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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Setembro de 2015 - Vol.20 - Nº 9

Psiquiatria Forense

DIVERGÊNCIAS DE ENTENDIMENTO ENTRE PERITO E MÉDICO ASSISTENTE

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)

(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Professor Afiliado do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Coordenador do Grupo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica da EPM-UNIFESP

(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo


O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal publicou manifestação acerca da Consulta No. 41/2014, que versa sobre divergências de entendimento entre perito e médico assistente, durante a realização de perícia psiquiátrica.

No contexto pericial, as figuras de médico assistente e perito são completamente distintas, tanto em suas competências, como nas atividades que desempenham. Ao médico assistente cabe a realização do tratamento, devendo se empenhar em utilizar todo seu conhecimento e habilidades para o benefício de seu paciente, com quem mantém relação de extrema confiança. Por seu turno, ao médico perito cabe responder a determinadas questões formuladas pela autoridade que o nomeou. Assim, a relação estabelecida entre perito e periciando não é de confiança mútua, como acontece na relação médico/paciente, já que o compromisso do perito não é com ele, mas sim com a autoridade que o investiu da função pericial. Ademais, cabe ao médico perito, e não ao médico assistente, o enquadramento do quadro clínico do periciando nas normas legais ou administrativas, que estão em pauta na avaliação pericial.

As diferenças existentes entre as funções de médico assistente e perito estão estabelecidas na Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) No. 1851/2008, que sofreu recente modificação, por meio da Resolução 2015/2013, bem como no Código de Ética (Resolução CFM No. 1931/2009). Em seus Princípios Fundamentais, o Código de Ética Médica estabelece que “o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente”. Além disso, no Artigo 98 do mesmo Código é vedado ao médico “deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, bem como ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua competência”. Assim, fica claro que o Código de Ética Médica preocupou-se em determinar que o médico não pode se submeter a situações que comprometam a qualidade técnica e os ditames éticos de seu trabalho. Desse modo, o médico perito goza de liberdade e autonomia para desenvolver seu trabalho, não devendo, por conta disso, ficar adstrito ao entendimento do médico assistente do periciando durante seu julgamento pericial.

Sobre esse tema, vale ressaltar também a Resolução 126/05 do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), que manifesta o que segue em seu Artigo 5o: “O médico na função de perito não deve aceitar qualquer tipo de constrangimento, coação, pressão, imposição ou restrição que possam influir no desempenho de sua atividade, que deve ser realizada com absoluta isenção, imparcialidade e autonomia, podendo recusar-se a prosseguir no exame e fazendo constar no laudo o motivo de sua decisão”.

Vale ainda destacar Parecer do CFM sobre a autonomia do trabalho do médico perito (Parecer CFM 9/06), que diz o seguinte: “Sua autonomia está garantida técnica, legal e eticamente, tendo a liberdade para conduzir o ato pericial, única forma de responder com plenitude por infrações no exercício de sua função… O médico perito deve obedecer às regras técnicas indicadas para o caso… no pleno exercício de sua autonomia e sempre compromissado com a verdade… O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia”.

Asim sendo, diante da marcante diferença entre as funções e atribuições assistenciais e periciais, podem existir, em determinadas situações, diferenças de entendimento entre médicos assistentes e peritos, sem que isso implique necessariamente em desvio técnico, ético ou legal das partes envolvidas.

No entanto, em que pesem todas as questões aqui apresentadas, que devem ser observadas quando do trabalho do pericial e assistencial em Medicina, vale ressaltar que, em sendo a perícia médica um ato médico, o perito pode ser chamado a responder ética, civil e/ou criminalmente pelos seus atos profissionais. O mesmo extende-se ao médico assistente, que também pode ser questionado sobre sua prática clínica. Por conta disso, tanto médico assistente, quanto médico perito devem exercer seu trabalho, pautando-o em preceitos ilibados de conduta profissional.

 


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