Psyquiatry online Brazil
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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Março de 2015 - Vol.20 - Nº 3

Psiquiatria na Prática Médica

DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA E SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Maria Teresa Santos Oliveira*
Prof. Dra. Márcia Gonçalves**


 

RESUMO

INTRODUÇÃO: A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma enfermidade respiratória prevenível e tratável, que se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo, que não é totalmente reversível. Há um interesse crescente no papel da comorbidade psicológica em pacientes com doenças crônicas. Vários estudos sugerem que os distúrbios emocionais tais como depressão e ansiedade são comuns entre pacientes com DPOC, tem um efeito prejudicial sobre qualidade de vida. Sendo assim, o objetivo do trabalho foi realizar uma revisão na literatura para evidenciar se a prevalência de transtornos mentais são mais freqüentes em portadores de DPOC, quando comparados a população geral; identificar os transtornos mais comuns nestes pacientes; identificar fatores que contribuam para o desenvolvimento desses sintomas em pacientes com DPOC; e buscar formas para minimizar os efeitos negativos das doenças psiquiátricas na evolução da DPOC. METODOLOGIA: Pesquisa bancos de dados e correlação dos artigos encontrados. RESUTADOS E DISCUSSÕES: A depressão maior é a principal comorbidade psiquiátrica da DPOC (18-60%) e está associada a pior qualidade de vida, pior desempenho funcional, maior necessidade de hospitalizações e baixa adesão às recomendações médicas. Transtorno de ansiedade generalizada atingindo uma prevalência de 10 a 16%. O transtorno do pânico é ainda mais importante: há uma prevalência de 8 a 34%. A prevalência de fobia social em pacientes com DPOC varia 5-11%. Todos apresentam prevalência maior que a encontrada na população geral. Ainda não está claro quais os motivos que levam os pacientes com DPOC a apresentarem sintomas psiquiátricos. Pode estar relacionada aos sintomas mais graves e restrição nas atividades diárias, maior freqüência de internações hospitalares, bem como a natureza desativação progressiva da doença. O tabagismo é um fator de risco comum entre essas doenças. Existem também algumas outras relações psicopatológicas entre essas doenças, aumento de certos neurotransmissores e processamentos cerebrais. Existem alguns achados promissores quanto a reabilitação pulmonar, cessação do tabagismo, e terapia de droga psicológica e antidepressivo na redução da ansiedade e sintomas depressivos em pacientes com DPOC. CONCLUSÃO: As doenças psiquiátricas acometem com maior prevalência os pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica quando comparados a população em geral.  As doenças psiquiátricas mais comumente encontradas nos pacientes com DPOC foram: transtorno depressivo, transtornos de ansiedade e crises de pânico, também foi encontrado uma alta taxa de ideação suicida. Ainda não está totalmente claro o motivo do desenvolvimento de transtornos psiquiátricos em paciente com DPOC, mas vários fatores podem contribuir, como: tabagismo; dispnéia e o fato da dimensão afetiva deste sintoma ser processada, no cérebro, nos mesmos locais que a ansiedade, dor e medo; hipoxemia; limitação às atividades; e internações hospitalares freqüentes.   Em relação ao tratamento, ainda são necessários estudos randomizados, mas a cessação do tabagismo, drogas antidepressivas, reabilitação pulmonar e psicoterapia podem auxiliar o paciente.

INTRODUÇÃO

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma enfermidade respiratória prevenível e tratável, que se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo, que não é totalmente reversível. Esta obstrução é geralmente progressiva e está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação de partículas ou gases tóxicos, principalmente ao tabagismo. O processo inflamatório crônico pode produzir alterações dos brônquios (bronquite crônica), bronquíolos (bronquiolite obstrutiva) e parênquima pulmonar (enfisema pulmonar). 1

A DPOC, em 2003, foi a quinta maior causa de internamento no sistema público de saúde do Brasil, em maiores de 40 anos. Vem ocorrendo um aumento do número de óbitos por DPOC nos últimos 20 anos, em ambos os sexos, ocupando da 4ª à 7ª posição entre as principais causas de morte no Brasil. 1

