Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Maio de 2016 - Vol.21 - Nº 05 História da Psiquiatria HOMENAGEM A JORGE PAPROCKI POR FÁBIO LEITE ROCHA Walmor J. Piccinini Homenagem
a Jorge Paprocki por Fábio Leite Rocha Psiquiatria
On-line Brazil sentia-se em dívida com o Professor Jorge Paprocki. Descobrimos
que o Professor Fábio Leite rocha tinha proferido palavras muito afetuosas e
cheias de conteúdo na Homenagem que a Academia Mineira de Medicina prestara
àquele ilustre professor. Ele foi uma das presenças na Assembleia Geral que
fundou a ABP e fez parte da comissão nacional que redigiu os Estatutos da ABP.
Isto ocorreu em 13 de agosto de 1966, logo comemoraremos os cinquenta anos da
fundação e a pessoa de Jorge Paprocki será sempre lembrada. A primeira vez que
ouvi falar dele foi nos anos sessenta, encontrei na biblioteca da Clínica Pinel
sua tese de livre docência (Tratamento de Doentes Mentais em Ambulatório-1961)
que ele enviara para o Professor Marcelo Blaya. No
Índice Bibliográfico de Psiquiatria (www.biblioserver.com/walpicci)
coletamos 101 trabalhos do Professor Paprocki. Apresentamos com muito prazer a
palestra do Professor Fábio Leite Rocha sobre nosso homenageado o Professor
Paprocki. 28
de outubro de 2015, quarta-feira. Excelentíssimo
Senhor Dr. Cláudio Azevedo Salles, digníssimo presidente da Academia Mineira de
Medicina, Ilustres
Acadêmicos, Familiares
e amigos do Dr. Jorge Paprocki e dos demais homenageados, Senhoras
e senhores, Paprocki
formou várias gerações de psiquiatras. Tinha bons amigos. Ter sido convidado
para dizer essas palavras de adeus é, para mim, um privilégio, uma grande honra
e motivo de muita emoção. Esteve
presente em minha vida por 36 anos. Tenho 60. Isso significa que vivi a maior
parte de minha vida tendo-o como referência. Foi meu professor, terapeuta,
orientador, inspirador, coautor de publicações científicas e um grande amigo.
Foi o meu padrinho na entrada para esta Academia. Ainda
estudante de medicina, na primeira metade dos anos 80, já namorando a ideia de
ser psiquiatra, ouvia muito falar do grande Mestre. Entretanto, eu ainda não
compreendia a sua enorme importância. Essa
importância foi resumida por um dos seus discípulos com a frase: A História da
psiquiatria mineira divide-se em antes e depois de Paprocki. De
fato, Paprocki é considerado o patrono da psiquiatria moderna em nosso meio.
Foi seu agente modificador histórico. Mudou a trajetória da psiquiatria
mineira, a partir do final da década de 60, com sua atuação na direção do
Hospital Galba Veloso. Em 1968, fundou a primeira residência de psiquiatria de
Minas Gerais. Transformou o Galba em centro de excelência em assistência,
ensino e pesquisa. Instituiu o primeiro serviço de psicologia em hospital
psiquiátrico no Estado, o primeiro serviço de praxiterapia, o primeiro hospital
psiquiátrico com portas abertas e o primeiro ambulatório vinculado a hospital
psiquiátrico. Isso significa que Paprocki foi precursor da Reforma da
Assistência Psiquiátrica, muito antes do tema chegar em nosso meio. Além disso,
implementou um centro avançado de pesquisa em psicofarmacologia clínica que
obteve reconhecimento internacional. Em
1970, ano de fundação desta Academia, realizou o primeiro Congresso Mineiro de
Psiquiatria. Em seguida, realizou o primeiro Simpósio Sobre Depressão. Esses
eventos propiciaram o estabelecimento de intercâmbio de psiquiatras mineiros com
psiquiatras de outros estados, inexistente até aquela época. A fundação da
Residência do Galba colocou em marcha movimentos para a fundação de novas
