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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Março de 2015 - Vol.20 - Nº 3

Psiquiatria Forense

SEGUNDO CREMESP, PERITOS DO INSS NÃO PODEM ENCAMINHAR LAUDOS DE PERÍCIAS PREVIDENCIÁRIAS A DELEGADOS DE POLÍCIA

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)
(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Professor Afiliado do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Coordenador do Grupo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica da EPM-UNIFESP;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

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         Em artigo anterior, que publicamos no PolBr, apresentamos e discutimos a Lei Federal No. 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia. Em seu Artigo 2o, §2º, a Lei traz o seguinte texto: “Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos”. Nesse contexto, muitos Delegados de Polícia passaram a entender que seu acesso a prontuários médicos estariam contemplados pela referida Lei. Então, diante dessa questão, o Conselho Regional do Estado de São Paulo (CREMESP) manifestou-se sobre a remessa de prontuários médicos a Delegados de Polícia, por meio da Nota Técnica 01/2014, formulada pelo seu Departamento Jurídico.

         A Nota Técnica do CREMESP deixa claro que no país o órgão maior regulamentador da Medicina é o Conselho Federal de Medicina (CFM), por força da Lei No. 3.268/1957. A partir daí, lembra que, em seu Código de Ética Médica (atual Resolução No. 1.931/09), o CFM protege as informações que são obtidas pelo médico na relação com o paciente, da maneira que segue: “É vedado ao médico: Artigo 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: … c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal”.

         A referida Nota Técnica do CREMESP esclarece ainda que a proteção ao sigilo profissional, que decorre de atribuição legal, encontra também respaldo na Constituição Federal que, por meio do inciso X, do Artigo 5o, protege o direito à intimidade. Além disso, além dos aspectos constitucionais apresentados acima, a proteção ao sigilo profissional também é prevista na legislação infra, no Código Penal (Artigo 154), Código de Processo Penal (Artigo 207), e também no Código Civil (Artigo 229).

         Assim, a Nota Técnica do CREMESP esclarece ainda que, além da proteção constitucional à intimidade, o segredo profissional médico também é protegido por lei, tanto no âmbito Penal como no Civil. Por isso, o médico que revelar informação que teve acesso, em decorrência da relação médico-paciente, está sujeito a ser processado civil e criminalmente por eventuais danos causados a seu paciente, inclusive de ordem moral.

         Vale obviamente ressaltar que exceções à guarda do sigilo profissional são estabelecidas nas próprias normas legais, a saber, consentimento por escrito do paciente, motivo justo (justa causa), dever legal. Entretanto, tais exceções necessitam estar aliadas, sempre que possível, à ausência de dano a terceiros e à motivação para a quebra.

         Todas essas questões postas, é importante que fique claro que a norma legal vigente “não prevê a quebra do sigilo profissional, mas, ao contrário, a protege como regra; o interesse público atua como garantidor do segredo profissional e não como justificativa à sua quebra”, de acordo com o entendimento do CREMESP. Assim, tratando da figura do Delegado de Polícia, a Lei Federal No. 12.830/2013 “não é suficiente em hipótese alguma para lhe conferir os poderes necessários a requisitar documentos protegidos pelo sigilo profissional e mais, sem fundamentar a necessidade de tal juntada à investigação, na fase de inquérito”. Desse modo, o CREMESP entende que a Lei No. 12.830/13 não conferiu os poderes necessários ao Delegado de Polícia para, no curso do inquérito policial, requisitar a entrega de documentos médicos, protegidos tanto pelo segredo profissional quanto pelo direito à intimidade.

         Nesse cenário, vale a pena ressaltar que para evitar possíveis conflitos entre a persecução penal e o direito à intimidade, o CFM já havia editado a Resolução Nº 1.605/2000, que indica qual o procedimento apropriado para essa finalidade, de acordo com seu Artigo 4º, como segue: “Se na instrução de processo criminal for requisitada, por autoridade judiciária competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da ficha médica, o médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado pelo juiz, para que neles seja realizada perícia restrita aos fatos em questionamento”. Desse modo, a perícia médica é o procedimento mais adequado a todas as hipóteses de análise de prontuário, inclusive para fins da Lei nº 12.830/13, uma vez que ao Delegado de Polícia também é atribuído o poder necessário para a requisição de perícias.

