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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Fevereiro de 2016 - Vol.21 - Nº 02

História da Psiquiatria

LOUCURA E PSEUDO-PACIENTES

Walmor J. Piccinini

Introdução

      Uma das mais bem sucedidas estratégias de ataque à Instituição Hospitalar Psiquiátrica foi e é associá-la com o termo “Manicômio” cujo significado passou a ser o de uma masmorra medievais onde pobres infelizes eram submetidos a maus tratos e sofrem violências dos mais coloridos matizes. A pedra de toque é comparar com a tortura por meios políticos. Pouco se comenta sobre a deliberada asfixia dos hospitais psiquiátricos que são obrigados a se adaptar a um orçamento cada vez menor ficando sem condições de dar um tratamento digno aos que dele necessitam. Já são por demais conhecidas as consequências desta política, desinstitucionalização, trans-institucionalização e abandono nas ruas das grandes cidades.

      A curiosidade sobre a vida dentro dos hospitais é assunto recorrente e assunto para “louco”. Partia-se da falsa concepção que só louco iria ser colocado dentro de hospitais a ele destinado. Na realidade, o hospital sempre foi um local de abrigo, a aceitação de uma pessoa dentro dele nem sempre era motivada por loucura. Em Porto Alegre, por exemplo, na famosa enchente de 1941, muitas famílias desabrigadas foram alojados no Hospital Psiquiátrico São Pedro. Pessoas perseguidas pelo regime militar foram “internadas” para sua proteção. Pais de família aceitavam a internação com objetivo de benefícios previdenciários. Outros mais práticos forçavam a internação para ter banho quente e três refeições diárias. Famosa era a frase colocada em alguns hospitais

“nem todos que estão, são e nem todos que são estão”.

 

A experiência de Nely Brown

    Recentemente me deparei com um livro pioneiro neste tipo de experiência. Trata-se das aventuras de Nellie Blythe, uma repórter investigativa de um jornal nova-iorquino de nome World. Ela criou um personagem que foi considerada louca e internada no Asilo de Blackwell, numa ilha de Nova York. Ela escreveu uma série de reportagens que originaram o livro que li. Ten days in a Mad House (NY Ian l. Munro editor. 1836).

   Um pequeno extrato do livro de Nellie. "From the moment I entered the insane ward on the Island, I made no attempt to keep up the assumed role of insanity. I talked and acted just as I do in ordinary life. Yet strange to say, the more samely I talked and acted the crazier I was throught to be by all except one physician, whose kindness and gentle ways I shall not soon forget".

    A parte mais complicada do plano de Nellie foi conseguir ser enviada ao Asilo Blackwell. Lá ela encontrou algumas mulheres que estavam internadas por não saberem bem a língua, uma era francesa, outra era alemã, mas todas essencialmente pobres. Na época não havia tratamento, as mulheres eram mantidas como prisioneiras aos cuidados de freiras ignorantes. O registro mais contundente era de banhos frios, comida rala e tratamento brusco.

Depois que Nellie sai de Blackwell as reportagens criou um claro público. A prefeitura aumentou a verba para o asilo e foram melhoradas as condições hoteleiras.

Experimento Rosenhan (http://psychrights.org/articles/rosenham.htm)

Muitos anos depois (1969) e com muito mais repercussão aconteceu o experimento Rosenhan que resultou num artigo publicado pela Science em 1973. ( David L. Rosenhan, “On Being Sane in Insane Places,” Science, Vol. 179 (Jan. 1973), 250-258.). Este experimento criticou de uma maneira inteligente o uso do diagnóstico psiquiátrico como forma discriminatória e aplicado sem critério.

O psicólogo David Rosenham (Da Universidade de Stanford) e um grupo de colaboradores sadios (sete voluntários) se apresentaram como pseudopacientes com a queixa de alucinações auditivas e tentaram obter internamento em doze hospitais psiquiátricos em cinco estados americanos. O grupo de pseudopacientes era formado por três psicólogos, um pediatra, um psiquiatra, um pintor, uma dona de casa. Cinco homens e três mulheres. A única queixa era que ouviam vozes e algumas alegações de "vazio", "oco", "abatimento". Para surpresa geral, todos foram admitidos. Onze receberam diagnóstico de esquizofrenia, um com psicose maníaco-depressiva. Ficaram internados de sete a cinquenta e dois dias, com uma média de 19 dias. Muitos pacientes reais declararam sua suspeita de que os novos colegas não eram doentes. Já nos cuidadores, atitudes normais, como tomar notas, foram catalogados como sintomas da doença. Segundo os pseudopacientes, o contato com o pessoal do hospital foi de seis minutos por dia.

