Psyquiatry online Brazil
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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Agosto de 2016 - Vol.21 - Nº 8

France - Brasil- Psy

Coordenação: Docteur Eliezer DE HOLLANDA CORDEIRO

Quem somos (qui sommes-nous?)                                  

France-Brasil-PSY é o novo espaço virtual de “psychiatry on  line”oferto aos  profissionais do setor da saúde mental de expressão  lusófona e portuguesa.Assim, os leitores poderão doravante nela encontrar traduções e artigos em francês e em português abrangendo a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise. Sem esquecer as rubricas habituais : reuniões e colóquios, livros recentes, lista de revistas e de associações, seleção de sites.

Qui sommes- nous ?

France-Brasil-PSY est le nouvel espace virtuel de “psychiatry on line”offert aux professionnels du secteur de la santé mentale d’expression lusophone et française. Ainsi, les lecteurs pourront désormais y trouver des traductions et des articles en français et en portugais  concernant la psychiatrie, la psychologie et la psychanalyse. Sans oublier les rubriques habituelles : réunions et colloques, livres récentes, liste de revues et d’associations, sélection  de sites

SOMMAIRE (SUMÁRIO):

 

  • 1. SOBRE A HISTÓRIA DA LOUCURA (Segunda parte)
  • 2. CURRICULUM VITAE DE ELSA RIBEIRO HAWELKA
  • 3. PONTALIS, O MENINO DOS LIMBOS
  • 4. A LOUCURA EM EMBOSCADA
  • 5. VOZES NA CABEÇA


  • 1. SOBRE A HISTÓRIA DA LOUCURA (Segunda parte).

     

    Referência:  Patrice Gelinet,  “2000 Anos de História”, rádio France Inter,  3/09/2009.

    Convidado: Claude QUETEL

    Tradução: Eliezer de Hollanda Cordeiro

    O  SONO  DA  RAZÃO  ENGENDRA OS  MONSTROS (GOYA)

     

    As górgones, Drácula, as Medusas, os ciclopes, os monstros nunca deixaram de nos amedrontar.

    Sem o Diabo, nada de Deus. De qualquer lugar que eles venham, os monstros provocam medo nos homens, o medo naqueles que não compreendem. Feios, disformes, repelentes, eles vêm de outro mundo. Sem os monstros, os gregos  jamais teriam  inventado a mitologia. Drácula inspirou muitos filmes. O monstro está na origem  do mundo, a serpente dos vikings aparece no início e no fim do mundo. A questão da alteridade é fundamental porque o monstro implica sempre uma diferença, ele é indizível e repugnante. Os monstros nos fazem medo porque constituem uma parte do irracional. A Medusa (ou bruxa) nos Gregos, uma mulher extremamente feia,  a Górgone, uma mulher monstruosa, tanto pela fealdade física, como pela perversidade, cujo olhar pode amedrontar,  cujo sangue é um veneno horrível. Ela é o monstro mais conhecido da mitologia grega, a única que matava.

    Monstros foram desenhados pelos antigos, como se pode ver na grota de Lascaux.

    Brincamos fazendo-nos medo porque o monstro não existe sem alguma teatralidade.

     

    A REPRESENTAÇÃO DOS MONSTROS

     

    Na representação dos monstros, quem diz homem diz monstro. Ou seja, o monstro define os limites entre ele e os homens, de certa maneira ele estrutura os homens. 

    Os egípcios e os indianos não tinham monstros porque  eles definiam a humanidade de uma maneira diferente. Já a civilização ocidental tem monstros porque ela define o homem como o mestre da natureza. Para os  astecas, os monstros estruturam a sociedade, cultivam milho, etc. No cristianismo e no judaísmo, o monstro é inevitavelmente o Diabo.

     

    Existem dois monstros no cristianismo e no judaísmo: Leviatã e o Diabo. Este pode ser legião, se multiplicar, ele é a origem do Mal. No Julgamento derradeiro, o Bem vai triunfar.

     

    O desviante é aquele que faz o acontecimento. O monstro dos crimes que dominam a atualidade serve para alimentar os Moloch (Moloch é na tradição  bíblica o nome do deus ao qual os Amonitas  sacrificavam seus filhos mais velhos, lançando-os num braseiro.