residências: André Luiz, Santa Clara, IPSEMG e Hospital das Clínicas. Ressalte-se
que, por vários anos, ele foi o único psiquiatra brasileiro a ser referenciado
em manuais internacionais de psicofarmacologia. Foi autor de grande número de
artigos científicos, publicados em revistas nacionais e internacionais. Toda
essa revolução comandada por Paprocki representou o fim da formação autodidata
de psiquiatras em nosso meio e o início da formação institucionalizada. Recentemente,
tive o prazer de acompanhá-lo a São Paulo. Foi convidado pelo professor
Valentim Gentil Filho, titular da USP, para participar de um importante projeto
sobre a História da Psiquiatria Brasileira. Neste projeto, personagens ilustres
da psiquiatria fazem depoimento em vídeo acerca de sua história e seu
testemunho do desenvolvimento da psiquiatria no Brasil. Paprocki é parte
importante dessa história. Recebeu
inúmeros títulos e homenagens ao longo de sua carreira. Entre os mais recentes
estão: 2009
– Foi homenageado pela Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais, com
emissão de selo comemorativo, pelo transcurso de 40 anos da fundação da
primeira Residência de Psiquiatria do Estado de Minas Gerais; 2010
– Foi promovido a Membro Emérito da Academia Mineira de Medicina; 2011
– Recebeu a Medalha Israel Pinheiro, do Instituto Histórico e Geográfico de
Minas Gerais; 2012
– Foi homenageado como Personalidade Médica Mineira 2012, outorgado pela
Associação Médica de Minas Gerais, Conselho Regional de Medicina, e Sindicato
dos Médicos. Em 2012, também recebeu a Comenda “Honra a Ética” do Conselho Regional
de Medicina; 2013
– Foi criado o “Diploma ao Mérito Jorge Paprocki”, pela Associação Acadêmica Psiquiátrica
de Minas Gerais, com o objetivo de homenagear psiquiatras mineiros destacados. Paprocki
tinha várias qualidades. Era excepcionalmente inteligente, tinha memória prodigiosa,
era muito perspicaz, possuía cultura ampla, era muito estudioso, possuía grande
generosidade e cordialidade, era carismático e dono de um humor fino incomum. Quando
comentava com ele sobre algumas dessas suas qualidades, muitas vezes dava
crédito às suas origens. Paprocki nasceu em Lublin, na Polônia. Veio para o
Brasil aos 13 anos, com sua família. Quando
eu o elogiava em relação à sua generosidade, falava do costume polonês de, na
ceia de Natal, deixar uma cadeira desocupada à mesa para “alguém que chegasse
inesperadamente”: um viajante, um amigo ou um familiar que batesse à porta. O
gesto simboliza a tradição polonesa de hospitalidade e de inclusão. Impressionava-me
muito a sua tenacidade e capacidade de enfrentar as adversidades da vida. Ele
explicava, recordando a sua origem polonesa e as lutas de seu país. Sabe-se que
nenhum outro povo da Europa Moderna travou tantas batalhas para conseguir a
liberdade, a autonomia e a independência nacional. Isso contribuiu para que os
poloneses fossem reconhecidos por sua tenacidade, bravura e lealdade. Sobre
a sua vasta cultura, dizia que o seu pai era um leitor contumaz, que sempre
incentivava o hábito da leitura. Paprocki
não envelhecia. Morreu jovem aos 89 anos. Uma idade em que muitas pessoas já encaram
o controle remoto da televisão como um painel de Boeing 737. Paprocki tinha o
seu computador, o seu tablet e o seu smartphone. De vez em quando, me
mostrava algum aplicativo interessante que havia descoberto. Mais que isso,
exemplo de sua juventude, Paprocki lançou em outubro de 2014, no ano passado,
aos 88 anos, o seu blog, onde postava textos, suas aulas e notícias médicas.
