![]() ![]() Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Janeiro de 2016 - Vol.21 - Nº 01 História da Psiquiatria LOUCURA ENTRE OS ÍNDIOS BRASILEIROS Walmor J. Piccinini O título deste artigo poderá criar certa
perplexidade aos leitores. Como “loucura” entre os índios? Para muitos os indígenas seriam modelos de
saúde não fosse o contato com o homem branco. A estressante vida moderna no
mundo civilizado seria responsável pelo estresse e pela “loucura”. Muitos pensadores e muitos psiquiatras do
século XIX defendiam a ideia que a “loucura” seria rara nos povos primitivos e
que aumentava com o processo civilizatório. Ao longo do século XIX e paralelamente à
expansão do colonialismo inglês, francês e alemão, os alienistas das colônias
começaram a perceber melhor os contrastes entre pacientes vistos lá e aqueles
visto na Europa. Eles começaram a descobrir doenças mentais que eram restritas
a povos primitivas, tais como o amok e o latah, entre os nativos de Java; koro,
entre os chineses em Java; o myriath, na Sibéria, piblokto entre os esquimós,
etc. Assim, nasceu uma nova abordagem, a assim chamada "psiquiatria
cultural do exótico", a qual evoluiu até o presente conceito de síndrome
delimitada pela cultura ("culture-delimited syndrome"). (Paulo
Dalgalarrondo em Civilização e Loucura). Neste mesmo
trabalho Paulo Dalgalarrondo conclui: Não é absurdo pensar que o "louco selvagem"
funcionaria como uma mancha de Rorschach na qual o imaginário ocidental
"projeta" sem pudor as suas fantasias, seus temores, seu racismo e
preconceitos etnocêntricos. Os inícios da etnopsiquiatria revelam,
frequentemente, apenas uma sombra deformada do homem exótico e seu adoecimento
psíquico. A lente que o branco civilizado utiliza deforma profundamente seu
objeto, tanto por necessidades e interesses políticos e ideológicos, como pela
pregnância de noções étnicas profundamente arraigadas no pensamento ocidental. Manifestações psicóticas, depressão,
histeria, suicídio são referidos em vários artigos e reportagens sobre os
indígenas brasileiros. Antes de entrarmos nas manifestações de
doença mental entre os índios brasileiros temos que esclarecer um ponto básico.
Índios foi uma denominação dos portugueses aos nativos do continente americano.
Eles imaginaram ter chegado à Índia e consequentemente seus habitantes
receberam a alcunha de índios, indígenas. Logo se torna imperioso afirmar que
sobre este título índios, temos indivíduos de diferentes etnias, com marcadas
diferenças físicas e diferentes graus de desenvolvimento intelectual. Alguns autores
falam que, por ocasião do descobrimento existiriam de Dois a quatro milhões de
indígenas no Brasil e que, atualmente, estariam reduzidos a 900 mil. Eles
estariam distribuídos em 240 tribos, a maior parte na Amazônia. O Governo
Federal distribuiu terras aos índios, são os chamados territórios indígenas. Existem
cerca de 690 territórios que abrangem cerca de 13% do
território brasileiro. (http://www.survivalinternational.org/povos/indios-brasileiros). Deste site
tiramos esta observação: “Apesar de cerca de metade dos índios brasileiros
viverem fora da Amazônia, essas tribos ocupam somente 1,5% da área total
reservada para os índios no país”. “Os povos que
vivem nas savanas e florestas atlânticas do sul, como os Guarani e os
Kaingang, e o interior seco do Nordeste, como os Pataxó Ha Ha Hãe e os
Tupinambá, estavam entre os primeiros que foram contatados pelos colonizadores
europeus quando eles desembarcaram no Brasil em 1500”. Apesar das
centenas de anos de contato com a sociedade de fora, na maioria dos casos os
índios lutaram para manter sua língua e costumes em face do roubo e invasão das
suas terras, que continua hoje. A maior tribo
hoje é dos Guaranis, com uma população de 51.000, mas eles têm muito pouca
terra agora. Durante os últimos 100 anos, quase toda a sua terra foi roubada e
transformada em fazendas de gado e plantações de soja e cana de açúcar. Algumas comunidades estão morando em reservas superlotadas, e
outras vivem sob lonas em beiras de estradas”. As pessoas com o
maior território são os Yanomami, um povo relativamente isolado com uma
população de 19.000, que ocupam 9,4 milhões de hectares no norte da Amazônia. A maior tribo
amazônica no Brasil é os Tikuna, que somam 40.000. O menor é composto por
apenas um homem, que vive em um pequeno pedaço de floresta cercado por fazendas
de gado e plantações de soja na Amazônia ocidental, e ilude todas as tentativas
de contato. Muitos povos
amazônicos numeram menos de 1.000. A tribo Akuntsu, por exemplo, agora é
composta por apenas cinco pessoas, e os Awá apenas 450. O que determinou
a redução significativa da população indígena? São formuladas
