Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Maio de 2015 - Vol.20 - Nº 5 Psiquiatria Forense PARECER DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA ESCLARECE COMO DEVEM SER AS PRÁTICAS MÉDICAS NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS Quirino Cordeiro (1) O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, no mês de
fevereiro deste ano de 2015, o Parecer CFM No. 09/15, versando sobre as
práticas médicas nas comunidades terapêuticas. O referido Parecer foi elaborado
para responder às dúvidas de três consulentes sobre o tema, tendo como
conselheiro-relator o Dr. Emanuel Fortes Cavalcanti. Em seu início, o Parecer
faz uma extensa revisão sobre o histórico e os conceitos que embasam a criação
e o funcionamento das comunidades terapêuticas. Aborda também como tais
comunidades estão regulamentadas no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que publicou,
em junho de 2011, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) No. 29. Vale
ressaltar aqui que a RDC 29 flexibilizou sobremaneira
todas as regras que as comunidades terapêuticas deviam seguir até então. Tal
RDC passou a adotar os seguintes
critérios para funcionamento das comunidades terapêuticas: 1- Não existe mais
limite para número de internos; 2- Não existe mais definição de tamanho dos
alojamentos ou mesmo especificações para tais; 3- O responsável não tem de ser
necessariamente da área de saúde; 4- Há nítido afrouxamento nos critérios de
elegibilidade para internação; 5- Deixa a cargo das Vigilâncias Sanitárias
locais e Conselhos sobre drogas, sejam municipais ou estaduais, a definição das
regras específicas. Então, no ano de 2013, por meio
do Parecer Consulta 49.917/2013, o Conselho Regional de Medicina (CREMESP),
criticou essa flexibilização normativa da nova RDC da
ANVISA, como segue: “A primeira resolução, relativa às comunidades foi
publicada no mesmo ano que a Lei 10.216, o que permite inferir que foi uma
tentativa de levar os avanços da legislação antimanicomial
aos portadores dos transtornos relacionados ao uso de substâncias – uma vez que
o tratamento em comunidade terapêutica já traria a conotação do acolhimento
psicossocial em detrimento das ações psiquiátricas tradicionais. A segunda, dez
anos depois, literalmente distorce a boa prática de atenção às drogas e mesmo a
própria reforma da assistência psiquiátrica, não se preocupando com a
institucionalização do dependente químico, ignorando o portador de comorbidades graves, não definindo critérios mínimos de
funcionamento das comunidades”. O CREMESP deixou claro seu entendimento de que
as comunidades terapêuticas não fazem parte da esfera da medicina e da saúde:
“como ocorreu uma flexibilização importante no
regramento das comunidades terapêuticas, consolidou-se a sua identidade como
não pertencente ao campo da medicina e da saúde. Houve uma clara exclusão do
procedimento médico de admissão do interno com riscos para este quando em
situação de agravos à saúde física e mental”. Já
o Parecer CFM No. 09/15, ora discutido
neste Artigo, valendo-se da Resolução CFM nº
2.057/2013, que normatiza o atendimento psiquiátrico no país, foi mais
minucioso, fazendo uma diferenciação das comunidades terapêuticas, entre
aquelas que apresentam ou não perfil médico. A partir daí, com a distinção das
comunidades terapêuticas com esses dois tipos de perfis, o Parecer CFM No. 09/15 esclarece, então, como devem
ser as práticas médicas nesses diferentes contextos. Antes de mais nada, o Parecer do CFM esclarece o que são instituições que apresentam
ambiente médico: “Ambiente
médico é aquele no qual se exija a presença de médico para definição de
diagnóstico, terapêutica e estratégia de reabilitação, alcançando também
aqueles onde se executam os ditos procedimentos diagnósticos, terapêuticos e de
reabilitação, com ou sem a permanência do paciente nas dependências do serviço,
bem como a execução de atos periciais”. Na seqüência, elucida quais são
considerados serviços médicos, onde podem ocorrer
assistência psiquiátrica: “São serviços de assistência psiquiátrica: os
hospitais psiquiátricos, serviços psiquiátricos em hospitais gerais, as
comunidades terapêuticas de natureza médica, ambulatórios especializados,
inclusive os CAPS, e consultórios isolados ou institucionais”. Assim sendo, para que uma
comunidade terapêutica apresente características médicas, a Resolução CFM No.
