Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Maio de 2015 - Vol.20 - Nº 5 Psicanálise em debate ADIVINHE O QUE ESTÁ FALTANDO... (*)
Sérgio
Telles Nas últimas semanas tem circulado
nas redes sociais selfies
nas quais homens de aparência viril aparecem despidos, sozinhos ou em grupos, escondendo
seus penis e testículos entre as coxas, de modo a aparentar um púbis feminino.
O enigma da pose é elucidado pelo fato de intitularem tais fotos como “manginas”. "Mangina" é um neologismo norte-americano
resultante de fusão entre “man” e “vagina”
(pronuncia-se mendjáina) que significa algo como “vagina
de homem” ou ‘homem vagina”. O Urban
Dictionary - dicionário de gírias norte-americanas on line, aberto
como o Wikipedia e que estatísticas recentes afirmam receber mensalmente 72
milhões de consultas - lista cerca de 145 entradas
para esse vocábulo, a maioria referente a homens que não fazem uso da
masculinidade tal como convencionalmente esperado, bem como a práticas
homossexuais e manobras realizadas por travestis para ocultar os órgãos
genitais. Entre os significados mais importantes da palavra está a caracterização irônica e derrisória do homem heterossexual
que, de tanto enaltecer as mulheres e defender seus direitos, esquecem os próprios,
terminando por adotar uma atitude de passiva submissão frente a elas. Nos selfies, os homens que escondem o
pênis ridicularizam os "manginas",
mostrando-os como castrados que abdicam de seus dotes masculinos por sujeição ao
poder feminino. O “mangina”
é o oposto do machista. Enquanto o machista desvaloriza a mulher por
considerá-la um ser inferior que deve ser submetido e dominado, o “mangina”a idealiza, celebrando-a como um ser superior ao
homem. Apesar de estarem em polos
opostos, “manginas” e machistas se perdem nos
labirintos das diferenças entre os sexos. Ao contrário dos outros animais,
para os quais a diferença entre os sexos é fator de inequívoca atração, nos seres
humanos, por termos deixado o reino da natureza e ingressado na cultura, essa
diferença, além da atração, nos provoca também estranhamento e desconforto. Isso se deve à persistência no
inconsciente da forma como a mente infantil lida com as diferenças sexuais.
Para a criança, a diferença entre os sexos não é um dado natural e sim o
resultado de uma mutilação, de uma castração, evento ocorrido no contexto narrativo
da tragédia edipiana. O machismo tem raízes nessas teorias
sexuais infantis sobre as diferenças entre os sexos: os homens se veem como portadores
do falo e por isso desprezam as mulheres que dele estariam privadas. As
mulheres, também presas às teorias sexuais infantis, sentem-se diminuídas e
invejosas do pênis que os homens possuem. Essa clássica formulação
freudiana recebeu inicialmente muitas críticas do movimento feminista, mas no
momento há uma maior compreensão e aceitação da mesma, pois ficou mais claro
que o falo é o representante de uma completude narcísica inalcançável, da qual
somos todos – homens e mulheres – obrigados
a desistir. Além do mais, a atitude arrogante
e violenta do machista contra a mulher está ligada a arcaicas vivências com a
mãe. Esconde o primitivo temor que ela
lhe inspira, decorrente do desamparo frente a ela, uma figura onipotente de
quem dependia completamente para sobreviver. A isso se acrescenta o medo que seu
genital lhe desperta por evocar a temida castração e o ódio por ter ela
preferido seu rival, o pai. No nível individual, há o
ressentimento do menino contra a mãe que o “abandonou” pelo pai. No nível
social, o machismo - o homem atuando uma
vingança odiosa contra as mulheres, representantes da mãe que outrora detinha
todo o poder. A truculência do machismo,
vigente por tantos séculos, deve ser combatida com todas as forças. Mas para
tanto, como afirmam os desinibidos e debochados que posaram nas selfies, os
homens não precisam abdicar da masculinidade. Ao que se pode acrescentar, nem
as mulheres de sua feminilidade. A luta do feminismo contra o
machismo é um processo em andamento e tem produzido formas invertidas como casais
constituídos por mulheres fálicas, mandonas, impositivas, masculinizadas e
homens castrados, passivos, submissos, justamente os “manginas”,
avacalhados nos selfies. Ao exibirem jocosamente uma
inequívoca compleição física masculina com um inesperado púbis feminino,
aqueles homens brincam com as diferenças anatômicas entre os sexos e com os
vários níveis da angústia de castração, transitando desde o heterossexual “feminista”,
ao homossexual, o travesti e o
transexual. Algo semelhante faz o austríaco
Tom Neuwirth que interpreta um personagem, a cantora
Conchita Wurst. Travestido como mulher, mantem uma
cerrada barba negra, discrepante com o resto de sua figura. Na mesma linha se
apresentava o grupo Dzi Croquettes
nos anos 70, aqui no Brasil. Enquanto o travesti e o
transexual abdicam transitória ou definitivamente de um dos sexos – o que
tinham originalmente – e adotam por completo o outro,
nos casos acima o sexo original não é deixado de todo, dele restando elementos
que são expostos de forma ostensiva. As questões ligadas ao gênero são
bem conhecidas e estudadas. A novidade trazida pelos selfies “mangina”
consiste no fato de se apresentarem de forma explicita, o que só é possível em
função da mudança nos padrões de moralidade e
dos avanços tecnológicos que permitem uma difusão instantânea e maciça. (*) Publicado no caderno “Aliás”
do jornal “O Estado de São Paulo” em 16/05/2015
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