hipóteses de genocídio, de falta de resistência às moléstias trazidas pelos
colonizadores e escravidão pura e simples. Estudos de DNA da
população brasileira mostra uma grande disseminação de DNA indígena na
população brasileira. O encontro do europeu com o índio criou um potencial de
risco para o segundo. Nas cartas do Padre Vieira ele se queixava do intenso
acasalamento dos descobridores com as nativas. Alguns personagens da história
colonial foram fruto desta união. Com a chegada dos escravos da África a
mistura se tornou mais complexa. Índios aldeados e índios selvagens. O
caboclo com mais ou menos sangue indígena, os índios assimilados, mestiços ou
aculturados. Temos uma grande gama de interações com o homem branco. Vários
escritos se referem à Aldeia São Lourenço, a primeira aldeia missionária
fundada em 1568 e que se manteve até 1866 quando foi declarada extinta por ter
perdido sua importância devido ao grau de civilização e mistura dos seus
habitantes indígenas. Os portugueses denominaram de Tupis, os índios “amigos” e
Tapuias aos índios do sertão e “inimigos”. Os indígenas como outras minorias,
tornaram-se foco de disputa política e de exploração econômica. Existe a
preocupação com a ocupação de áreas de terras fronteiriças em que, segundo
alguns, existiria o real perigo de ser objeto de
intervenção estrangeira no Brasil. Um conhecido jornalista, já falecido,
despertou a ira dos defensores dos índios ao denunciar uma possível farsa em
torno da questão indígena. (http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/ianoblefe.html). Apesar dos muito anos de contato com a sociedade de fora, os índios
lutaram para manter sua língua e costumes. A maior tribo
hoje é dos Guaranis, com uma população de 51.000. Os índios com o
maior território são os Yanomami. (Um
povo relativamente isolado com uma população de 19.000, que ocupam 9,4 milhões
de hectares no norte da Amazônia e sul da Venezuela). A maior tribo
amazônica no Brasil é os Tikuna, que somam 40.000. O menor é composto por apenas
um homem, que vive em um pequeno pedaço de floresta cercado por fazendas de
gado e plantações de soja na Amazônia ocidental, e ilude todas as tentativas de
contato. Muitos povos
amazônicos numeram menos de 1.000. A tribo Akuntsu, por exemplo, agora é composta
por apenas cinco pessoas, e os Awá apenas 450. Como vimos, sob
a denominação de índios temos muitas etnias, com grandes diferenças entre eles,
desde o porte físico, da linguagem e costumes. Diferentes características no
desenvolvimento e de primitivismo. Sua presença na literatura, na história,
quase sempre é vista de uma forma positiva. Os índios não teriam defeitos, os
brancos europeus é que são responsáveis por tudo que de mal possam apresentar.
Há uma grande dificuldade de avaliar corretamente suas características
positivas ou negativas. Uma resposta que me ocorre para que isto aconteça está na sucessão de relatos feitos pelos primeiros
“escritores” ligados ao Brasil. Tudo começou com a carta de Pero Vaz Caminha
com uma visão muito positiva sobre os “fremosos” índios e sobre a nova terra
recém-descoberta. Primeiros relatos do Brasil na visão
de Caminha Notícia
da terra achada, insere-se em um gênero copiosamente
representado durante o século XV em Portugal e Espanha: a literatura de viagens
( 4 ). Espírito observador, ingenuidade
(no sentido de um realismo sem pregas ) e uma transparente ideologia
mercantilista batizada pelo zelo missionário de uma cristandade ainda medieval:
eis os caracteres que saltam à primeira leitura da Carta e dão sua medida como
documento histórico. Descrevendo os índios: A feição deles é serem pardos maneiras
d'avermelhados de bons rostos e bons
narizes bem feitos. Andam nus sem
nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa cobrir
nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de
mostrar o rosto. Atenuando
a impressão de selvageria que certas descrições poderiam dar: Eles, porém contudo
andam muito bem curados e muito limpos e
naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses que lhes
faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as
mansas, porque os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão fremosos que não pode mais ser. A conclusão é edificante: De ponta a ponta é toda praia... Muito
chã e muito fremosa. ( . . . ) Nela
até agora não pudemos saber que haja ouro nem prata... Porém a terra em si é de
muito bons ares assim frios e temperados como os de Entre-Doiro-e-Minho. Águas
são muitas e infindas. E em tal maneira
é graciosa que querendo-a aproveitar, dar-se-â nela
tudo por bem das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode fazer me
parece que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que vossa
alteza em ela deve lançar. Há na
