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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Março de 2016 - Vol.21 - Nº 03

Psicanálise em debate

CONSIDERAR-SE FEIO/A

Sérgio Telles
psicanalista e escritor

Meaghan Ramsey, do Dove Self Esteem Project, fez uma palestra TED em setembro de 2014 sobre “Porque considerar-se feio/a é ruim para você”, até hoje vista por 2.806.451 pessoas[1].

Ramsey diz que mensalmente mais de 10 mil pessoas perguntam ao Google se são feias. Na maioria das vezes são meninas adolescentes, embora os meninos não estejam a salvo deste questionamento.  Conta exemplos tocantes, como o de uma garota de 14 anos que, obsecada com a aparência, perguntava aos pais se era feia, ao que eles respondiam que era bonita. Como na escola seus colegas afirmavam o contrário, instalou-se um impasse. Sem ter como sair da dúvida, postou fotos e vídeos no YouTube, indagando a todos se a consideram feia ou bonita, tendo recebido, até a ocasião da palestra, cerca de 13 mil respostas, muitas delas extremamente agressivas.

Como ela, milhares de outras meninas fazem o mesmo, sem se aperceberem de que ao contrário de receberem uma opinião desinteressada e objetiva fornecida por estranhos não envolvidos emocionalmente com elas, estavam se oferecendo como alvo para o sadismo de muitos que, acobertados pelo suposto anonimato da rede, dão ali larga vazão a seus impulsos mais destrutivos.

Ramsey mostra alguns aspectos da cultura da rede predominante entre os adolescentes, como o desaparecimento da consideração pela privacidade, a confusão entre o virtual ou o real prevalece, a preocupação com a aparência física que prevalece sobre todas as demais áreas possíveis de interesse – o que provoca graves repercussões na vida social e profissional, sem falar nas distorções abertamente patológicas, como os grupo ditos “pro-ana” (pro anorexia), que estimulam a anorexia e dão instruções para driblar a vigilância dos pais.

A autoimagem é um elemento da identidade, centrada no corpo. Autoimagem e identidade são resultantes de processos complexos que se iniciam com o olhar do outro, que, ao investir libidinalmente o corpo da criança, estabelece os fundamentos de sua constituição enquanto sujeito. Estamos, pois, falando das relações primárias do bebê com sua mãe. Assim a exagerada insegurança quanto à própria aparência física e o sobrevalorizá-la em detrimento de todo o conjunto da personalidade são indicativos de dificuldades no estabelecimento de uma identidade estável.  

As questões da aparência física assumem dimensões cruciais na adolescência, quando efetivamente o corpo está sofrendo grandes alterações, acompanhadas de modificações emocionais também fundamentais. É um momento de grande fragilidade e vulnerabilidade pessoal. Essa não é uma questão nova, mas o advento da comunicação de massa e das mídias eletrônicas lhe deu uma dimensão inusitada e preocupante.

A insegurança quanto a própria aparência própria da idade são hoje potencializadas pelas imagens das modelos difundidas na mídia, que impõem um paradigma estético uniforme difícil de ser acompanhado. Acrescente-se a isso a exposição precoce à pornografia, que estabelece padrões de comportamento e desempenho sexuais distantes da realidade. Além disso, de forma inédita até então, o fato de os adolescentes se manterem conectados on line ininterruptamente faz com que se multipliquem as possibilidades de contatos sociais os mais variados, nos quais são estimuladas as rivalidades, as comparações, a disputa pela popularidade, o que alimenta concretamente a competição, a inveja, a formação de grupos e  bodes expiatórios excluídos, objeto de cyber bullying.

São questões graves que necessitam a atenção e o cuidado de todos. É verdade, como vimos, que o estabelecimento da autoimagem e da identidade depende de fatores primários na relação mãe-bebê e dos processos de constituição do sujeito, o que significa que são elementos entranhados no inconsciente e de difícil manejo consciente. Constatação que não elimina a importância da educação e dos cuidados que pais e responsáveis devem exercer para evitar excessos e ajudar a minorar o sofrimento implícito nas situações em pauta.




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