Embora a DPOC comprometa os pulmões, ela também produz conseqüências sistêmicas significativas, piora na qualidade de vida e incapacidade, principalmente associada à dispnéia progressiva, persistente, que piora com atividades físicas ou infecções respiratórias, apresentada pelos pacientes acometidos. Também fazem parte do quadro clínico da doença: tosse crônica, produção crônica de expectoração, exacerbações e história de exposição a fatores de risco, como cigarro, fogão de lenha, poeira, produtos químicos ocupacionais, entre outros.(1,2)

O diagnóstico é realizado por uma combinação de dados clínicos, espirométricos e radiológicos, embora o quadro clínico seja o principal componente.2

O tratamento farmacológico da DPOC consiste, basicamente, no uso de broncodilatadores. Os broncodilatadores são classificados em três grupos: anticolinérgicos, b-2 agonistas e metilxantinas. A via de escolha preferencial deve ser a inalatória, por ter ação direta nas vias aéreas e com menor índice de eventos adversos.3

Para o controle da doença vários aspectos devem ser observados, como a descontinuidade do tabagismo, uso correto de medicações, fisioterapia respiratória, tratamento precoce das exacerbações e também o reconhecimento e manejo das alterações do humor. Estes últimos são muito freqüentes em pacientes com doenças crônicas, embora não seja conhecido o quanto a sintomatologia física possa ser considerada como causa ou como conseqüência de condições emocionais.4

Há um interesse crescente no papel da comorbidade psicológica em pacientes com doenças crônicas.5 Vários estudos sugerem que os distúrbios emocionais tais como depressão e ansiedade são comuns entre pacientes com DPOC (2,4-8,12), e que, obviamente, tem um efeito prejudicial sobre qualidade de vida,  afetando o funcionamento emocional, social e físico6.

Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo realizar uma revisão na literatura para evidenciar se a prevalência de transtornos mentais são mais freqüentes em portadores de DPOC, quando comparados a população geral; identificar quais são os transtornos mais comuns que acometem esses pacientes; identificar fatores que possam contribuir para o desenvolvimento de sintomas psiquiátricos em pacientes com DPOC; e buscar formas para minimizar os efeitos negativos das doenças psiquiátricas na evolução da DPOC.

METODOLOGIA

Foram pesquisados os bancos de dados pubmed, scielo e bireme, bem como as websites da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Jornal Brasileiro de Pneumologia, usando para pesquisa os termos: doença pulmonar obstrutiva crônica e sintomas psiquiátricos ou psiquiatria ou transtornos mentais ou ansiedade ou depressão ou pânico ou qualidade de vida, em língua portuguesa e inglesa. Também foram selecionas artigos citados nas referências bibliográficas de alguns estudos já selecionados. Foi realizada uma revisão correlacionando as todas as informações dos artigos selecionados com o conhecimento sobre o assunto.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A depressão maior é a principal comorbidade psiquiátrica da DPOC, alcançando altas taxas de prevalência (18-60%), de acordo com a gravidade do quadro. A prevalência parece ser 4 a 5 vezes maior do que a população não-DPOC, e 2 vezes maior do que populações com outras condições crônicas, como doenças ortopédicas degenerativas.2  Entretanto, as estimativas da prevalência de depressão ou de sintomas depressivos clinicamente relevantes em pacientes com DPOC variam muito e, isto se deve, em grande parte, às diferenças metodológicas na amostragem de pacientes, aos instrumentos de rastreamento de sintomas depressivos, e aos métodos de diagnóstico da DPOC.7 A depressão no DPOC está associada a pior qualidade de vida, pior desempenho funcional, maior necessidade de hospitalizações e baixa adesão às recomendações médicas.2

Transtorno de ansiedade generalizada é três vezes mais comum na DPOC do que na população geral2, tanto em meio hospitalar como ambulatorial5  atingindo uma prevalência de 10 a 16%. O transtorno do pânico é ainda mais importante: há uma prevalência de 8 a 34%.2

A prevalência de fobia social em pacientes com DPOC varia 5-11%. Isto é significativamente mais elevado do que o encontrado na população idosa geral.7 Um estudo recente que explora as experiências de pacientes com DPOC com ansiedade indica que os pacientes podem sentir-se envergonhados por sua falta de ar, e também por sintomas de ansiedade somáticos, como a transpiração excessiva e incontinência urinária.8