obra descrições breves, mas vivas de costumes indígenas: a poligamia, a
"couvade", as guerras e os ritos de vingança, a antropofagia. Nem faltam passagens pitorescas; no capítulo
"Das plantas, mantimentos e frutos que há nesta Província", fazem-nos
sorrir certos cinzeles do cronista maravilhado com a flora tropical: Cf. Sérgio Buarque de Holanda - Visão do
Paraíso. Os Motivos Edênicos no Descobrimento e Colonização do Brasil, Rio,
José Olympio, 1959. Dos
textos de origem portuguesa merecem destaque: a) A Carta de Pêro Vaz de Caminha a El rei
D. Manuel, referindo o descobrimento de uma nova terra e as primeiras
impressões da natureza e do aborígine; b) Diário de Navegação de Pêro Lopes e
Sousa escrivão do primeiro grupo colonizador, Martim
Afonso de Sousa (153O ); c) O Tratado da Terra do Brasil e a História
da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil de Pêro Magalhães
Gândavo (1576 ) ; d) A Narrativa Epistolar e os Tratados da
Terra e date do Brasil do jesuíta Fernão Cardim
(a primeira certamente de 15o3); de e ) O Tratado Descritivo do Brasil de Gabriel Soares
Sousa (15o7); f ) Os Diálogos das Grandezas do Brasil de
Ambrósio Fernandes Brandão ( 1618 ) . g) As Cartas dos
missionários jesuítas escritas nos dois
primeiros séculos de catequese ); dos Gentios do Pe. Manuel da Nóbrega; h) O Diálogo sobre a Conversão de Salvador
(1627 ) . i) A História do Brasil de Fr. Vicente Como
agradecimento a excelente revisão da literatura feita por Baida e Chamorro vai
transcrever parte do seu trabalho “DOENÇAS
ENTRE INDÍGENAS DO BRASIL NOS SÉCULOS XVI E XVII Rosangela Baida1 Acadêmica do
curso de Ciências Sociais Cândida Graciela Arguello
Chamorro2 Professora de História Indígena FCH/UFGD”. Revista História em Reflexão: Vol.
5 n. 9 – UFGD - Dourados Como bem
expressa o jurista José Martins Catharino (1995: 80), em sua obra Trabalho
índio em terras de Vera ou Santa Cruz e do Brasil: Tentativa de resgate ergológico,
a exposição indígena às severidades e mudanças do meio ambiente foi tanto
responsável pela resistência indígena quanto pela sua vulnerabilidade às
doenças. Quanto ao uso dos dados levantados nesta pesquisa
cabe dizer que esses dados serão, em primeira instância, de muito proveito para
o estudo das doenças nos povos indígenas guarani falantes dos séculos XVI e
XVII, assim como para um estudo comparativo das doenças nas comunidades kaiowá,
guarani e mbyá na atualidade com grupos indígenas guarani parlantes chamados
históricos. DOENÇAS ENTRE INDÍGENAS DO BRASIL NOS SÉCULOS
XVI E XVII - por Rosangela Baida e Cândida Graciela
Arguello Chamorro Revista História em Reflexão: Vol. 5 n. 9 – UFGD - Dourados
jan/jun 2011 Evocando a autoridade do médico Guilherme
Piso sobre as doenças indígenas na colônia, Santos Filho (1977: 39) resolve o impasse indicado acima ao afirmar que as doenças mais
frequentes no “Brasil holandês e, por extensão, sem a menor dúvida na parte
territorial dominada pelos portugueses” eram “lues, maculo, disenterias, ‘ar de
estupor’, catarros, opilação, dermatoses, verminoses, febres, espasmos, bouba,
tétano, tosses, verminoses, hemeralopia, a parasitose provocada pelo
‘bicho-de-pé’, e doenças, próprias das mulheres e crianças”. Segue uma
breve descrição dessas doenças, sendo que as epidêmicas serão descritas
posteriormente. Lues É relevante considerar que, segundo as
fontes, a sífilis entre os indígenas fazia com que os infectados, desesperados,
fugissem para as matas de onde não mais se tinha notícias de sua cura. Desde o
século XIX, a constatação da inexistência da doença entre indígenas não contatados
é um argumento que pesa em favor da sífilis ser uma doença introduzida pelos
europeus no Brasil. Catarros/Tosses: Nos relatos constam que os povos
indígenas eram acometidos de afecções catarrais, que podiam estar
associadas ou não às gripes introduzidas pelos europeus. Dermatoses: Santos Filho
(1977: 106) fala de ulcerações, boubas, ferimentos,dermatoses
e frialdades que acometiam os indígenas. Esses males podem ser
agrupados aqui sob dermatose. Bouba: manifestava-se como uma ferida na
pele, e ao se assemelhar a uma framboesa era também chamada de framboesa
trópica. Segundo Santos Filho (1977: 186), André de Thevet foi o primeiro autor a
registrar a doença nas populações indígenas americanas,10
associando-a indevidamente “às desordens sexuais”. A doença era, na visão de alguns autores,
endêmica no Nordeste do Brasil já antes de 1500, sendo designada na língua tupi
de ‘piã’ e ‘miã’ ou ainda de parangi ou
patek. De forma que Santos Filho, apoiado em Gabriel Soares de Sousa,11 afirma que o piã12 já existia no Brasil
antes da colonização. Ele encontra na fonte seiscentista a suspeita de que a doença era transmissível, sendo os índios
