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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Abril de 2016 - Vol.21 - Nº 4

Psiquiatria Forense

O FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES MÉDICAS À DEFENSORIA PÚBLICA NÃO É PERMITIDO SEM O CONSENTIMENTO EXPRESSO DO PACIENTE

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)

(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Professor Afiliado do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Coordenador do Grupo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica da EPM-UNIFESP;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.


            Em fevereiro deste ano de 2016, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) homologou o Parecer 150.621/15, que versa sobre o fornecimento de informações acerca de pacientes em tratamento médico. A Consulta foi encaminhada ao CREMESP pelo Diretor de Assistência do H.E.B, questionando acerca da obrigatoriedade por parte da instituição e do profissional médico em preencher formulário médico para análise da viabilidade de ação judicial para pedido de tratamento/medicamento não fornecido pela rede pública, a pedido da Defensoria Pública. O Parecer relativo a tal Consulta teve como Relatora a Dra. Carla Dortas Schonhofen, advogada do Departamento Jurídico do CREMESP, tendo sido subscrito pelo Conselheiro Renato Azevedo Júnior, Diretor Secretário do Conselho.

            No que tange ao conteúdo do Parecer, inicialmente a Relatora esclarece que informações médicas são acobertadas pelo sigilo médico, que é uma espécie de segredo profissional. Diante disso, cita o Artigo 73 do Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.931/09), que trata do assunto nos seguintes termos: “É vedado ao médico: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal”. Ademais, vale ressaltar que, por força de lei, o Conselho Federal de Medicina é o órgão maior regulamentador da Medicina no país (Lei No. 3.268/1957). Assim, cabe ao médico cumprir suas decisões.

O sigilo médico profissional encontra ainda respaldo na Constituição Federal que, por meio do inciso X, do Artigo 5o, protege o direito à intimidade das pessoas: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Sendo assim, “é de se destacar que o direito ao segredo da relação médico-paciente encontra-se protegido pela Constituição Federal, sendo inviolável a intimidade e a vida privada em todos os seus aspectos e relações; não há flexibilização da Carta Magna quanto a tal aspecto” (Nota Técnica CREMESP 01/2014). Logo, o direito à intimidade, decorrente da relação médico-paciente, não pode sofrer um tratamento próprio, por meio de ações de órgãos como a Defensoria Pública.

A proteção ao sigilo médico também é prevista na legislação infraconstitucional. O Código Penal brasileiro, em seu Artigo 154, prevê que é conduta passível de punição “revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. O Código de Processo Penal, em seu Artigo 207, afirma que “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.” Além disso, o Código Civil brasileiro também dispõe sobre o tema, nos seguintes termos: “ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I. a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo.” Desse modo, o sigilo profissional médico é protegido por lei, tanto no âmbito Penal como também no Civil. Assim sendo, o médico que revelar informação à qual teve acesso, em decorrência da relação médico-paciente, está sujeito a ser processado civil e criminalmente por eventuais danos causados ao seu paciente, inclusive de ordem moral.

         No entanto, há exceções à observação do sigilo médico profissional, que estão contempladas nas próprias normas legais. Assim, nos casos de consentimento por escrito do paciente, motivo justo (justa causa) e dever legal, o médico está autorizado a quebrar o sigilo profissional. No entanto, vale ressaltar que tais exceções necessitam estar aliadas, sempre que possível, à ausência de dano a terceiros e à motivação para a quebra. Por conseguinte, a norma legal vigente “não prevê a quebra do sigilo profissional, mas, ao contrário, a protege como regra; o interesse público atua como garantidor do segredo profissional e não como justificativa à sua quebra” (Nota Técnica CREMESP 01/2014).

            No caso do Parecer CREMESP discutido neste texto, o Departamento Jurídico do Conselho entendeu que o H.E.B e sua equipe médica não poderiam preencher o formulário solicitado pela Defensoria Pública, sem a expressa autorização do paciente, uma vez que as informações solicitadas referem-se a dados obtidos no contexto da relação médico-paciente. Tais informações somente poderão ser reveladas a terceiros, e consequentemente encaminhadas à Defensoria Pública, com o consentimento, por escrito, do paciente, devendo, portanto, o médico ater-se ao sigilo médico que protege a intimidade do paciente.

 


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