Psyquiatry online Brazil
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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Junho de 2016 - Vol.21 - Nº 06

Artigo do mês

MACONHA: UM SIMPÓSIO BASEADO EM EVIDÊNCIAS

Juliana Gomes Pereira

Aconteceu no dia 04/06/2016, em São Paulo, no Centro de Convenções Rebouças, o evento preparado pelo GREA- Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e  Drogas do Instituto de Psiquiatria (IPQ) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Eu participei do evento e comentarei brevemente, a seguir, as diversas palestras que foram apresentadas.

A maconha é a droga ilícita mais consumida no Brasil e no mundo. No entanto, apesar dos esforços das pesquisas que vêm sendo realizadas nos últimos anos, o tratamento de indivíduos dependentes de maconha ainda representa um grande desafio aos profissionais da área (Oliveira, HP, Malbergier, A, 2014). A oportunidade de frequentar um evento desta natureza é rica pela chance de ver o que há de fundamento científico até o momento, uma vez que o consumo entre os adolescentes cresce e a maioria dos estudos é feita com adultos, até porque é rara a demanda espontânea por tratamento em serviços de saúde na faixa etária da adolescência. O aumento da vulnerabilidade pelo uso mais precoce ocorre em associação ao menor repertório de habilidades sociais e à maior dificuldade de crítica diante das consequências negativas  (Pereira, 2014).

Não é o nosso objetivo descrever tudo o que foi dito no evento, mas ressaltar as notícias mais importantes sobre o tema para que os colegas que não são da área estejam mais bem informados e atualizados sobre o assunto.

Maconha – Panorama Atual

Dr. Arthur Guerra, Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Professor Associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP-GREA), falou sobre o panorama atual, mitos e verdades sobre a maconha e aumento do consumo e a importância das pesquisas para o reconhecimento da associação com comorbidades psiquiátricas.

Aspectos Históricos da Maconha

Henrique Carneiro, historiador e pesquisador sobre a História das Drogas e Alimentos é professor de História Moderna na USP. Ele enfatizou dados históricos como o isolamento do THC por Raphael Mechoulam, em 1964, em Israel-  e de fato de lá saem muitos estudos sobre o tema, o que pude conferir quando morei em Tel Aviv e tive contato com muitas pessoas ativistas em favor da maconha e seu uso medicinal. Lembrou do Profº Carlini, que fundou a “Maconhabrás”  https://almanaquedasdrogas.com/2013/11/07/unifesp-cria-o-maconhabras-grupo-de-estudos-sobre-a-maconha/  dedicada à investigação do tema na UNIFESP. Valoriza o uso compassivo, que se refere ao efeito timoléptico, relacionado ao PRAZER. Informa que 24 Estados e uma Capital Federal legalizaram o uso medicinal e quatro legalizaram o uso RECREATIVO: Alasca, Colorado, Oregon e Washington..

Neurobiologia da Maconha e dos canabinóides-efeito no cérebro e na cognição

Alline Cristina de Campos, Farmacêutica da USP de Ribeirão Preto-SP, falou sobre o trabalho de doutorado e de suas pesquisas com canabidiol. Ela confirmou que a indicação medicinal hoje é para epilepsias refratárias e esclerose múltipla.  O Marinol (THC) e o Sativex (THC + canabidiol) são medicações aprovadas para esse fim e têm sido importadas para o Brasil. Ainda não conhecemos os efeitos prejudiciais do canabidiol. Sabe-se que o THC é a substância mais nociva porque causa dependência, ativa o sistema de recompensa cerebral e é responsável pelo efeito psicoativo, conhecido por “brisa" pelos adolescentes.

Cognição e Déficits de memória em usuários de maconha

Dra Maria Alice Novaes atentou para a exposição dos jovens ao consumo de maconha de forma que eles tenham uma diminuição da percepção de risco. Como exemplo, mostrou os vídeos da Silenced Hippie que mostra inúmeros vídeos da uma garota bonita de 23 anos, frequentemente intoxicada por maconha, que faz um merchandising dos produtos que utiliza para fumar como os bang, por exemplo. https://www.youtube.com/user/SilencedHippie/feed.

Em relação aos estudos da memória, ela esclarece que a memória melhora de 4 a 8 semanas após a abstinência. Ao contrário, os adultos que usam há mais tempo, demoraram 01 ano para apresentar melhora da memória. 

Finalmente, ela afirmou que hoje já está bem estabelecido o prejuízo na direção de quem dirige intoxicado por maconha e como o efeito é dose- dependente, como é possível observar neste vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=dw1HavgoK9E.

Alterações Estruturais e Funcionais relacionadas ao uso de cannabis: aspectos de neuroimagem

Dr Sérgio Nicastri, (psiquiatra, pesquisador na USP) mostrou as evidências através de exames de imagem, referentes à perda neuronal causada pela maconha e os exames funcionais durante atividade intelectual em usuários de uso crônico da maconha, comparado aos grupos-controle que não utilizavam maconha. Demonstrou que há aumento da vulnerabilidade à distração, afrouxamento das associações, erros em testes de memória e piora da atenção seletiva.

Tratamento Psicológico da dependência de maconha: um bicho de sete cabeças?