muito propensos a adquiri-la: “Muito sujeitos a doenças das boubas, que se pega
de uns aos outros, mormente quando são meninos”. Gabriel Soares de Souza “chegou mesmo a
apontar um agente transmissor, o mosquito nhitinga’”, que, segundo Artur
Neiva - na sua obra Medicina no Brasil (Santos Filho, 1977: 186, Nota de Rodapé n° 49), - era um díptero do gênero Hippelates,
que através de sua peçonha também enche as pessoas de boubas. A
doença era tratada ainda, segundo o registro de Gabriel Soares de Souza, com a
aplicação do jenipapo nas áreas afetadas, de modo que, a tinta da fruta secava
as feridas das pessoas doentes. Tudo indica que as associações da bouba com a
relação sexual (atos venéreos e lascívia) identificaram erroneamente a doença
com a sífilis. A respeito desse assunto, é esclarecedor a avaliação de Santos Filho (1977: 186) “A propagação pelo coito foi citada
pela maioria dos autores, todos unânimes em confundir a bouba - causada pelo Treponemapertenue
(Castellani, 1905) - com o morbo gálico, devido este ao Treponema
pallidum(Schaudinn e Hoffmann, 1905). E essa confusão contribuiu bastante
para a crença de que a sífilis era originária da América”. Verminose/Maculo: O maculo era uma parasitose
intestinal que criava úlcera e inflamação do ânus. O Prof. J. M.
Rezende, médico e historiador da Universidade Federal de Goiás e membro da
Sociedade Brasileira e Internacional de História da Medicina escreveu que a
doença era “comum entre os escravos africanos no Brasil colonial e que, eventualmente, podia acometer também os indígenas
e os colonizadores brancos”. A doença tinha várias denominações populares como
"achaque do bicho", "enfermidade do bicho", "corrupção
do bicho", ou simplesmente "corrupção",
"mal-do-sesso", "relaxação do sesso". Os indígenas a
chamavam de Teicoaraíba, e, entre os hispanoparlantes, era conhecida por ‘el bicho’, ‘mal del culo’,
‘bicho del culo’, ‘enfermedad del guzano’. Dentre as denominações eruditas
encontramos ulcus et inflammatio no jargão de
Guilherme Piso, inflammatio ani em von Martius, e retite
gangrenosa epidêmica em Manson. Segundo Piso (1957: 114), esta verminose já
era conhecida na Angola e em outras terras quentes das índias. Outrora, os
habitantes do Brasil teriam sido totalmente imunes a ela. A doença podia ser
precedida de fluxos diarreicos, com calor intestinal, ou podia aparecer por si,
sem alguma doença prévia. Piso (1957: 115) conferiu que frequentemente essa verminose causava prisão de ventre,
que provocava dores atrozes seguidas de febres,lassidões, insônias,
perturbações do estômago, principalmente dores e ardores na cabeça. Ele aconselha que, nesses casos, antes que o
mal se espalhe, resista-se-lhe com remédios internos, laxantes e refrigerantes. Febres: Com o lema “febres” aludia-se
provavelmente a várias doenças, inclusive às novas patologias. Assim, há
registros de enfermos com febre, de meninos aos quais,quando têm febre, lhe
sarjam as pernas, de pessoas vítimas da varíola atormentadas por “forte dor de
cabeça” e consumidas por “temperatura ardente” (Métraux. 1979,
p. 75). O próprio maculo é uma doença que começava com dores de cabeça e
febre ardente (Catharino, 1995, p. 486). Além do máculo, a varíola e o sarampão
também impunham febres que flagelavam os povos aborígenes. Tétano: As mordeduras de cobra e animais
venenosos acarretavam grandes riscos para a vida e prostrava os índios, vítimas
de tétano, dores, infecções e mutilações. Há que se levar em
conta a hostilidade da natureza sobre a pele e o corpo indígena. Junto às mordidas de animais peçonhentos e aos
acidentes na mata e na luta com animais maiores, devem ser consideradas também
as picadas de insetos. Nesse sentido, o vocabulário organizado pelo irmão José
Gregório (1980: 1213-1214) ressalta que os povos chamados genericamente, tupi e guarani, se defendiam da luz
solar e evitavam a picada dos mosquitos untando seus corpos com urucum. Hemeralopia ou vista turva: Também chamada
“gota serena”, gutta serena ou “amaurose”. Santos
Filho (1977: 224) a explica como “diminuição da vista” e “cegueira sem
lesão aparente”. Piso, ao tratar das “doenças dos olhos”, escreve que “as
oftalmias duras e veementes são comuns aos habitantes das
regiões meridionais” e que “entre as calamidades do Brasil, não ocupam último
lugar as doenças dos olhos” (Santos Filho, 1977:224). Parasitose provocada pelo
‘bicho-de-pé’: Santos Filho (1977: 203) aponta que a parasitose era “uma
das pragas do país”. “Própria dos continentes americano e
africano, e de outras regiões tropicais”, os indígenas brasileiros a
conheciam como “tunga” a “pulga-deareia”, “cuja fêmea, com o abdome repleto de ovos,
introduz por sob a pele provocando rubor, prurido, inflamação e ulcerações”.
