Psyquiatry online Brazil
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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Maio de 2016 - Vol.21 - Nº 5

Psiquiatria na Infância e Adolescência

A RELEVÂNCIA DE CASOS CLÍNICOS NA PSIQUIATRIA DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: UMA CONTRIBUIÇÃO POSSÍVEL DA FENOMENOLOGIA-ESTRUTURAL

Daniela Ceron-Litvoc (1)
Cristiane Stravino Messas (2)
Guilherme Peres Messas (3)


Panorama histórico da Psiquiatria da Infância e Adolescência:

A psiquiatria da Infância e Adolescência (PIA) praticamente não existia como uma disciplina até a metade do século XX. As primeiras cadeiras dessa disciplina apareceram nos anos 50 nos EUA e na Europa, marcando o início de um processo de mudança de paradigma sobre a compreensão do desenvolvimento infantil. O desenvolvimento era  concebido, até então, como um processo praticamente autossuficiente, necessitando de pouco amparo além da subsistência básica (nutrição, por exemplo) para o seu desenrolar saudável. Esse conceito foi substituído pela concepção de que o desenvolvimento, para atingir sua potencialidade ao longo do processo de maturação, necessita de um olhar cuidadoso em cada etapa para o reconhecimento dos pontos de vulnerabilidade, assim como do delineamento de intervenções terapêuticas se necessárias e, quando possível, preventivas ou precoces (ParryJones, 1989; IRWIN, MACSWEEN, & KERNS, 2011; CHESS, 1988).

Bowlby foi o primeiro autor que deflagrou essa mudança de olhar ao apresentar na ONU, em 1951, uma revisão sobre os efeitos da privação materna no desenvolvimento infantil (Bowlby, 1951). Esse texto é considerado  revolucionário para os cuidados destinados às crianças institucionalizadas, por ser o marco inicial do reconhecimento de que o desenvolvimento pleno na idade adulta resulta de um processo que precisa ser amparado e reconhecido nas necessidades específicas de cada etapa.

A partir do aumento do interesse no processo de desenvolvimento infantil, ocorreu também uma modificação no reconhecimento das patologias psíquicas que afligem essa faixa etária. Até a década de 1950 deu-se pouca atenção para os diagnósticos psicopatológicos e os poucos existentes usavam  definições vagas e amplas como, por exemplo, "problemas comportamentais na infância". As propostas terapêuticas seguiam a pouca especificidade do diagnóstico, constituindo-se em propostas não orientadas para a psicopatologia, sem foco definido, sem planejamento e de longa duração (RUTTER, Michael, 2011, p. 25). Outra evidência da precariedade do conhecimento psicopatológico infantil foi a tendência na década de 60 a 80 do século XX de responsabilizar os cuidados parentais, mesmo sem evidências claras, pelo aparecimento de quadros psicopatológicos na infância. Nesse contexto que apareceram os termos “mãe esquizofrenizante”, para crianças com quadros psicóticos, e “pais geladeiras”, para crianças com alterações na comunicação e interação (SCHUHAM, 1967) (IRWIN, MACSWEEN, & KERNS, 2011) (CHESS, 1988) (SEEMAN, 2009).                                    

Esse foi o panorama histórico que gerou a demanda pela procura por diagnósticos psiquiátricos padronizados com algum grau de evidência na infância e adolescência, culminando na criação e a ampla utilização dos critérios diagnósticos operacionais (FEIGHNER, 1972) (ROBINS & GUZE, 1970) (RUTTER, 1965). Assim foram formulados os critérios diagnósticos para quadros psicopatológicos na infância e adolescência como os conhecemos atualmente, com uma preocupação focada na procura de maior especificidade e alguma comprovação, a partir das publicações do DSM-IV em 2000 e CID-10 em 1996 (RUTTER, Michael, 2011, p. 27).

Desde então, os critérios padronizados foram aceitos de forma homogênea pela comunidade de saúde mental e trouxeram inegáveis avanços para a identificação das psicopatologias na infância e adolescência (RUTTER, Michael, 2011, p. 35). No mínimo, essa mudança conseguiu diminuir o ceticismo de que crianças precisam de cuidados para o seu desenvolvimento normal e que podem adoecer psiquicamente, levando ao aumento do reconhecimento e à procura por tratamentos (RUTTER, Michael, 2011, p. 42).

