Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Junho de 2016 - Vol.21 - Nº 06 História da Psiquiatria A ORGANIZAÇÃO DA MEDICINA NACIONAL SOCIALISTA
Claudio Herbert Nina-e-Silva1
(1) Professores Adjuntos, Grupo de Estudo de Neurociências e Saúde, Faculdade de
Medicina (FAMERV), Universidade de Rio Verde (UniRV). Laboratório de Psicologia Anomalística
e Neurociências, UniRV Resumo: O objetivo do
presente estudo foi descrever a organização da medicina nacional socialista
alemã. Utilizou-se uma fonte primária a transcrição completa dos
autos do processo de julgamento dos médicos nazistas (The United States of
America against Karl Brandt et al.) e de todas as audiências de instrução e
julgamento do Tribunal Militar Norte-Americano em Nuremberg. A partir da
análise dos autos do Julgamento dos Médicos, verificamos que havia uma divisão
administrativa entre os serviços médicos civis e militares alemães durante o
regime nacional socialista, sendo que havia uma coordenação-geral política
centralizada no Comissariado do Reich pra a Saúde e a Higiene. Concluímos que
os principais médicos acusados de crimes de guerra e crimes contra a humanidade
relacionados à realização de experiências biomédicas eram membros de três
organizações principais: Serviço médico das SS, Serviço Médico da Força Aérea
alemã; e Serviço Médico do Exército alemão. Palavras–chave: Bioética, História da Medicina, Medicina Nacional Socialista. Introdução Vários estudos evidenciaram o papel ativo que os psiquiatras alemães e
austríacos, mais do que qualquer outra especialidade médica, exerceram nas
políticas nazistas de extermínio de pessoas cujas vidas eram consideradas
“indignas de serem vividas” conforme a concepção eugênica da ideologia Nacional
Socialista (FRIEDLANDER, 1995; BRUNE, 2001; SEEMAN,
2005; STROUS, 2006, 2007; KAMINSKY, 2014). A importância
de se conhecer a história da medicina alemã na época do nazismo reside no fato
de a Alemanha ter sido o país que liderou a vanguarda das descobertas teóricas
e técnicas da ciência médica no século XX (SEIDELMAN, 1995; WEIKART, 2014). Além disso, é fundamental compreender como os centros geradores da
excelência da ciência médica alemã, tais como universidades e institutos de
pesquisa, e os especialistas médicos mais voltados para o estabelecimento da
empatia, os psiquiatras, tornaram-se responsáveis diretos no incentivo e na
execução de políticas de extermínio de doentes mentais e na realização de
experimentos biomédicos criminosos durante o governo nazista (FRIEDLANDER,
1995; SEIDELMAN, 1995; HANAUSKE-ABEL, 1996; BRUNE,
2001; SEEMAN, 2005; STROUS, 2006, 2007; KAMINSKY, 2014). Ao contrário da visão comumente difundida, a comunidade médica alemã não
foi obrigada a se “nazificar” por meio de pressão
política (PROCTOR, 2000; STROUS, 2006; WEIKART, 2014). O próprio nazismo foi
quem se baseou ideologicamente nas concepções de higiene racial desenvolvidas
pela medicina alemã no final do século XIX (ANNAS, 2009; KAMINSKY, 2014). Segundo Zalashik
e Davidovitch (2012), seria um erro afirmar que a
medicina nazista foi um evento anômalo na história da medicina do século XX.