Segundo Gabriel de Souza Soares, “no princípio da povoação do Brasil, vieram
alguns homens a perder os pés e outros a encherem-se de boubas” por causa do
bicho de pé (Santos Filho, 1977: 203). Doenças próprias das mulheres: Entre elas consta o tenesmo,
uma “doença muito comum e com razão temível para as mulheres grávidas, porque
mata lastimavelmente o feto e a gestante”. O tenesmo se manifesta com
uma sensação dolorosa na bexiga ou na região anal, com desejo contínuo, mas quase
inútil, de urinar ou de evacuar. Doenças próprias das crianças: Nessa categoria inserem-se hoje
sarampo, varicela, caxumba, escarlatina, rubéola, exantema súbito, coqueluche,
infecções respiratórias agudas, entre outras. Não sabemos quais dessas doenças
acometiam as crianças na época aqui estudada. Há uma referência explícita à
bouba (Gabriel Soares de Souza registrou que,mormente
os meninos eram sujeitos a essa doença) e ao pian (Jean de Léry escreveu
que inclusive os meninos eram atacados por esse mal supostamente oriundo da
lasciva). Os meninos eram também vítimas de febre, atormentados por dores de
cabeça e consumidos por “temperatura ardente” por causa da varíola (Métraux).
Segundo Piso, eles são as maiores vítimas das afecções catarrais. Opilação: São assim denominadas as doenças
caracterizadas por um parasitismo intenso de vermes do gênero Ancylostoma e
Necator. Mencionada em vários textos de cronistas e naturalistas do
período colonial, passou para as gerações seguintes com o nome de amarelão,
cansaço e anemia tropical. Espasmos: As doenças assim chamadas
caracterizam-se pela perda da faculdade de respirar e deglutir, creditada a uma
“convulsão do diafragma e do esôfago”, e pela emissão de “um horrível murmúrio,
ao modo dos epilépticos”. As pessoas atacadas pelos espasmos primeiro rangiam
os dentes, o que era seguido de “distorção da boca, que se fecha de tal modo que é necessário abri-la
à força e com uma sonda de ferro”. Então, não raramente, as vítimas destes
espasmos incorriam em perigo de asfixia e não podiam reter os excrementos. Segundo Piso, os mais atingidos por
esta doença eram os pescadores, ferreiros, padeiros, supostamente, porque
“molhados por muito tempo e banhados de suor, não se acautelam suficientemente
do frio noturno que os acomete, mas também porque, acostumados a um alimento
mais crasso e velho, incorreu em obstruções do baço um tanto graves”. Do estupor dos membros: Entre as doenças crônicas comuns no
Brasil, no tempo dos holandeses, consta o chamado estupor, que atacava os
nervos e causava “profundo torpor aos membros”. Considerava-se proceder “da
inclemência do ar e da incompleta obstrução e intempérie fria das partes
nervosas. Pois a pituíta lenta e glutinosa, em lugar dos espíritos, ora
promanando da cabeça, ora gotejando da medula espinhal para os membros, se
apodera facilmente dos nervos e ataca os tendões dos
braços ou dos pés, ou simultaneamente os ambos, sobrevindo o resfriamento
não só dos nervos como das veias, artérias, carne, membranas e pele” (Piso, 1957:
94). Esta grave doença, que invadia suas vítimas
“aos poucos e por graus”, devia ser combatida “com fortes e generosos
remédios”. De dia, somente era admitido “o ar purificado dos raios solares”. De
noite, a pessoa doente devia ser beneficiada com o ar aquecido por fumigações.