     

    O monstro é aquele que faz o acontecimento. O monstro faz parte da atualidade. Como se o anormal fosse necessário  para que o Bem triunfasse.

     

    PARA O CRISTIANISMO E O JUDAÍSMO:  TER UM ÚNICO  DEUS IMPLICA UM ÚNICO MONSTRO, NESTE CASO O DIABO.   

    O Diabo imaginário, representado por um bode, deu origem a todos esses personagens que faziam medo na antiguidade: os anões, os albinos, os siameses, os andróginos, os hidrocéfalos, os gigantes que outrora eram exibidos nas feiras como se fossem bestas. Como o homem elefante, por exemplo, que disse ‘’Não sou um animal, sou um homem’’(David Lynch, O homem elefante).

     

    Os monstros são criaturas diabólicas duma civilização considerada como tendo sido criada por Deus, aliás, toda anomalia é considerada como monstruosa e não como uma criatura de Deus. Perguntava-se então se não era necessário batizar duas vezes um bicéfalo! Não se deve tocar num monstro por causa do risco de se sujar.

     

    Eles são também criaturas de Deus: o gênio de Montaigne levou-o a dizer que não se deve julgar as pessoas a partir de suas formas e que é Deus que deve fazer isso. Este é o verdadeiro humanismo cristão que compreende da mesma maneira os canibais e os monstros. 

    O MONSTRO É AQUELE  QUE ERA DESIGNADO, QUE ERA MOSTRADO.

     

    A ciência, o racionalismo, a teratologia: elas são redefinidas durante a Revolução ( surgida na  França, ela foi inventada por Geoffroy St. Hilaire e seu filho). Ele fala de anomalia e não de monstruosidade. Era preciso redefinir o Monstro. como um humano qualquer. A psicanálise e a sociologia demitologizaram os monstros.

     

    Os criminosos recidivistas constituem uma nova categoria de monstros. Esses criminosos são como todo mundo, parecem com cada pessoa. Freud, e muitos outros, desmistificaram os monstros (como Jack, o Estripador). Mas isto não faz desaparecer o desejo de monstro, o fantasma do monstro.

     

    Escritores ficaram fascinados pelos  monstros,  como na literatura policial. Eles eram uma emanação  de nós mesmos. Mas é preciso que o Monstro seja interiorisado: nós sabemos em algum lugar que somos criador dos monstros. É o caso de Stevenson e Gekil e Doutor Hyde.

     

    Outra categoria: os  criminosos de guerra  que são quase pessoas ordinárias. Eichmann, disse Hanna Arendt, era  um ser normal, banal, muitas pessoas parecem com ele, os criminosos de guerra não eram nem perversos nem sádicos. A civilização de massa tornou possível esse tipo de monstruosidade que  Hanna Arendt qualifica  a banalidade do mal. A fragmentação da responsabilidade, no esquema do extermínio dos judeus, pode ser citada como exemplo. Foi assim que Eychmann  declarou não haver matado  ninguém pessoalmente.

     

     

    2. CURRICULUM VITAE DE ELSA RIBEIRO HAWELKA.

     

    ‘’Nascida no Brasil em 1910, comecei meus estudos primários na cidade em que nasci Piraju, no estado de São Paulo, terminando-os no Rio de Janeiro. Foi nesta cidade onde terminei meus estudos secundários, no Colégio Notre–Dame de Sion, onde o ensino era dado por professores preparados na tradição francesa. Naquela época, o ensino público no Brasil quase não tinha um estatuto orgânico.

     

    Após a morte de meu pai em 1954, tive de trabalhar e decidi tornar-me professora. Assim, ensinei durante mais de dez anos a língua francesa em instituições particulares.

     

    Nesta época, o ensino secundário no Brasil era alvo de um controle mais estrito da parte do governo, e os professores que, ao lado do pessoal formado segundo os novos princípios, haviam sido recrutados, foram obrigados a se submeter a um exame de aptidão pelo Estado. Eu passei então este exame e obtive o direito de ensinar o francês nas três classes terminais do secundário.

     

    Em 1942 eu estudava inglês no Instituto Brasil - Estados Unidos do Rio, quando o diretor deste estabelecimento me convidou para dar um curso de português para os Americanos, na época estabelecidos no Brasil e, sobretudo, para o pessoal dos Estados-Unidos, civil e militar, que, durante esses anos de guerra, havia consideravelmente aumentado.