Pelo contrário, a medicina nazista pode ser considerada como uma forma
exacerbada do modelo cientificista e eugênico que já caracterizava a medicina
alemã e, por extensão, a medicina de outros países avançados, antes da ascensão
do nazismo ao poder na Alemanha na década de 1930 (ZALASHIK; DAVIDOVITCH, 2012;
KAMINSKY, 2014; WEIKART, 2014). Para melhor compreender como a medicina alemã em geral, e a psiquiatria
em particular, colaborou com a implementação das
políticas eugênicas e genocidas do Nacional Socialismo na Alemanha, deve-se,
preliminarmente, conhecer a estrutura organizacional da medicina na Alemanha
nazista. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi descrever a organização
da medicina nacional socialista alemã. Material e Métodos O presente estudo foi uma pesquisa documental quanto ao
procedimento. A pesquisa documental envolve o estudo de fontes primárias, isto
é, de documentos que ainda não passaram por tratamento analítico (SÁ-SILVA;
ALMEIDA; GUINDANI, 2009). Utilizou-se uma fonte primária a
transcrição completa dos autos do processo de julgamento dos médicos nazistas (The United States of America against Karl Brandt et al.) e de todas as
audiências de instrução e julgamento do Tribunal Militar Norte-Americano em
Nuremberg (EXÉRCITO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1949). Essa transcrição é
disponibilizada gratuitamente, na íntegra e no idioma oficial do Tribunal
Militar Norte-Americano (inglês e com a tradução oficial em inglês dos
depoimentos em alemão dos réus) pelo sítio da Escola de Direito da Universidade
de Harvard na rede mundial de computadores. Os arquivos digitais contendo a
transcrição dos autos do Julgamento dos Médicos foram copiados a partir do
sítio da Escola de Direito da Universidade de Harvard e salvos em formato
digital PDF em computadores portáteis. Resultados e Discussão De acordo com análise dos autos do Julgamento dos Médicos (EXÉRCITO DOS
ESTADOS UNIDOS, 1949), verificamos que havia uma divisão administrativa entre
os serviços médicos civis e militares alemães durante o regime nacional
socialista, sendo que havia uma coordenação-geral política centralizada no
Comissariado do Reich pra a Saúde e a Higiene. As principais instâncias políticas da medicina alemã foram,
sucessivamente, ao longo da Segunda Guerra Mundial, o Comissariado do Reich
para a Saúde e Higiene, cargo exercido pelo general-de-divisão
médico das Waffen-SS Karl
Brandt. Além de cirurgião renomado e professor universitário de prestígio na
comunidade médica alemã, Brandt também foi médico de escolta de Adolf Hitler e
membro do Conselho de Pesquisa do Reich (EXÉRCITO DOS ESTADOS UNIDOS, 1949). Por outro lado, os serviços médicos civis alemães se subordinavam tanto
ao Ministério do Interior quanto ao Partido Nazista. A principal instância
civil da medicina alemã era o Secretariado do Reich para a Saúde, subordinado
ao Ministério do Interior, e chefiado pelo médico Leonardo Conti.
Além desse cargo, Conti também possuía o título de
Líder da Saúde do Reich do Partido Nacional Socialista, sendo subordinado à
Chancelaria do Partido Nazista cargo chefiado pelo secretário pessoal de
Hitler, Martin Bormann (EXÉRCITO DOS ESTADOS UNIDOS,
1949). No que concerne ao braço militar da comunidade médica alemã,
identificamos que cada um dos três ramos das forças armadas alemãs tinha seu
próprio serviço médico (EXÉRCITO DOS ESTADOS UNIDOS, 1949). Durante a maior parte
da Segunda Guerra Mundial, o general-de-divisão
médico Siegfried Handloser,
acusado pela promotoria militar norte-americana de
crimes contra humanidade, era o chefe do serviço médico do exército alemão. A
partir de 1944, o general Handloser foi sucedido
nesse cargo pelo general médico Walter. Por sua vez, o chefe do serviço médico
da Força Aérea Alemã até 1943 foi o general Erich Hippke.
A partir de janeiro de 1944 até o fim da guerra, foi o general médico Schroeder. Observamos que, subordinados diretamente ao general médico Schroeder estavam sete outros réus do Serviço Médico da Força Aérea (general Gerhard Rose, general Oskar , primeiro-tenente Siegfried e os médicos civis Konrad e Hans-Wolfgang , respectivamente, do Instituto de Medicina de Aviação de Berlim e do Instituto Alemão de Experimentação em Aviação) acusados de crimes contra humanidade durante a realização de experimentos biomédicos em condições antiéticas e criminosas com prisioneiros de campos de concentração e de extermínio (EXÉRCITO DOS ESTADOS UNIDOS, 1949).SEEMAN, M.V.
(2005). Psychiatry in Nazi era. Canadian Journal of
Psychiatry, 50:218-225.
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