Um estudo identificou que a ideação suicida era comum em pacientes com DPOC, principalmente em mulheres e está associada a sintomas depressivos mais graves e coexistindo com outra doença mental, internações mais freqüentes, aumento da dispnéia e da deficiência, bem como situações adversas da vida, como perda de um relacionamento.9

Ainda não está claro quais os motivos que levam os pacientes com DPOC a apresentarem sintomas psiquiátricos. Pode estar relacionada aos sintomas mais graves e restrição nas atividades diárias, maior freqüência de internações hospitalares, bem como a natureza desativação progressiva da doença5.  Fatores psicossociais que se observam em pacientes com DPOC, como baixa autoestima, isolamento e dependência também podem contribuir para o desenvolvimento da depressão.2 O tabagismo é um fator de risco comum entre essas doenças. Existem também algumas outras relações psicopatológicas entre essas doenças, aumento de certos neurotransmissores e processamentos cerebrais.

O tabagismo, fator de risco mais comum para a DPOC, também está associado com a depressão, pois pessoas com transtornos psiquiátricos fumam mais2, portanto, o tabagismo, a DPOC, e a depressão estão profundamente relacionados entre si, com a depressão desempenhando um papel importante na iniciação e manutenção do tabagismo, o tabagismo levando ao desenvolvimento de DPOC e a DPOC, por sua vez, contribuindo para o estabelecimento ou agravamento da depressão.7

Uma hipótese mais recente considera a DPOC como fator de risco para desenvolvimento de depressão, sugerindo que a hipoxemia crônica pode levar a uma menor produção de noradrenalina e dopamina, levando à depressão.2  Porém, a simples correção da hipoxemia pode ou não melhorar o humor desses pacientes.4

Uma teoria que afirma a relação dispneia-ansiedade pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento de desordens de ansiedade, nos pacientes com DPOC. Recentes estudos de imagem cerebral apóiam a idéia de que pode haver uma etiologia compartilhada entre ansiedade e dispnéia. Estudos indicam que a dimensão afetiva da dispnéia (caracterizado pela angústia e desconforto) é processada nas mesmas áreas do cérebro que processam o medo, a ansiedade, e a dor.5

Ataques de pânico ocorrem quando más interpretações catastróficas das sensações físicas ambíguas (tais como falta de ar ou aumento da freqüência cardíaca) aumentam a excitação, criando um ciclo de feedback positivo que resulta em pânico. Portanto a dispnéia em pacientes com DPOC pode levar a interpretações equivocadas, gerando crises de pânico10, em pacientes propensos. Um estudo demonstrou que pacientes com DPOC com diagnóstico de transtornos de ansiedade (agorofobia e pânico) relatam “medo de morrer” durante um episódio de falta de ar aguda. Em contraste, mais pacientes sem transtorno de ansiedade relatam pensamentos de "busca de ajuda", durante um ataque deste tipo. Os grupos não diferiram em seu nível de falta de ar percebido.6

As medicações usadas no tratamento da DPOC também podem gerar ou intensificar sintomas psiquiátricos: Depressão e mania são as reações psiquiátricas mais comuns dos corticóides, seguidas de psicose, delirium e quadros mistos de humor; Em crianças a teofilina está implicada, como mostram inúmeros relatos, com alterações neuropsiquiátricas, incluindo alterações de memória, comprometimento das habilidades motoras, déficit de atenção e dificuldades de adaptação escolar, embora a maioria dessas alterações seja leve; Existem vários relatos isolados na literatura de psicose associada à administração de beta-agonistas, entretanto a maioria dos estudos não mostrou este tipo de complicação. Pode ocorrer estímulo transitório do SNC com sensação de ansiedade, taquicardia e tremores de extremidades.2

A reabilitação pulmonar pode ser definida como uma arte da prática médica voltada à estabilização e/ou à reversão da fisiopatogenia e da psicopatogenia das doenças pulmonares, a qual procura restabelecer, no pneumopata, o mais elevado índice de capacidade de desempenho compatível com sua função pulmonar e situação geral de vida.11