Porém, os critérios utilizados para  definição e reconhecimento dos quadros psicopatológicos nas crianças e adolescentes padecem de uma complicação importante e eventualmente esquecida quando não observada em uma perspectiva histórica: foram criados, em sua grande maioria, a partir das concepções das patologias nos adultos. Apresentam, portanto, dificuldades intrínsecas em reconhecer as diferenças das apresentações psicológicas e psicopatológicas em cada momento do desenvolvimento, levando a erros no diagnóstico e tratamentos ineficazes e inespecíficos (RUTTER, Michael, 2011, p. 44).

Outro ponto relevante dentro da perspectiva histórica é a forma atual de reconhecimento dos quadros psicopatológicos. A psiquiatria foi historicamente construída a partir de observações clínicas, descrições minuciosas de casos. Nos adultos, as descrições psicopatológicas foram e são pontos- chaves para o reconhecimento de quadros como  esquizofrenia,  mania,  melancolia,  transtorno bipolar,  trema, entre outros (BLEULER, 1950) (KRAEPELIN, 1921) (CONRAD, 1963) (Schneider, 1957). Na seara da infância e adolescência, temos dois exemplos que percorreram esse processo: as observações de casos clínicos que levaram ao reconhecimento do Autismo e da Síndrome de Asperger (KANNER, 1943) (ASPERGER, 2015) (ASPERGER, 2015). O mesmo mecanismo, ou seja, o reconhecimento das vicissitudes da psicopatologia através da observação criteriosa de casos clínicos,poderia ter ocorrido na PIA. Entretanto, dois fatores impossibilitaram esse desenvolvimento: em primeiro lugar sua recente aparição no meio científico e, em segundo, a atual realidade de orientação de pesquisa psicopatológica que substituiu a descrição clínica apurada pela compilação epidemiológica de sinais e sintomas.

Quando idealizado, o diagnóstico realizado por critérios clínicos, como o DSM, não tinha a intenção de promover descrições compreensivas dos quadros, mas sim tentar criar um limiar de reconhecimento para a patologia (ANDREASEN, 2007). Para se criar critérios replicáveis operacionalmente, deve-se levar em conta que  é necessária uma padronização em que alguns fenômenos podem ser excluídos por serem considerados de difícil quantificação objetiva (como autoidentidade, autoconsciência, intersubjetividade) e outros podem ter maior destaque não pela relevância psicopatológica unicamente, mas também por serem objetiváveis (PARNAS & BOVET, 1995).

 Porém, operacionalmente, a avaliação psicopatológica foi substituída pela realização de averiguação de listas de sintomas, diminuindo o encontro do terapeuta com o paciente, como indivíduos. Criou-se uma situação clínica em que o principal papel do psiquiatra é identificar e propor estratégias para a supressão dos sintomas (LÓPEZ-IBOR JR & LÓPEZ-IBOR, 2008), situação que empobrece significativamente a compreensão psicopatológica. Temos uma realidade atual em que há uma tendência de gradual desaparecimento do reconhecimento das características centrais das situações psicopatológicas, com substituição pela procura de um conjunto de sintomas (PARNAS J. , 2011).

             A simplificação do “objeto” estudado na psiquiatria e a metodologia usada (entrevistas estruturadas) promovem o risco de não captar a essência das patologias. A consequência desse fenômeno tem aparecido nas análises que observam que apesar dos inúmeros esforços e investimentos dos últimos 30 anos na Psiquiatria como um todo, os avanços no conhecimento da etiologia, do tratamento e seus limites, não avançaram na mesma proporção do investimento (PARNAS, SASS, & ZAHAVI, Rediscovering psychopathology: the epistemology and phenomenology of the psychiatric object, 2012).  Como preveniu Andreasen: aplicar investimentos tecnológicos sem a parceria do olhar clínico apurado para a psicopatologia pode  transformar-se em uma empreitada solitária e estéril (ANDREASEN, 2007). A psiquiatria está em um momento de reabertura para outras possibilidades de pensamento em busca de desenvolver uma consistência lógica mais robusta que consiga resgatá-la da encruzilhada em que se encontra (MESSAS G. P., 2010).