Dra Flávia Jungerman (Grea) mostrou como o sistema cognitivo fica prejudicado pela falta de repertório social e como o processamento cognitivo leva a fumar maconha para aliviar qualquer incômodo.  As técnicas psicoterapêuticas recomendadas são a terapia cognitivo-comportamental e a técnica Mindfulness (que envolve estar atento às reações do corpo de forma não julgadora). Entretanto, poucos usuários procuram tratamento. O perfil de quem procura tratamento é o de usuários há mais de 10 anos, adultos, com prejuízos familiares, sociais, financeiros e pouca satisfação com a vida. Poucos adolescentes procuram tratamento, senão por pressão familiar- não vêem prejuízo. Gates et al. (2016) observaram  que quatro sessões intensivas produziam mais resultados do que terapias menos intensivas. São muito baixas as taxas de abstinência conseguida com o tratamento: 25% do total que procura tratamento. Ramos et al. (2015) encontraram  59 aplicativos  sobre maconha- forma mas ágil de atingir adolescentes e nesta pesquisa, nenhum aplicativo tinha componente de tratamento.. REDUCE YOUR USE é um aplicativo que mostra resultados interessantes. https://reduceyouruse.org.au/sign-up/

Para ADOLESCENTES, o tratamento é efetivo em reduzir uso. Entretanto, o efeito é muito pequeno em sua magnitude. A frequência de recaída em  um ano é alta, apenas 1/3 sustenta a abstinência e metade consegue reduzir danos. 

O perfil dos usuários prediz a evolução: dependência de maconha, consumo diário e fatores sociodemográficos, tais como meio social em que os usuários estão inseridos, disponibilidade da droga e interesses do grupo social que pode ser tanto com maior como com menor poder aquisitivo: dinheiro dado pelos pais ou condições na favela e proximidade com o tráfico de drogas, por exemplo.

Tratamento Farmacológico de dependentes  de maconha: o que sabemos hoje?

Dr Hercílio Pereira da Oliveira Jr (psiquiatra- GREA)- deixou bem claro: “Não há medicações aprovadas pelas agências reguladoras para o tratamento de indivíduos dependentes de maconha”. A recomendação é de medicamentos sintomáticos para a síndrome de abstinência como antiespasmódicos, anti-inflamatórios, analgésicos, benzodiazepínicos (com cautela) e indutores do sono.

As medicações canabinóides poderiam melhorar sintomas de abstinência, como o Dronabinol, Nabilone e Sativex, embora os resultados sejam preliminares.

Naltrexona- houve efeito negativo com aumento do uso da droga (Haney, 2003)- Muito importante!!!

Muitos antidepressivos não mostraram nenhum resultado em relação ao consumo de maconha. Mirtazapina melhorou o sono e apetite, mas não o consumo de maconha.

Diagnosticar comorbidades e tratá-las é fundamental:  depressão, ansiedade, bipolaridade, surtos psicóticos, déficit de atenção e hiperatividade, entre outros.

A Política Penal de Drogas no Brasil

Maurício Dieter, criminólogo, levantou a questão da descriminalização e a forma como as cadeias estão lotadas de usuários, assim como as internações para adolescentes infratores, excedendo a capacidade máxima. No Colorado (EUA), houve aumento de homicídios devido ao aumento da oferta de dinheiro advindo da legalização da maconha e sua comercialização- obviamente há outros interesses na legalização. Criticou os programas de prevenção de drogas em alunos de 10 anos e o efeito zero na adolescência. Intervenções com os PAIS costumam ser mais efetivas: palestras psicoeducativas em escolas e psicoterapia, por exemplo.

Como abordar e elaborar diretrizes de prevenção ao uso em casa e nas escolas?

Murilo Battisti, psicólogo, abordou intervenções de prevenção nas escolas, projetos que deveriam visar a alcançar objetivos 10 anos adiante, modificando o comportamento dos pais e a aumentando sua responsabilidade. Adolescentes precisam de MAIS TEMPO COM OS PAIS, FAZENDO ATIVIDADES COM ELES. O perfil de usuários costuma depender do perfil dos pais: autoritativos (oferecem limite e suporte afetivo), autoritários (oferecem mais limite do que suporte afetivo), indulgentes (oferecem suporte afetivo com pouco limite) e negligentes (não oferecem limite, tampouco suporte afetivo) (Tondowiski, 2013). Existe uma necessidade muito grande de fortalecimento da educação para atrair o jovem em outros projetos senão a droga.

Maconha-cura ou veneno em medicina?

Dr André Malbergier (Psiquiatra, GREA) falou das pesquisas que referem melhora de sintomas no câncer e tratamento da dor neuropática (THC fumado e Sativex). Para aliviar sintomas de quimioterapia, houve fraco resultado. Evidência de muito baixa qualidade para falar em público (ansiedade social), ansiedade, depressão e efeitos colaterais graves devido ao uso: náuseas, desequilíbrio, vômitos, boca seca, fadiga, alucinações.

Em pacientes predispostos, o surto psicótico é uma condição bem elucidada na Medicina e o risco é alto sob o uso de maconha. Um trabalho de 2016 demonstrou que o uso de cannabis por 20 anos está associado com doença periodontal, mas, não está associado a outros problemas de saúde física  http://media.jamanetwork.com/news-item/long-term-marijuana-use-associated-with-periodontal-disease/

Comentário Pessoal

Percebi durante o evento que a abstinência de maconha na adolescência ainda é um desafio. Com certeza, observo na minha prática clínica que o relacionamento com os pais é muito importante para o sucesso do tratamento e que fazer tratamento reduz danos significativos. O nosso foco deveria ser empoderar mais os pais de suas condições de darem afeto e de colocarem mais limites e supervisão para os adolescentes, que precisam que os pais funcionem como seus lobos frontais na tomada de algumas decisões, embora estejam em processo de separação e individuação, típicos da idade. Não há dúvida de que há prejuízo cognitivo com o uso de maconha nos cérebros em desenvolvimento, principalmente. 

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Juliana Gomes Pereira
Médica Psiquiatra

CRM-SP 127.410 
Geral, Infância e Adolescência
www.drajuliana.site.med.br

www.psiquinfancia.com.br/


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