Piso (1957: 95) recomendava: “beba-se vinho diluído, aquecido no ato, uma
decocção de pau de sassafrás nativo. “mormente da erva Ambiaembó queimada,
ou de estêrco de cavalo com goma Anime e outras cousas semelhantes, queimadas
durante dez dias mais ou menos. Depois de bebida uma decocção de
salsaparrilha e sassafrás, enxuguem-se os suores com
profundas fricções; unte-se bem o pescoço, as espáduas e toda a medula espinhal
ao calor do fogo; ajunte-se gordura de cobras misturada no espírito de vinho
misturado com pimenta brasiliense”. Piso relata ainda que se aconselhava
“atrair os espíritos com fortíssima sucção por meio de ventosas córneas” e
“sobretudo livrar a parte afetada por meio de profundas escarificações”. Se
houvesse necessidade de urgir, devia-se “furar a pele com ferro em brasa,
fortificar os membros enfraquecidos” até que “a lenta pituíta dos nervos” se dissolvesse. Convalescendo o doente, por dias e
noites cobriam-se as partes afetadas, de sorte que não recebessem nenhum ar
(Piso, 1957: 95-96). Outras doenças: O caju (Anacardium
occidentale), o ananás (Ananas sativus), o jaborandi (Pilocarpus
pinnatus) o sargaço (alga do gênero Sargassum) o miolo de
lampreia(Petromyzon marinus), a cana-do-mato ou cana-de-macaco
(Costus pisonis) eram usados como diuréticos, o que indica a
existência de doenças relativas às vias urinárias. Santos Filho (1977: 222) ao escrever sobre as
doenças do aparelho urinário, aponta que a calculose urinária é “uma das
mais frequentes, afetou os indígenas, negros e brancos”, e que o “ananás
verde” usado pelos pajés foi “adotado pelos jesuítas” para aliviar o mal
da dor-de-pedra15. Guilherme Piso (1957: 68) escreveu que o
Brasil conhecido por ele, portanto, o Nordeste, era imune às epidemias: “Esta
terra sempre foi tida por imune das doenças chamadas epidêmicas e que flagelam
em certos tempos”. Ele contou que “no ano de mil seiscentos e quarenta e três,
num verão muito seco, apareceram antrazes não fatais” e que “as varíolas pestíferas” não existiam na região.
No entanto, ele também registrou que “somente uma vez, no decurso de trinta
anos, os escravos africanos, importados já variolosos” teriam contaminado “os
que nunca dantes o havia sido, com grande mortandade dos bárbaros”. Epidemias Mas as epidemias não afetavam só o
imaginário, ela dizimava as populações. Grande parte dos europeus que desembarcaram
na América trouxe consigo organismos infecciosos, uma vez que, saíam de cidades
que estavam em pleno surto epidêmico e, sem tratamento devido, percorriam o oceano
em barcos sem condições sanitárias adequadas e péssima alimentação. Eles acabaram
“disseminando enfermidades que se tornaram doenças epidêmicas, por atingir
grande número de pessoas ao mesmo tempo, doenças antes desconhecidas no Mundo
Novo, tal como gripe, sarampo, varíola, tuberculose, ‘mal de câmaras’
(disenteria), febre amarela, pneumonia epidêmica, cólera, tifo, etc.” (Noelli
& Soares, 1997). A varíola (peste das bexigas):17 Veio da Europa ao continente americano com Colombo. É
considerada uma das principais responsáveis pela destruição das populações
nativas da América. Alguns historiadores acreditam que a varíola tenha sido
introduzida propositalmente por Hernán Cortés e Francisco Pizzaro, a fim de
derrotar os povos indígenas comandados pelos astecas e incas.