 

Descrição de casos clínicos: prática obsoleta?

Descobertas clínicas a partir da observação minuciosa de casos clínicos tiveram e têm papel fundamental na psiquiatria e na psicopatologia e permanecem válidas ao lado de outras práticas também de extrema relevância como as pesquisas epidemiológicas, ensaios clínicos e outras modalidades consagradas (RUTTER, Michael, 2011, p. 42). A descrição de casos típicos não deveria ser relegada a um plano inferior, pois é capaz de apresentar as categorias centrais, passíveis de serem generalizadas e fomentar o reconhecimento psicopatológico (PEREIRA) (ARAGONA, 2009).

No estudo da psicopatologia da infância e adolescência, existe uma escassez de observações minuciosas tanto do processo de desenvolvimento normal quanto da psicopatologia e sua apresentação em cada grupo etário. Investir nessa área é um caminho para o aprimoramento da capacidade de reconhecimento dos quadros patológicos (CARLSON & MEYER, 2006).

 

Fenomenologia-Estrutural

             Como pontua Andreasen (2007), a formação geral do psiquiatra atual está orientada para o reconhecimento de critérios diagnósticos, método que não propicia o treinamento do olhar clínico para um reconhecimento psicopatológico acurado. Se esse fato cria uma realidade preocupante para a Psiquiatra voltada para a população adulta, é ainda mais alarmante para a PIA. Como colocamos acima, a sua tenra idade como uma área de pesquisa promove amplas áreas em que a manifestação psicopatológica é reconhecida de forma incipiente. Ao mesmo tempo, a psiquiatria, como praticada atualmente, promove o risco de perpetuar esse desconhecimento. Uma possível saída para esse entrave é repensar a formação do psiquiatra, procurando metodologias que enfatizem a ciência psicopatológica. O aperfeiçoamento da capacidade diagnóstica favoreceria melhores tratamentos e intervenções precoces, acarretando grandes ganhos para a saúde pública da infância e da adolescência.

Entre outras áreas do conhecimento, uma opção é a Fenomenologia-Estrutural ( (MESSAS G. , 2010) (MINKOWSKY, 1973) (Messas, 2004)).  Inicialmente originada na filosofia, essa disciplina passou a ser aplicada no último século ao reconhecimento psicopatológico (BERRIOS, 1989). O ponto central do seu método é a procura pela delineação da estrutura psíquica que está subjacente à manifestação dos fenômenos na consciência. Esse formato oferece as características metodológicas propícias para  observação e análise criteriosa da psique humana saudável, das diferenças temperamentais, das personalidades e  das manifestações psicopatológicas, desde o início do desenvolvimento até a vida adulta (MESSAS G. , 2010). Ao definir o “objeto” analisado como a experiência em primeira pessoa e sua irredutível subjetividade, essa metodologia é capaz de traçar, a partir desse ponto inicial, uma clara corrente de coerência conceitual para a conceptualização da estrutura observada (MESSAS G. P., 2010).

 

Casos clínicos:

            Para exemplificar o ponto que levantamos no texto acima, apresentaremos, sucintamente, dois casos clínicos de crianças de 8 anos encaminhadas para avaliação psiquiátrica por queixa de dificuldade para manter a atenção focada, com prejuízos em todos os ambientes,  principalmente no escolar. Uma análise mais detalhada poderá ser encontrada em outro artigo (Ceron-Litvoc, 2012).

 

Caso Clínico 1: O Distraído-Dissolvido

            Criança de 8 anos, encaminhada para avaliação por queixa de desatenção com prejuízos acadêmicos relevantes.

            Dócil no contato, sorridente, procura facilmente engajar-se aos estímulos da consulta já no primeiro contato. Não coloca restrições a nenhuma atividade proposta, mas tende a manter-se engajado por pouco tempo. Com facilidade, seu olhar "vaga" pelo ambiente como que à procura de algo.

Conta que tem muita dificuldade na escola, principalmente com português e história. Diz que se esforça, mas não consegue prestar atenção. Gostaria de prestar mais atenção na escola, mas não consegue. Fica de “castigo” constantemente por ter notas abaixo do esperado. Estuda para as provas, mas não entende por que não consegue ir bem. Não sabe o que está sendo dado em sala de aula, não consegue contar o que está aprendendo.