Entre várias preciosidades, com seu humor peculiar, escreveu suas “Sugestões para Médicos com Menos de 65 Anos
que Aspirem Envelhecer com Elegância e Dignidade”. Na
introdução, dirige-se aos médicos: “Durante o seu curso médico você adquiriu,
presumivelmente, excelentes conhecimentos médicos, bom adestramento técnico e
noções de ética. As faculdades de medicina somente propiciam ensino
profissionalizante. Não propiciam um aculturamento amplo e, tão pouco, ensinam
boas maneiras e bom gosto. Se você não foi orientado por seus pais ou outros
mentores, quando criança e adolescente, possivelmente permaneça como entrou na
faculdade, isto é, habitualmente inculto, rude e com gosto duvidoso, ainda que
com excelente qualificação profissional.” Paprocki
continua: “A seguir são enumeradas algumas atividades que poderão ajudá-lo a
superar certas dificuldades no plano de aprimoramento social e cultural.” Selecionei
alguns trechos: ·
Procure aculturar-se, permanentemente, até o fim de
sua vida: leia bons livros, assista boas peças teatrais e bons filmes; ouça boa
música, erudita
ou popular; visite bons museus e realize boas viagens. Tudo isso costuma ser
melhor quando efetivado em boa companhia; ·
Cultive algum “hobby”: pintura, música,
percussão, canto, dança, teatro, culinária, jardinagem. O “hobby”
ideal deve envolver alguma atividade manual e deve proporcionar prazer. Brinque
de músico, de pintor, de jardineiro ou de cozinheiro. O resultado ou o produto
final dessas atividades é pouco relevante. O importante é o aspecto lúdico e o
prazer auferido por você, não pelos outros; ·
Procure não parar de trabalhar em sua área de
atuação médica, enquanto continuar sendo procurado por clientes. Reduza
seu ritmo de trabalho, paulatinamente, de acordo com suas possibilidades
físicas e psíquicas; ·
Não faça relatos acerca das suas façanhas
acadêmicas, científicas e sexuais para pessoas que não pediram essas
informações. Se você tem o hábito de contar anedotas, preste o
máximo de atenção para não repeti-las para as mesmas pessoas. Fale menos e
escute mais. Se conseguir, a maioria vai achar que você é um excelente papo. E uma última sugestão: ·
Assuma sua calvície e os seus cabelos brancos. A maior
parte das mulheres, de bom gosto, costuma afirmar que essa é uma atitude mais
aceitável e elegante do que tentar implantes ou tingir os cabelos. Raspar a
cabeça somente é aconselhável para aqueles que têm um biótipo adequado. Evidentemente,
Paprocki seguia suas próprias recomendações. Seu hobby era a pintura. Contava
que sua atração pela pintura surgiu ainda na adolescência. Chegou ao Brasil aos
13 anos de idade. O seu pai era fotógrafo profissional. Acompanhava-o em
sessões fotográficas e ajudava-o a retocar as fotos. Essa atividade levou-o a
estudar desenho. Mais tarde, passou para a pintura. E para
não perder o bom humor, brincava: “Quando os pacientes pararem de me procurar
no consultório, vou me tornar pintor na “Feira Hippie” de Belo Horizonte; vou
pintar minhas telas ao ar livre”. E completava: “Quem comprar uma tela, ganha
uma consulta grátis”. Por
várias vezes, Paprocki me disse que a sua entrada para essa Academia fora uma
das melhores coisas de sua vida nos últimos anos. Sentia-se estimulado e
gratificado em privar-se com pessoas inteligentes, dedicadas, diferenciadas, e
que muito fizeram pela Medicina. Sentia-se rejuvenescido. Participava com
assiduidade e entusiasmo das atividades da Academia. Procurava dar
contribuições efetivas para o crescimento dessa casa. Particularmente, sua
presença nas reuniões da Academia era sinônimo de observações inteligentes e
originais. Entre os seus desejos, pediu para ser enterrado com a beca da
Academia. Extremamente
cuidadoso com seus pacientes, preparou uma síntese da história psiquiátrica de
cada um daqueles em tratamento com ele para que, após o seu falecimento, a continuidade
do tratamento se desse sem maiores transtornos. Tenho recebido vários desses
pacientes. Todos falam dele com carinho e gratidão. Volta e meia, ouço a frase:
“Paprocki foi um pai para mim”. Paprocki
deixou uma bonita família: sua mulher Olga, seus filhos Jorge e Henrique, os
netos Alechandre, Gabriel e David, os bisnetos Pedro e Matheus e as noras
Regilaine e Virgínia. Senhoras
e senhores, gostaria de concluir enfatizando que Paprocki era brilhante um
esteta. Seu hobby era a pintura. Com as tintas de sua criatividade, colocava na
tela da vida os traços da palavra precisa, ousada e bela. Cativava as pessoas
com a arte de sua inteligência e cultura. Suas palavras encantavam. Foi
um profissional diferenciado, um farol que iluminou direta ou indiretamente
várias gerações de psiquiatras. Na realidade, Paprocki iluminou a própria
Psiquiatria. A
mim, iluminou a minha vida, com uma luz que não se apaga. Muito
obrigado. Fábio
Lopes Rocha Membro
Titular da Academia Mineira de Medicina Link para download de uma apresentação power point com fotos do professor Jorge Paprocki
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