Um estudo avaliou o efeito de um programa de reabilitação pulmonar, encontrando redução da ansiedade em todos os grupos analisados. No entanto, a redução foi significativamente maior nos grupos submetidos às sessões de psicoterapia em relação ao grupo não submetido à psicoterapia, influindo na melhora da capacidade de realizar exercícios físicos e na qualidade de vida relacionada à saúde.11

Sub-reconhecimento e sintomas de depressão e ansiedade não tratados têm efeitos deletérios sobre o funcionamento físico e interação social, aumentando fadiga e utilização de assistência a saúde em pacientes com DPOC. É um desafio identificar e tratar a depressão e ansiedade porque os seus sintomas se confundem com as da DPOC. Existem alguns achados promissores quanto a reabilitação pulmonar, cessação do tabagismo, e terapia de droga psicológica e antidepressivo na redução da ansiedade e sintomas depressivos em pacientes com DPOC.12 Recomenda-se evitar o uso de benzodiazepínicos, uma vez que estes podem levar à diminuição da capacidade respiratória.2 No entanto, estes resultados precisam de mais testes para examinar a sua eficácia em estudos bem controlados randomizados controlados com amostras maiores e de longo prazo de seguimento.12

CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que as doenças psiquiátricas acometem com maior prevalência os pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica quando comparados a população em geral.  As doenças psiquiátricas mais comumente encontradas nos pacientes com DPOC foram: transtorno depressivo, transtornos de ansiedade e crises de pânico, também foi encontrado uma alta taxa de ideação suicida. Ainda não está totalmente claro o porquê do desenvolvimento de transtornos psiquiátricos em paciente com DPOC, mas vários fatores podem contribuir, como: tabagismo; dispnéia e o fato da dimensão afetiva deste sintoma ser processada, no cérebro, nos mesmos locais que a ansiedade, dor e medo; hipoxemia; limitação às atividades; e internações hospitalares freqüentes.   Em relação ao tratamento, ainda são necessários estudos randomizados, mas a cessação do tabagismo, drogas antidepressivas, reabilitação pulmonar e psicoterapia podem auxiliar o paciente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.                      Jardim J, Oliveira J, Nascimento O. II Consenso de DPOC da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. (2004)

2.                      Brunoni R. A. et al. Interconsulta em Doenças Respiratórias. Clínica psiquiátrica, Seção 7- Interface da psiquiatria com as outras especialidades médicas. (2011)

3.                      Jardim. R. J e Nascimento A. O. Epidemiologia, Impacto e Tratamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) no Brasil. Revista Racine, pg 37-38.(2007)

4.                      Heckler M. et al.Prevalência de depressão maior em paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica. J Pneumologia 23(5).  (set-out de 1997)

5.                      Willgoss G. T e Yohannes M. A. Anxiety Disorders in Patients With COPD: A Systematic Review. Respiratory Care- vol 58 no 5, maio 2013

6.                      C Vögele, A von Leupoldt. Mental disorders in chronic obstructive pulmonary disease (COPD).  Respiratory Medicine, - vol 102, pags 764–773, (maio 2008)

7.                      Matte L. D. Depressão em indivíduos com DPOC: estudo de base populacional. Universidade Federal de Santa Catarina. (2014)

8.                       Willgoss T, Yohannes AM, Goldbart J, Fatoye F. COPD and anxiety: its impact on patients’ lives. Nurs Times. (2011)

9.                       Fleehart S. et al. Prevalence and correlates of suicide ideation in patients with COPD: a mixed methods study. International Journal of COPD (2004)

10.                   Livermore N. et al. Panic attacks and panic disorder in chronic obstructive pulmonary disease: A cognitive behavioral perspective.  Respiratory medicine. (2010)

11.                   Godoy V. D. et al. O efeito da assistência psicológica em um programa de reabilitação pulmonar para pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. Jornal Bras de Pneumologia, vol31, no6. (2005)

12.                   Yohannes M. A. e Alexopoulos S. G. Depression and anxiety in patients with COPD. European Respiratory Review. (2014)

 

*Interna do Departamento de Medicina da UNITAU

**Coordenadora da disciplina de psiquiatria da UNITAU


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