Pais contam que sempre foi muito dócil, bem humorado, sorridente. Sempre foi muito distraído, envolvia-se em acidentes facilmente por não prestar atenção no ambiente. Perdia com frequência objetos, mesmo brinquedos ou jogos eletrônicos de que gostava muito.

Na consulta, a criança se distrai facilmente. Olha a esmo para os estímulos do consultório e ilumina-se com a ideia de como seria interessante experimentar um novo jogo, porém esse estímulo e interesse não perduram, de forma que é quase impossível terminar uma atividade sem muito esforço e estímulo da parte do entrevistador.

Não sabe dizer no que pensa em seus devaneios. Responde, docilmente, que não sabe ao certo, geralmente faz algum comentário vinculado a um estímulo imediato, como, por exemplo, ter visto o avião passar e ter se distraído. Seus pensamentos parecem vagar, sem controle ou foco, de acordo com os estímulos ambientais ou emocionais.

Essa criança mostra-se aberta ao ambiente, disposta a engajar-se facilmente, aceitando propostas de atividades, porém tem curto tempo de duração em cada  atividade.

Em uma análise Fenomenológica-Estrutural, a espacialidade pode ser dividida entre espaço interno, íntimo, onde se desenlaçam as experiências não compartilháveis, denominado de espaço escuro  e o espaço claro, externo, das relações, da publicidade, do encontro com os outros, onde o indivíduo interage recebendo e doando (MINKOWSKY, 1973).  Em uma estrutura saudável, ocorre uma harmonia entre ambas manifestações espaciais que permitem tanto o contato e trocas com o externo como a atividade interna distanciada e diferenciada do que está fora do individual. 

A criança descrita acima relata uma vivência de predomínio do espaço claro, social, em detrimento do espaço escuro, íntimo. Ela é invadida a todo momento por esse espaço claro que se sobrepõe à sua atividade interna. Por exemplo, mesmo que se interesse por algo ativamente, uma vivência externa interrompe o seu interesse e transporta-a para uma nova realidade, com pouco lastro interno do interesse anterior. Vivencia as experiências de forma aleatória, de acordo como determinado pelo meio, sem conseguir construir uma história linear de acontecimentos. Essa aleatoriedade promovida pela pouca retenção do espaço interno promove uma vivência de acontecimentos e situações fragmentadas em sua consciência.

Se observarmos a estrutura pela sua constituição temporal, essa criança apresenta uma constituição com predomínio dos eventos presentes em detrimento das  do passado e do futuro. A temporalidade, estruturalmente, divide-se harmonicamente em seus três tempos constituintes, passado, presente e futuro. A cada segundo, a consciência atualiza as vivências imediatas em uma base temporal que contém as experiências passadas e as projeções para o futuro (MINKOWSKY, 1973, p. 180). A criança descrita nesse caso é capaz de atualizar as experiências em uma base temporal que contenha os três elementos, porém com uma característica diferenciada: o estímulo presente tem uma proporção maior do que o esperado, de forma que diminui a intensidade do passado, assim como restringe perspectivas de futuro ao vivenciar os estímulos. Dessa forma, a sua consciência é tomada por estímulos presentes que se sobrepõem a outras aferências em sua base temporal. Logo, recorda-se de acontecimentos de forma fragmentada, sem um encadeamento temporal linear esperado para a sua capacidade cognitiva. Apresenta dificuldade de conexão linear e causal entre acontecimentos e desfechos. Conta situações frequentes em que foi surpreendido por um desfecho não esperado, como, por exemplo, ter a impressão que estudou o suficiente e, mesmo assim, ir mal na prova.

 

Caso clínico 2: Distraído-Absorvido

Criança de 8 anos, encaminhada para avaliação por queixa de desatenção com prejuízos acadêmicos relevantes.

Também muito dócil no contato, mas muito observadora e contida. Responde a todas as perguntas, mas de forma sucinta, com  certo incômodo. Aceita engajar-se nas brincadeiras propostas na consulta, mas com  certa ressalva. Facilmente distrai-se e desliga-se da atividade proposta.