Ainda no século XIX, por ocasião das viagens de von
Martius (1979: 75) essa doença causava as mais desumanas consequências, entre
indígenas do Brasil Central. Segundo o autor, a varíola, alastra-se até aos
mais remotos ermos, e cada tribo conhece e teme essa doença,como
se fora o mais pernicioso veneno para seu sangue. Na língua tupi é chamada – Mereba
-ayba = doença maligna. [...] O índio, por sua natureza já descrita, é pouco
resistente ao desenvolvimento da varíola. A erupção do exantema se processa
lenta e dificilmente. Atormentado por forte dor de cabeça e consumido pela temperatura ardente, costuma
isolar-se amedrontado por qualquer golpe de ar, aumentando desse modo a febre;
ou, também, apressa-se em procurar água corrente, onde supõe poder apagar o
calor interno. Frequentemente, ai morre de apoplexia. O sarampo: 18 Segundo, Santos Filho o
sarampo era encarado até o século XVI como “uma variedade da varíola,
confundido até o século XVII com a escarlatina, quando Thomas Sydenhan (1624-1689)
por primeiro diagnosticou a febris scarlatina.” O sarampo fez a sua
aparição no Brasil desde o início do povoamento e colonização. Trazido pela população negra africana e europeia, o
“sarampão”, como foi chamado, geralmente mereceu descrições e alusões por parte
dos cronistas seiscentistas. Gripe: Embora Hipócrates tenha descrito
seus sintomas19, é muito difícil levantar dados históricos exatos sobre a
gripe, uma vez que seus sintomas são semelhantes aos de outras doenças, como a
difteria, febre tifoide, dengue ou tifo. Um dos primeiros surtos epidêmicos de gripe
registrada data de 1580 inicialmente na Ásia, se espalhando rapidamente pela
Europa via África. Ao longo dos séculos XVII e XVIII
não poucas vezes ela se tornou verdadeira pandemia. Entre os povos indígenas as referências às
afecções catarrais e às doenças febris podem ter sido associadas à gripe. A febre amarela20 é doença
característica de regiões silvestres, florestas e cerrados. Encontrada tanto na América Central e América
do Sul como na África, entre seus sintomas estão febre alta, diarreia de mau
cheiro, convulsões e delírio, hemorragias internas e coagulação intravascular
disseminada, com danos e enfartes em vários órgãos. As hemorragias
manifestam-se com sangramento do nariz e gengivas e equimoses (manchas azuis ou
verdes de sangue coagulado na pele). Ocorre também hepatite e por vezes choque
mortal devido às hemorragias abundantes para cavidades internas do corpo. Doença também conhecida por crupe, a difteria21
é considerada infectocontagiosa. Era uma das doenças mais temidas antes da era
das vacinas. Muito conhecida também na literatura médica clássica. Ela era
identificada por dores de garganta. Disenterias ou câmaras: 22 Eram uma das
doenças mais comuns do Brasil antigo. Sua existência era relacionada à falta de
asseio corporal e de procedimentos higiênicos. Eram também denominadas de “cãibras de
sangue”, “cursos de sangue”, “ventre solto”, “fluxos de ventre”. As disenterias
tinham como principal sintoma a diarreia. A malária ou paludismo é uma doença
infecciosa aguda ou crônica, familiar também aos médicos gregos do século V
A.C., segundo consta nos escritos hipocráticos. Santos Filho (1977: 176) considera o paludismo
como “doença universal, denominada também ‘calentura’ pelos espanhóis,
‘sezões’, ‘terçãs’, ‘quartãs’ e ‘maleitas’, pelos portugueses e ‘malária’ ou
‘febre palustre’ pelos ‘italianos’ e ‘paludismo’ no Brasil. Esta doença já era
considerada endêmica “nos primeiros anos da colonização”. Segundo Piso (1957: 68), as terçãs e quartãs
“são menos graves que na Europa; mas atingem o término mais depressa e com
maior agudeza”. O Tifo24, transmitida por
piolhos ou pulgas e caracterizada por febres e queda da pressão sanguínea,
segundo Nava (2003: 122) foi muitas vezes confundido com a malária,pela
dificuldade da época em diagnosticar e distinguir doenças seguidas de febres. A Tuberculose25 é uma doença grave que
atinge todos os órgãos do corpo, principalmente os pulmões. Segundo Santos Filho (1977: 190), ela é de procedência europeia e
africana: Guilherme Piso catalogou e avaliou as doenças
e as terapias das doenças pelo crivo da concepção hipocrático-galênica. No
Livro Primeiro da sua História Natural e Médica da Índia Ocidental, ele
trata “dos ares, das águas e dos lugares” e inicia afirmando que “não se
pode inventar mais adequada norma para ordenar ou instituir a Medicina, entre
gentes remotas, do que a transmitida por Hipócrates” (Piso, 1957: 29). Nesse
esquema, o calor do ambiente aquece o sangue, o que produz, por exemplo,
impigens rebeldes, pruridos, disenterias, hemorroidas, inflamações do ânus e
dos olhos, etc. Em outras palavras, “as bruscas mudanças de temperatura, os
‘constantes ventos’, o ‘ar da noite’, o ‘ar da madrugada’, o ‘luar’, o
‘sereno’, ‘a umidade’, são as principais causas das afecções respiratórias” (Santos Filho 1977: 217). Mas, a medicina hipocrático-galênica não era
a única chave de compreensão das doenças. Ela dividia espaço com a concepção
religiosa - a indígena e a católica – das doenças, tanto na Europa como no
continente americano. O cristianismo medieval ensinava que as doenças eram
causadas pelo pecado - da pessoa doente ou de seus parentes -, sendo, portanto, castigo divino.