2.057/13 exige que se cumpra obrigatoriamente o que está disposto no artigo 11,
parágrafos e incisos. “Art. 11 - Um
estabelecimento que realize assistência psiquiátrica sob regime de internação
(turno, dia ou integral) deve oferecer as seguintes condições específicas para
o exercício da Medicina: I. Equipe profissional
composta por médicos e outros profissionais qualificados, em número adequado à
capacidade de vagas da instituição. II. Pessoal de apoio em
quantidade adequada para o desenvolvimento das demais obrigações assistenciais. III. Equipamento
diagnóstico e terapêutico. IV. Assistência médica
permanente (durante todo o período em que estiver aberto à assistência); e V. Tratamento regular e
abrangente, incluindo fornecimento de medicação. §1º - Os serviços
psiquiátricos devem garantir o acesso dos pacientes a recursos diagnósticos e
terapêuticos da clínica médica que se fizerem necessários no curso do
tratamento psiquiátrico. § 2º - Tratando-se de
serviço destinado a cuidados médicos intensivos ou semi-intensivos, incluindo
internações breves para desintoxicação, deve preencher os requisitos
hospitalares gerais no que se refere a recursos humanos (equipe profissional) e
a infraestrutura de suporte à vida, conforme definido nestas normas e no Manual
de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil. §3º - As comunidades
terapêuticas de natureza médica deverão ser dotadas das mesmas condições que os
demais estabelecimentos de hospitalização, garantindo plantão médico presencial
durante todo o seu horário de funcionamento, presença de médicos assistentes e
equipe completa de pessoal de acordo com a Lei nº 10.216/01 e as presentes
normas e o Manual de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil.” Desse modo, o Parecer CFM No. 09/15 assegura “que para a ‘comunidade
terapêutica’, definida na RDC ANVISA nº 29/11, não é necessária prescrição
médica para internação por não se tratar de ambiente médico e que só recebe
pessoas para tratamento não médico em caráter voluntário”. O CFM entende “que
parte do tratamento de portadores de doenças mentais ou de pessoas com
problemas de ajustamento não exige a presença de médicos porquanto as
estratégias terapêuticas têm também perfil reabilitador, reeducador e voltado
para a reinserção sócio-familiar-ocupacional. Significa dizer que nesses
ambientes podem estar pacientes que fazem uso regular de medicamentos, porém
sem prescrição no ambiente onde o paciente recebe a aplicação das referidas
técnicas. Nesse ambiente não existe tutela médica, nem de enfermagem com
prontuários para prescrição e assentamento de condutas médicas e de
enfermagem... Definitivamente esses ambientes não são ambientes médicos”.
Assim, “por não serem considerados como ambientes médicos, não podem se
inscrever nos Conselhos Regionais de Medicina, tanto quanto veda aos médicos
assumir responsabilidade por pacientes mantidos nesses estabelecimentos”. Desse modo, diante do exposto no corpo do Parecer CFM No.
09/15, foram respondidas as questões específicas
apresentadas pelos consulentes ao CFM. Abaixo, seguem tanto as perguntas, bem
como as respostas elaboradas pelo Conselho. Isso elucida,
vez por todas, como devem ser as práticas médicas nos diferentes tipos de
comunidades terapêuticas (aqueles que oferecem ou não ambiente médico). “Primeiro Consulente: I - Sobre a permanência
(internação involuntária ou compulsória) dentro desses estabelecimentos; Resposta – Conforme
explicitado no corpo do Parecer, é vetado aos médicos indicar internação em
Comunidades Terapêuticas que se encaixam no perfil definido pela RDC Anvisa nº 29/11, por não se tratarem de ambientes médicos.