   Uma prestigiosa instituição desafiou Rosenhan a enviar pseudopacientes assegurando que seriam descobertos. Aceito o desafio, Rosenhan não enviou nenhum pseudopaciente. Já a instituição desafiadora catalogou 41 pacientes como impostores e 42 como suspeitos de um universo de 193 pacientes.

    Rosenham e sua equipe deixaram bem claro no seu projeto, que seu objetivo não era o de ridicularizar as instituições, que sua missão era a de questionar a capacidade da psiquiatria para distinguir a psicose de traços comuns das pessoas. Na entrevista de admissão todos os voluntários asseguraram ouvir ruídos e vozes o que determinou sua admissão com diagnóstico de esquizofrenia e transtorno bipolar. Uma vez dentro da instituição os participantes da investigação começaram a afirmar que não tinham sintomas e começaram a se comportar normalmente. Mesmo assim foram receitados psicofármacos.

Rosenhan concluiu: “Ficou claro que não podemos distinguir o sadio do doente nos hospitais psiquiátrico. O hospital em si mesmo impõe um ambiente especial em que o significado da conduta pode ser facilmente distorcido. As consequências para pacientes hospitalizados em tal meio- a impotência, a despersonalização, segregação, a rotulação parecem claramente contra terapêutica. Uma vez diagnosticado esquizofrênico não há nada que o pseudopaciente pode fazer para retirar o rótulo.". Mais adiante conclui que "qualquer processo diagnóstico que pode conduzir a erros desta grandeza não pode ser confiável".

A pesquisa e suas conclusões provocaram como era de se esperar, muita alegria nas hostes anti-psiquiátricas e desconforto e crítica entre psiquiatras. Por exemplo:

Seymour Ketty (1974) criticou a farsa de Rosenham com considerações válidas: "Se eu beber uns 250 ml de sangue e, escondendo o que fiz, chegar a uma emergência hospitalar de qualquer hospital vomitando sangue, a conduta da equipe médica será bem previsível. Se eles me diagnosticarem e tratarem como se eu estivesse um sangramento por úlcera péptica, eu duvido que a ciência médica não saberia como diagnosticar tal condição." (‘From Rationalization to Reason’ inAmerican Journal of Psychiatry #131)

Robert Spitzer (1976) comenta que o diagnóstico ‘Schizophrenia - in Remission’ que teria sido atribuído aos pseudopacientes, é raro.Ele examinou os registros de alta de pacientes esquizofrênicos em hospitais psiquiátricos de 12 estados americanos e o achou em 11 deles que o diagnóstico "Esquizofrenia em Remissão" nunca era usado ou fora usado em raros pacientes durante cada ano. Concluindo seu ponto de vista, Spitzer afirma que o diagnóstico de alta utilizado pelos psiquiatras foi consequência da conduta dos pseudopacientes e não pelo fato de que os psiquiatras não soubessem dizer que eram normais.

Embora os pseudopacientes tentassem registrar suas observações objetivamente, quase que inevitávelmente teriam certa subjetividade influenciada por suas emoções.

Spitzer chamou a atenção para o problema ético de realizar uma pesquisa sem consentimento do pessoal do hospital embora o fato possa ser minimizado pela ausência de pessoas nomeada no estudo de Rosenham

Outro problema ético do estudo de Rosenham foi abrir uma crise de confiança no sistema de saúde mental que poderia ter inibido a procura dele por parte do público.

Os psiquiatras apontam que o DSM foi revisado várias vezes desde que o estudo foi publicado e que os critérios diagnósticos foram melhorados consideravelmente. Rosenham se posicionou contra o DSMII (1968); é menos provável que seus pseudopacientes pudessem burlar o DSMIII (1980) no qual as alucinações deveriam se repetir muitas vezes ou  no DSM IV(1994) em que ouvir vozes devem ser experimentadas por mais de mês antes que um diagnóstico de Esquizofrenia possa ser feito.Com o DSMV os critérios ficaram ainda mais claros.

 

Nos anos 60, os psiquiatras Europeus, principalmente os ingleses diziam que os americanos não sabiam diagnosticar. O diagnóstico de psicose maníaco-depressiva era raro. A introdução dos antipsicóticos provocou uma revolução no atendimento hospitalar e no diagnóstico. Os DSM vieram na esteira destes tratamentos.

Estas considerações sobre pseudopacientes perderam a razão de ser, pois nos tempos atuais nem  os pacientes verdadeiros encontram local para se tratar. Nos EUA os números variam, mas podemos afirmar que cerca de 13% dos prisioneiros das cadeias e presídios americanos são doentes mentais. Calcula-se algo em torno de 650.000 indivíduos. Parece incrível, mas este número era o de doentes mentais quando por lá aconteceu a revolução dos psicofármacos. Voltamos ao século XVIII onde os pobres eram recolhidos às prisões, os ricos sofrendo "dos nervos" eram recolhidos às casas de saúde da época.

 

 


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