A cura viria então pelo arrependimento e a conversão da pessoa doente; o que
era demonstrado cumprindo ou pagando a penitência. A igreja exigia fé do
indivíduo para lhe administrar a cura, através de ritos, sacrifícios, confissões e penitências. Isso criou um
sentimento de “desconfiança” de alguns setores da sociedade para com os médicos
e de confiança para com as pessoas que gerenciavam ritos considerados
“mágicos”. A instituição igreja via o doente como “impuro” e devia ser
“evitado”. Um bom exemplo dessa discriminação é o “isolamento dos leprosos”.
Como a doença era considerada castigo e fonte de purificação e redenção, “o
sofrimento era amigo da alma”. Nava prossegue alertando que o
exercício da arte médica vai estar relacionado com as concepções filosóficas e
religiosas, com as mudanças e permanências dos costumes e das crenças, com as
descobertas do funcionamento da psique e do corpo humanos e das propriedades
medicinais de substâncias de origem animal, vegetal e mineral, entre outros. De modo que, a medicina iniciada por Galeno
conviveu com práticas anteriores ao próprio Hipócrates, assim como, na
Renascença, as práticas esotéricas conviviam com o pensamento científico e
médico do século XVII, do qual ainda faziam parte tradições e costumes do
medievo (Gesteira, 2004: 80-81). Portanto, no Brasil colônia, as causas das doenças
e as buscas da cura se orientavam nas tradições científicas da época, nas
crenças mágico-religiosas entre indígenas e não indígenas. O próprio Piso (1957: 72; 73; 77) seguidor da
medicina hipocrático-galênica explica, por exemplo, as epidemias como oriundas
de qualidades funestas ou dos malignos astros. Ele entende que no verão muito seco “passam
mal os biliosos e melancólicos, pelo excessivo calor”, pois “o calor aniquila e
resseca o que lhes fica de umidade no corpo, restando às partes viscosas e mais
crassas. Para ele, o céu, as estações do ano, a diversidade da águas e dos
alimentos e o gênero de vida diferente “mudam sem dúvida os temperamentos” e fazem surgir doenças
aparentemente novas, simplesmente “porque não observam bem o período, o tempo e
os mesmos acidentes; contudo, nem sempre diferem na maneira de serem curadas”. Os registros da época nos permitem finalizar
este artigo com a ideia de que a compreensão mítico-religiosa das doenças
conviveu com uma compreensão de vertente mais racional, inclusive entre os
missionários e demais agentes civilizadores. Essas duas concepções
influenciaram por sua vez a terapêutica usada para combater os males. Pode se
observar, nesse sentido, que a medicina praticada pelos povos indígenas
combinava o mágico-religioso com o empírico, não se diferenciando muito do que
era a medicina europeia à época, lugar de convivência da teoria dos quatro
humores com padrões explicativos metafísicos, que incluíam a noção de doença
como castigo divino e consequência de comportamentos considerados lascivos,
assim como o uso de rezas e fórmulas milagrosas para conseguir a cura. O
fato de certas doenças serem atribuídas à lascívia deriva, por um lado, do
imaginário europeu, no qual o corpo nu ou “precariamente” vestido era associado
a excessos sexuais e a promiscuidade. Os povos indígenas e os africanos eram
considerados propensos à lascívia e todas as pessoas que não resistissem aos
prazeres da carne e não vivessem castamente gerariam doentes ou doenças
venéreas. Por outro lado, as doenças indígenas são
atribuídas repetidas vezes à lascívia porque o autor das fontes confunde várias
doenças com a sífilis. FLECK, Eliane Cristina Deckmann. A
morte no centro da vida: reflexões sobre acura e a não-cura nas reduções
jesuítico-guaranis (1609-75). In: História, Ciências e Saúde 11(3):
635-660, set.-dez., Rio de Janeiro: 2004. FLECK, Eliane Cristina Deckmann. Sobre
martírios e SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro. História geral da
medicina brasileira. São Paulo: Hucitec: Ed. da Universidade de São
Paulo, 1977.
Em relação aos problemas mentais
nós temos relatos de surtos esquizofrênicos com diferentes abordagens. Uma
delas é o da expulsão ou a morte do doente de sua tribo. Há relatos de
acolhimento do índio doente por outra tribo que o tratava com ser especial. São
inúmeros os relatos de suicídio entre os índios. Alguns tentam atribuí-los a
ação dos brancos, mas são mais comuns do que uma explicação simples possa
satisfazer. A expectativa de vida entre
os índios é baixa, daí ser mais raros as doenças crônicas da velhice.
Espero ter traçado um panorama da presença da doença mental entre os índios. Não
esquecer que não se pode confundir o pensamento mágico do homem primitivo com
doença mental. Esta tem um desenvolvimento com características próprias. A maneira
dos índios de liderar com a morte também oferece características peculiares. O Índio acredita
na ação dos espíritos do morto e lida com esta situação de maneira muito
especial. ![]()
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