Conta que gosta muito de pensar, que sua cabeça cria muitas histórias e que é difícil prestar atenção na aula. Tem muitas histórias "inventadas”, mas não apresenta intenção espontânea de relatar o conteúdo. Essas histórias, depois de insistir em saber sobre o que inventava, mostram-se ricas, cheias de personagens, ações bem elaboradas, adequadas para seu perfil cognitivo e cronológico. Deixa claro que tem consciência de que deveria prestar mais atenção nas aulas, mas conta que era muito difícil controlar a sua imaginação.

Pais procuraram atendimento por dificuldade de desempenho escolar e por terem fracassado na tentativa de estudar mais com a criança em casa. Relatam um histórico de uma criança introspectiva, mas com boas habilidades de socialização.

Observando a criança no consultório, a impressão é de distanciamento no contato, o oposto da abertura e facilidade do primeiro caso. Mesmo muito estimulada externamente e não recusando o estímulo, parece ser “seduzida” por suas histórias internas e a facilidade com que se transporta para uma realidade imaginária e mais rica que a experiência externa imediata.

Analisando , nessa criança, a proporção entre seu espaço claro e escuro, encontramos uma estrutura oposta à  primeira. Em oposição à primeira, esse caso apresenta um predomínio do espaço interno, íntimo, em relação ao externo, claro, público. O espaço claro existe, tanto que ela é capaz de se abrir ao contato, mas ele é facilmente apagado pela exuberância do seu mundo íntimo.

Temporalmente, apesar de que as vivências ocorrem predominantemente no espaço interno, pouco compartilhável, não há fragmentação das atividades devido a  alteração nas proporções temporais. As histórias são coesas, não fragmentadas, com continuidade viva. A criança tem dimensão inclusive do tempo que esteve ausente dos estímulos externos (percepção ausente no caso anterior).

 

Aplicações da construção de caso segundo a metodologia da Fenomenologia-Estrutural

 

            Apesar dos dois casos poderem ser enquadrados, pelos critérios diagnósticos, como pertencentes a um mesmo transtorno, no caso, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Manual diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-: DSM-5, 2014), a análise fenômeno-estrutural permite diferenciar cada apresentação clínica e delinear estruturas subjacentes diversas. Enquanto o primeiro caso, o distraído-dissolvido, apresenta-se invadido pelo externo por uma ampla abertura e pouca continência interna, o segundo caso, o distraído-absorvido, coloca-se na apresentação oposta: é pouco ressonante ao meio, pouco aberto para os estímulos. Enquanto o distraído-absorvido tem o espaço externo se sobrepujando ao interno, o distraído-absorvido tem uma predominância de vivências internas, nublando as experiências externas. Ambos apresentam-se clinicamente distraídos, mas apresentam quadros psicopatológicos estruturais distintos.

            Uma aplicação imediata para essa diferenciação clínica seria a indicação do uso de metilfenidato. No primeiro caso, o distraído-dissolvido, se a medicação permitir um aumento da capacidade de manter-se intencionalmente focado em um estímulo, diminuindo a abertura para o externo (atenção involuntária), provavelmente essa criança se beneficiaria da medicação. No segundo caso, existe a possibilidade de que a mesma medicação promova um excesso de estímulo, com aumento da atenção voluntária para os estímulos externos sem diminuir a vivência intensa dos estímulos externos. Na estrutura do distraído-absorvido, a medicação, pelo aumento de estímulos, poderia causar a sensação de desconforto e ansiedade, levando, secundariamente, à tendência a um afastamento ainda maior do externo.

 

Conclusão:

A psiquiatria como um todo vive um momento de reflexão sobre seus instrumentos de reconhecimento psicopatológico e sobre a prática clínica. Essa reflexão é ainda mais relevante no segmento da Psiquiatria da Infância e Adolescência pela sua imaturidade cronológica e campos de conhecimento pouco explorados.

A descrição de casos clínicos, método em desuso nas últimas décadas, pode ter seu papel novamente reconhecido na seara do reconhecimento de características essenciais do desenvolvimento psíquico e suas diferenças em cada grupo etário. A utilização do método proposto pela Fenomenologia-Estrutural pode, exatamente, proporcionar que, ao descrever um caso clínico, reconheçamos as modificações estruturais que são gerais para todos na mesma idade.

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