneira
efetiva, para o avanço do conhecimento científico. Além disso, os veículos de
difusão precisam buscar recursos para garantir sua existência,
independentemente de financiamento público. Este precisa ser considerado um
prêmio e não um dever de Estado. Os recursos do Estado
não podem ficar permanente e constantemente comprometidos para manter projetos
que atendem uma parte da elite. Deveriam ser empregados visando à melhoria das
condições básicas de vida da maior parte da população. Numa sociedade, como a
brasileira, onde há evidente escassez de recursos para a educação, a saúde, a
segurança pública, o transporte, as condições sanitárias (como a água e o lixo)
e os cuidados com o ambiente, os recursos empregados para o desenvolvimento da
difusão da ciência e da tecnologia deveriam ser empregados cuidadosamente e com
parcimônia. Projetos de veículos de difusão de pesquisa científica e
tecnológica voltados para a população em geral deveriam ser buscados,
reconhecidos e premiados. Nesse sentido, a redução da publicação de revistas e
a migração dos artigos para portais de pesquisa com projetos bem formulados
tornariam menos dispendiosa a difusão do saber. Os veículos deveriam
conter, entre outros projetos, a publicação de artigos de autores iniciantes;
estimular a publicação de artigos em coautoria entre pesquisadores de Iniciação
Científica, mestrandos, doutorandos, doutores e pós--doutores. Em outras
palavras, eles deveriam cuidar não só de autores famosos, mas de pesquisadores
iniciantes e da produção em grupo. Deveriam, também, cuidar do aperfeiçoamento
e da renovação da equipe editorial dos veículos. Finalmente, a
administração dessa nova configuração não poderia, principalmente, ser feita de
forma autoritária. As instituições públicas e privadas responsáveis por essa
nova dinâmica deveriam exercer suas funções e papéis com grande sensibilidade e
delicadeza de modo a perceber as fraquezas, os pontos de resistência e as
dificuldades que impedem o crescimento da leitura de artigos, estimulando
mudanças e aperfeiçoamento e não destruindo os fracos. Mas, principalmente,
essa configuração depende, em grande parte, da flexibilidade criativa. Não
deveria se transformar, portanto, num conjunto de regras rígidas. Cada veículo
de publicação deveria ser tratado como singularidade precisando de atenção,
cuidado e estímulo. Afinal, a política de
internacionalização do conhecimento científico é um ideal a ser buscado de
forma desigual e combinada e não imposta sem respeito pelos responsáveis por
sua difusão. ![]()
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