     

    Em 1945 a Embaixada da França, de acordo com o Ministério brasileiro da Educação e a Municipalidade da cidade do Rio de Janeiro, organizou um curso destinado ao aperfeiçoamento dos professores brasileiros de francês,  reconhecidos por  esses dois organismos. Eu então me inscrevi num dos concursos que durou três anos e foram dados por vários universitários franceses, especialmente designados sob a direção do Senhor Pierre HAWELKA, professor de gramática com quem me casei algum tempo depois.

     

    Tendo assim retomado contacto com o ambiente francês, fui convidada a fundar, na Alliance Française, um curso de português para   franceses, observando a mesma atenção que eu dava no Institut des Etats-Unis.

     

    Em 1951, meu marido tendo sido chamado para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, eu fixei minha residência nesta cidade, onde, no início, continuei as mesmas atividades de ensinamento (fundação de um curso de português na Alliance Française de São Paulo, ensinando o português para estrangeiros na Société de Culture Anglaise).

     

    Em 1952, por motivos de saúde, comecei um tratamento psicanalítico, cujo sucesso levou-me a considerar a possibilidade de me tornar psicanalista. Para tanto comecei meus estudos de filosofia na referida faculdade, seguindo ao mesmo tempo cursos dados na Sociedade de Psicanálise de são Paulo.

     

    Em 1956, obtive minha licença de filosofia. No Brasil, a preparação para este curso comportava quatro anos de estudos, os três primeiros obedecendo a um programa fixo, comportando:

    - Introdução à Filosofia (um ano)

    - História da Filosofia (dois anos)

    - Lógica (um ano)

    -Sociologia (um ano)

    -Estética (um ano)

    -Moral (um ano)

    -Filosofia geral (um ano)

    -Psicologia (três anos)

    No quarto ano, o estudante tinha a liberdade de escolher suas matérias preferidas e foi assim que optei pela Psicologia Patológica e pela Psicologia Clínica, esta última compreendendo, afora os cursos, um estagio de trabalhos prático no Instituto de Higiene Mental, um dos serviços da  Secretaria do Estado da Saúde Pública.

    Ao lado desses estudos continuei meu tratamento psicanalítico, doravante para fins didáticos.

     

    Em  janeiro de 1957, meu marido foi nomeado para o Instituto Hispânico da Universidade de Paris, o que explica minha residência atual.

    Em Paris, eu retomei minha análise didática com um professor da Sociedade Francesa de Psicanálise, seguindo ao mesmo tempo o ensino dado pela mesma Sociedade.

     

    Ao lado de minhas atividades como professora resumidas mais acima, uma de minhas preocupações constantes era o interesse que eu tinha pela língua do país onde nasci. Ao contrário  de tantos Brasileiros,  os quais, muito sensíveis aos seus isolamentos no mundo, só têm por ela uma indiferença insensível, eu sempre me consagrei ao estudo desta ‘’fleur du Latium’’ com uma afeição particular. Embora rica, flexível e surpreendentemente receptiva, assimilando os neologismos sem timidez mas, sem excesso, o português não foi ainda cultivado ao ponto de mostrar toda a sua capacidade para exprimir uma civilização dinâmica. Na minha esfera limitada, aproveitei todas as possibilidades que me foram ofertas para agir neste sentido. Assim, comecei a fazer traduções literárias (entre outras,  aquela de um romance da “Comédie  Humaine” de Balsac, “L’llustre Gaudossart” que coloca problemas de terminologia regional).

    Eu também traduzi artigos científicos, inglês e francês, também fui encarregada da revisão gramatical e estilística de traduções de textos semelhantes feitas em alemão ou outras línguas para o português (por exemplo, de diversas publicações médicas dos laboratórios C.I.B.A. do Brasil).

     

    3. PONTALIS, O MENINO  DOS LIMBOS.

     

    Referência: Artigo de Michel Schneider, revista Le Point  2241, datada  de 20 de Agosto de 2015

    Tradução: Eliezer de Hollanda Cordeiro

     

    J.B. Pontalis  era dois, ou até mais. Psicanalista e escritor. Editor de duas revistas, La Nouvelle Revue de psychanalyse  (1979-1994) e Le Temps de la réflexion (1980-1989), e de duas coleções, uma de psicanálise, ‘’Connaissance de l’inconscient’’ (fundada em 1966), outra  de literatura,‘’L’un et l’autre’’(1980-2014).