Também é vetado aos médicos assumir tratamento desses internos enquanto tutelados
dessas instituições. II - Sobre a prática de
contenção mecânica dentro desses estabelecimentos. Reposta – A contenção
mecânica definida nas Resoluções CFM nºs 2.056 e
2.057/13 é tratada como uma prescrição médica naquelas instituições onde se
garanta presença de médicos e enfermeiros no ambiente médico. Pelos riscos que
existem nessas ações, a contenção só pode ser feita em ambiente seguro para
tal. Nas instituições sem caráter médico, deve-se obedecer o
que a RDC Anvisa nº 29/11 definir. III - Sobre a permanência
de pacientes dentro de quartos com cadeados para se evitar a evasão do
tratamento, principalmente no que tange a pacientes com riscos atuais
(autoagressão e heteroagressão); Resposta – Essa conduta
foi proscrita em psiquiatria, portanto sua prática por parte de psiquiatras é
vetada ambientes médicos. Nas instituições sem caráter médico, deve-se obedecer o que a RDC Anvisa nº 29/11 definir. IV - Sobre o
acolhimento, nesses estabelecimentos, de pacientes com baixo risco de
complicações clínicas (menos de 40 anos de idade, sem problemas clínicos,
etc.), Resposta – O Projeto de
Lei nº 7.663/10 obriga a avaliação médica prévia para definir a necessidade ou
não de tratamento médico prévio. Quanto às internações nas CT previstas na RDC Anvisa nº 29/11, resta vetada a internação de pessoas que
necessitem de assistência médica. V - Sobre o uso de
cigarros por adolescentes dentro desses estabelecimentos, mesmo com a permissão
por escrito dos pais ou responsáveis; Resposta – O uso de
cigarros é proibido para menores. Nos ambientes médicos deve ser completamente
proscrito. Nas instituições sem caráter médico deve ser obedecida a RDC Anvisa nº 29/11. VI - Sobre adolescentes
realizarem algumas atividades terapêuticas (formar grupos de mútua ajuda,
cozinhar etc.) juntamente com adultos que também estão em tratamento; Resposta – O cerne dos
ambientes com as estratégias comunitárias pressupõe a existência de tarefas, o
cumprimento de obrigações e de regras e a discussão quanto a transgressões e ao
não cumprimento de tarefas. Para os ambientes médicos, na Resolução CFM nº
2.057/13 está prevista a ocupação, desde que não substitua o trabalho a ser
realizado pelos funcionários. Caso tal ocorra, o paciente passa a fazer jus a remuneração. VII - Sobre a aplicação
de medicamentos injetáveis (Haloperidol, Prometazina, Clorpromazina, Midazolam, etc.) dentro desses estabelecimentos; Resposta – É vetado, nos
termos da RDC Anvisa nº 29/11. Naquelas com ambiente
médico, com médicos plantonistas, equipe de enfermagem, sala de observação e
contenção, carrinho de parada e referenciamento para
hospital de apoio, para os casos que requeiram ambiente mais adequado à
assistência, é permitido. VIII - Sobre
adolescentes permanecerem sem estudar durante o período de tratamento, que
dura, em geral, mais de 4 meses; Resposta – Não se trata
de matéria médica, nem é uma questão relacionada a tarefas com intuito
terapêutico. Se for oferecida a possibilidade, tanto melhor, se não, não está
relacionada como fundamental para cumprir sua função terapêutica. IX- Sobre a permanência
de pacientes com comorbidades psiquiátricas graves,
como esquizofrenia, transtorno do humor bipolar, transtorno depressivo maior
grave (com comportamento suicida, etc.). Resposta – Caso a
instituição preencha o perfil definido como ambiente médico, nada impede que
pacientes com comorbidades sejam nela internados. Justificativa: Não
existem pareceres técnicos do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre tais
assuntos. Apesar das Comunidades Terapêuticas fazerem parte do aporte terapêutico
no tratamento de usuários de álcool e de outras drogas, pouco se fala sobre o
exercício da Medicina, em particular da Psiquiatria, nesses estabelecimentos. Resposta – Embora seja
apenas a motivação para as perguntas, vale salientar que todas essas respostas
decorrem das Resoluções CFM nºs 2.056 e 2.057/13, que
devem ser lidas por todos os médicos, principalmente pelos psiquiatras. Segundo consulente: Gostaria de saber se é
ético o médico internar dependente químico em Comunidades Terapêuticas onde não
há médico (nem nenhum outro profissional de saúde), sendo que essa pessoa
ficará internada por seis meses sob essas condições? Justificativa: O
tratamento da dependência química em Comunidades Terapêuticas vem sendo adotada
pelas políticas públicas sem a exigência de médicos nelas, mas exigindo que o
pedido de internação seja feito por médico. Resposta – É vedado aos
médicos internar pessoas com doenças mentais em estabelecimentos assistenciais
que não cumpram os requisitos das Resoluções CFM nºs
2.056 e 2.057/13. As Comunidades Terapêuticas definidas na RDC Anvisa nº 29/11 não podem ser consideradas seguras para a
prática do ato médico. Terceiro consulente: Gostaria de saber se
qualquer médico pode solicitar internação de um dependente químico. Resposta – Sim, qualquer
médico pode fazer a indicação de internação nos termos das Leis nºs 10.216/01 e 12.842/13”.
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