         Então, essa questão voltou à tona ainda no ano passado, quando representantes da Comissão de Ética Médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) da Gerência Executiva de uma cidade do interior paulista consultaram o CREMESP e pediram esclarecimentos sobre como proceder diante da requisição de laudos médicos periciais por Delegados de Polícia, tendo em vista a existência de divergência de entendimento entre a Nota Técnica No. 001/2014 do CREMESP, já exposta acima, e o Parecer da Procuradoria Federal No. 0043/2014/CGMAD/PFE-INSS/PGF/AGU.

         Diante desse pedido de esclarecimento, o CREMESP publicou o Parecer No. 70.906/2014, manifestando sua posição sobre essa questão que engloba as esferas penal e previdenciária. Incialmente, o Parecer No. 70.906/2014 esclarece que a divergência de entendimento entre a Nota Técnica No. 01/2014 do CREMESP e o Parecer da Procuradoria Federal ocorre devido a diferentes interpretações da Lei Federal No. 12.830/2013. Assim, diante dessa questão jurídica, o Parecer No. 70.906/2014, emitido pelo CREMESP, foi baseado em manifestação de seu Departamento Jurídico.

         No Parecer No. 70.906/2014, o CREMESP informa que qualquer discussão acerca de segredo médico precisa passar necessariamente pelo Artigo 73 do Código de Ética Médica, que versa sobre o sigilo médico e que já foi apresentado acima. No entanto, em que pese o exposto no Código de Ética Médica, a posição da Procuradoria Federal concluiu pela possibilidade de encaminhamento de cópias de laudos médicos aos Delegados de Polícia, fundamentando sua posição nos Artigos 2º e 21 da Lei 12.830/13. Assim, a Procuradoria Federal afirma que o Delegado de Polícia tem a prerrogativa de requisitar perícias, o que justificaria os eventuais encaminhamentos de laudos médicos periciais à autoridade policial. Não obstante, há que fique claro que o caso em discussão não é de natureza penal, mas sim previdenciária, tendo, por isso, escopo totalmente distinto daquele previsto pela Lei Federal No. 12.830/13.

         Outro aspecto que foi utilizado pela Procuradoria Federal para embasar seu entendimento foi um outro aspecto do Artigo 21 da Lei No. 12.850/13: “Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”. Entretanto, há necessidade de interpretação da Lei no seu conjunto, e não de maneira isolada, como faz a Procuradoria Federal. Desse modo, é importante avaliar o que diz o Artigo 15 da mesma Lei: “O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito”. Assim sendo, a interpretação mais apropriada deste Artigo da Lei No. 12.850/13 impõe que, no que diz respeito às informações de natureza médica, sem que haja autorização judicial, apenas é possível fornecer aos Delegados de Polícia as informações que constam de seu Artigo 15, a saber, qualificação pessoal, filiação e endereço.

         Desse modo, diante do exposto, caso a autoridade policial pretenda acesso a conteúdo de laudo médico previdenciário, há que requisitar perícia para a análise do material, nos exatos termos da Resolução CFM 1.605/00, como também já apresentado anteriormente.

         Sendo assim, embora não haja o mesmo entendimento da Procuradoria Federal e do CREMESP sobre o encaminhamento por parte de peritos do INSS de laudos médicos previdenciários para Delegados de Polícia, o Conselho, por meio do Parecer CREMESP No. 70.906/2014, reitera sua posição, afirmando que “a forma mais adequada de se preservar o sigilo médico e atender à requisição da autoridade policial é a observância do artigo 4º da Resolução CFM 1.605/2000”. Assim, o CREMESP entende que o acesso a documentos médicos por parte de Delegados de Polícia, inclusive laudos previdenciários, deverá ocorrer por meio de perícia médica, que será requisitada pela própria autoridade policial.


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