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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Maio de 2016 - Vol.21 - Nº 5

Psiquiatria Forense

DECRETO PERMITE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SEM REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)

(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Professor Afiliado do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Coordenador do Grupo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica da EPM-UNIFESP;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.


            Em março deste ano de 2016, foi publicado o Decreto presidencial No. 8.691/16, que altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo então Decreto No. 3.048, de maio de 1999. O presente Decreto traz novidades nos mecanismos utilizados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para a concessão de benefícios aos seus segurados.

            São três as principais modificações estabelecidas pelo Decreto:

1- Estabelecimento de convênios com órgãos e entidades públicas integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS): “Art. 75-B: ...o INSS poderá celebrar, mediante sua coordenação e supervisão, convênios, termos de execução descentralizada, termos de fomento ou de colaboração, contratos não onerosos ou acordos de cooperação técnica para a colaboração no processo de avaliação pericial por profissional médico de órgãos e entidades públicos que integrem o Sistema Único de Saúde - SUS”;

2- Possibilidade de concessão de benefício baseado em atestado do médico assistente do segurado: “Art. 75-A: § 1º O reconhecimento da incapacidade pela recepção da documentação médica do segurado poderá ser admitido, conforme disposto em ato do INSS: I - nos pedidos de prorrogação do benefício do segurado empregado; ou II - nas hipóteses de concessão inicial do benefício quando o segurado, independentemente de ser obrigatório ou facultativo, estiver internado em unidade de saúde”;

3- Possibilidade de retorno ao trabalho sem realização de perícia pelo INSS: “Art. 75: § 1º  A impossibilidade de atendimento pela Previdência Social ao segurado antes do término do período de recuperação indicado pelo médico assistente na documentação autoriza o retorno do empregado ao trabalho no dia seguinte à data indicada pelo médico assistente”.

            No Art. 78, o Decreto sintetiza as modificações descritas acima:

“§ 1º O INSS poderá estabelecer, mediante avaliação pericial ou com base na documentação médica do segurado, nos termos do art. 75-A, o prazo que entender suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado.

§ 2º  Caso o prazo concedido para a recuperação se revele insuficiente, o segurado poderá solicitar a sua prorrogação, na forma estabelecida pelo INSS.

§ 3º  A comunicação da concessão do auxílio-doença conterá as informações necessárias para o requerimento de sua prorrogação.

§ 4º  A recepção de novo atestado fornecido por médico assistente com declaração de alta médica do segurado, antes do prazo estipulado na concessão ou na prorrogação do auxílio-doença, culminará na cessação do benefício na nova data indicada.”

No entanto, entidades médicas vêm manifestando sua preocupação e desaprovação quanto às modificações ora apresentadas. A Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP) publicou nota na qual expressa seu repúdio em relação aos termos do Decreto 8.691/16. O referido manifesto também foi assinado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB) e Federação Nacional dos Médicos (FENAM).

As entidades médicas colocam, no que tange à quantidade de peritos médicos previdenciários, que “atualmente temos um déficit do quadro funcional de 3.000 (três mil) vagas em aberto e o Governo ao invés de fazer os concursos necessários prefere transferir a responsabilidade para a já lotada e deficiente rede do SUS... O decreto vai permitir que qualquer atestado médico, sem nenhuma verificação de veracidade ou conteúdo técnico, permita a liberação de benefícios, abrindo as portas para a fraude e a concessão indevida dos mesmos”. Atestam ainda que “a função da perícia médica do INSS é a de reconhecimento de direito previdenciário, pois nem todo cidadão adoecido se encontra incapaz ao trabalho e o benefício é pela incapacidade, não pela doença”. Informam ainda que o papel do perito previdenciário é de suma importância para o sistema de concessão de benefícios pelo INSS, apontando que “diariamente, situações de fraude ou de ausência de direito são detectadas e bloqueadas”. Reforçam ainda sua preocupação com o possível impacto de tal Decreto na viabilidade da estrutura da previdência social no país: “Ao abrir mão dessa exigência legal e permitir a concessão de benefícios sem a perícia médica, o Governo estará lançando toda a previdência social no escuro pois tais benefícios poderão ser implantados sem limite e sem direito em um período de forte retração econômica e elevação de desemprego”. A nota expressa ainda preocupação quanto ao impacto das medidas do Decreto na já combalida estrutura do SUS: “O decreto utilizará a já escassa mão de obra do SUS, que já não dá conta de seu próprio trabalho, com risco de colapso do atendimento, especialmente nas cidades pequenas”. Questões de ordem ética e deontológica também são levantadas: “O decreto obrigará o segurado a abrir mão do seu sigilo médico ao fazer com que ele tenha que entregar um atestado onde constará o nome da doença a um servidor não-médico do INSS. O decreto pode ferir a ética médica ao transformar o médico assistente em perito de seu próprio paciente”. As entidades medicas finalizam seu manifesto informando que o conjunto da sociedade sofrerá com as conseqüências do Decreto No. 8.691/16: “o segurado com direito, as contas públicas, os servidores, o SUS, os médicos assistentes e a sociedade”.

O Decreto Decreto No. 8.691/16 entrou vigor na data de sua publicação. No entanto, a possibilidade de convênios do INSS com órgãos e entidades ligadas ao SUS aguarda publicação de ato conjunto dos Ministérios do Trabalho e Previdência Social e da Saúde. Já a possibilidade de reconhecimento da incapacidade laborativa do segurado pela apresentação de documentação de seu médico assistente aguarda disposição em ato do INSS.


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