    Num dos seus contos, ele imaginava que sua própria morte iria ocorrer no dia do seu aniversário. Foi o que se passou em 15 de janeiro de 2013. Ele sonhava também de uma edição ‘’Quarto’’ na editora Gallimard, onde participava da comissão de leitura desde 1965. Honra a esta grande editora, que realizou este segundo desejo  nos oferecendo, reunidas e apresentadas por um psicanalista, Martine Bacherich, e dois escritores, Antoine Billot e Vincent Delecroix, suas ‘’Obras literárias’’. Quinze histórias publicadas de 1980 a 2013, que ele qualificava como uma ‘’autografia.’’ 

    Encontrei Pontalis em 1980 quando  ele publicou, aos 56 anos, sua primeira narração. ‘’Loin’’, com este incipit: ‘’As mulheres existem ’’.

    Trinta e  cinco anos mais tarde eu posso responder: ‘’J.B., como tinhas razão. Somente Elas existem. Elas e os livros. Tu que fostes meu editor e meu amigo, quero te dizer: a vida, sim, era melhor antes, quando estavas conosco’’.

    Um homem desaparece. Mas não inteiramente graças a este bela coleção que acaba de ser  reeditada: ‘’O menino dos limbos’’.    

     

    4. A LOUCURA EM EMBOSCADA (Hirngespinster, Allemagne)

    Referência :  Televisão ARTE.

    Filme de Christian Bach, 2014

    Autora: Hélène Rochette

     

    Simão tem 22 anos e, mesmo assim, perdeu muitas  ilusões. Há muitos anos que este homem bastante  jovem procura dissimular as crises de seu pai, sofrendo de esquizofrenia. Protetor inquieto, ele faz o possível para que sua irmã mais nova não sofra da tensão que reina na família. No dia em que seu pai arrancou de maneira violenta a antena de televisão da casa dos vizinhos, antes de agredir os moradores, Simon não pode mais evitar o internamento do pai.

     

    Esse filme aborda um tema árduo, raramente tratado com delicadeza: a doença psíquica. Escrito por um diretor de cinema distinguido - Ele foi inspirado pela vivência de um amigo - a ficção abrange o olhar filial e a incompreensão diante das manifestações psicóticas. Interpretada por atores célebres na Alemanha, o filme traça o percurso do sentimento de rebaixamento na família do doente.

     

    Mas em se fixando a um paciente  em proa à denegação, o cineasta  não escapa  aos estereótipos. Filmando  de perto o olho fixo e alucinado de Tobias Moretti, mostrando-o até agitando um machado durante seus acessos paranoicos, Christian Bach reforça os medos a as banalidades relacionados com a esquizofrenia. Sem essas amálgamas, sua maneira de conceber este documentário sobre as repercussões sociais da desordem interior teria sido mais convincente. 

    -Hélène Rochette  

     

    5. VOZES NA CABEÇA

    Referência: Televisão ARTE.

    Filme de Christian Bach, 2014

    Autora: Hélène Rochette

               

    Jennifer trabalha como engenheira  de som em Berlim. Um dia, num momento difícil que atravessava, ela começa a ouvir vozes, neste caso aquelas... do arcanjo São Miguel. Forçosamente, ela fica com medo, temendo cair na esquizofrenia. Contudo, ouvir vozes atingiria quase 10% da população, sem que elas sejam sempre o sintoma duma doença mental.

    Um número crescente de pesquisadores se interessa por esse fenômeno.

    Misturando entrevistas com psiquiatras, neuropsicólogos e “pacientes”, o documentário passa em revista  os lugares dos conhecimentos e dos tratamentos.Ele tem o mérito de ser muito claro, abordando  experiências sobre o cérebro, dezenho animado pedagógico e sessões  terapêuticas, afim de contestar os preconceitos.

    Ouvir vozes não é uma experiência mística ou romântica, como as vidas de Jeanne D’Arc ou de Rilke poderiam deixar supor. Vozes na cabeça é uma vulgarização científica  bem sucedida, apesar  duma dublagem irritante e das imagens de ilustração convencionais.

    -Xavier Thoman

     

     

     


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