Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Março de 2015 - Vol.20 - Nº 3 Psiquiatria Forense SEGUNDO CREMESP, PERITOS DO INSS NÃO PODEM ENCAMINHAR LAUDOS DE PERÍCIAS PREVIDENCIÁRIAS A DELEGADOS DE POLÍCIA Quirino Cordeiro (1) Em artigo anterior, que publicamos no PolBr, apresentamos e discutimos a
Lei Federal No. 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal
conduzida pelo Delegado de Polícia. Em seu Artigo 2o, §2º, a Lei
traz o seguinte texto: “Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de
polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem
à apuração dos fatos”. Nesse contexto, muitos Delegados de Polícia passaram a
entender que seu acesso a prontuários médicos estariam contemplados pela
referida Lei. Então, diante dessa questão, o Conselho Regional do Estado de São
Paulo (CREMESP) manifestou-se sobre a remessa de prontuários médicos a Delegados de Polícia, por meio da Nota Técnica 01/2014,
formulada pelo seu Departamento Jurídico. A
Nota Técnica do CREMESP deixa claro que no país o órgão maior regulamentador da
Medicina é o Conselho Federal de Medicina (CFM), por força da Lei No.
3.268/1957. A partir daí, lembra que, em seu Código de Ética Médica (atual
Resolução No. 1.931/09), o CFM protege as informações que são obtidas pelo
médico na relação com o paciente, da maneira que segue: “É vedado ao médico:
Artigo 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de
sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por
escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: … c) na
investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo
que possa expor o paciente a processo penal”. A
referida Nota Técnica do CREMESP esclarece ainda que a proteção ao sigilo
profissional, que decorre de atribuição legal, encontra também respaldo na
Constituição Federal que, por meio do inciso X, do Artigo 5o, protege o direito
à intimidade. Além disso, além dos aspectos constitucionais apresentados acima,
a proteção ao sigilo profissional também é prevista na legislação infra, no
Código Penal (Artigo 154), Código de Processo Penal (Artigo 207), e também no
Código Civil (Artigo 229). Assim,
a Nota Técnica do CREMESP esclarece ainda que, além da proteção constitucional
à intimidade, o segredo profissional médico também é protegido por lei, tanto
no âmbito Penal como no Civil. Por isso, o médico que revelar informação que
teve acesso, em decorrência da relação médico-paciente, está sujeito a ser
processado civil e criminalmente por eventuais danos causados a seu paciente, inclusive de ordem moral. Vale
obviamente ressaltar que exceções à guarda do sigilo profissional são
estabelecidas nas próprias normas legais, a saber, consentimento por escrito do
paciente, motivo justo (justa causa), dever legal. Entretanto, tais exceções
necessitam estar aliadas, sempre que possível, à ausência de dano a terceiros e
à motivação para a quebra. Todas
essas questões postas, é importante que fique claro
que a norma legal vigente “não prevê a quebra do sigilo profissional, mas, ao
contrário, a protege como regra; o interesse público atua como garantidor do
segredo profissional e não como justificativa à sua quebra”, de acordo com o
entendimento do CREMESP. Assim, tratando da figura do Delegado de Polícia, a
Lei Federal No. 12.830/2013 “não é suficiente em hipótese alguma para lhe
conferir os poderes necessários a requisitar documentos protegidos pelo sigilo
profissional e mais, sem fundamentar a necessidade de tal juntada à
investigação, na fase de inquérito”. Desse modo, o CREMESP entende que a Lei
No. 12.830/13 não conferiu os poderes necessários ao Delegado de Polícia para,
no curso do inquérito policial, requisitar a entrega de documentos médicos,
protegidos tanto pelo segredo profissional quanto pelo direito à intimidade. Nesse
cenário, vale a pena ressaltar que para evitar
possíveis conflitos entre a persecução penal e o direito à intimidade, o CFM já
havia editado a Resolução Nº 1.605/2000, que indica qual o procedimento
apropriado para essa finalidade, de acordo com seu Artigo 4º, como segue: “Se
na instrução de processo criminal for requisitada, por autoridade judiciária
competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da ficha médica, o
médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado pelo juiz, para que
neles seja realizada perícia restrita aos fatos em questionamento”. Desse modo,
a perícia médica é o procedimento mais adequado a todas as hipóteses de análise
de prontuário, inclusive para fins da Lei nº 12.830/13, uma vez que ao Delegado
de Polícia também é atribuído o poder necessário para a requisição de perícias. Então, essa questão voltou à tona ainda no ano passado, quando representantes da Comissão de Ética Médica do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) da Gerência Executiva de uma cidade
do interior paulista consultaram o CREMESP e pediram esclarecimentos sobre como
proceder diante da requisição de laudos médicos periciais por Delegados de
Polícia, tendo em vista a existência de divergência de entendimento entre a
Nota Técnica No.
001/2014 do CREMESP, já exposta acima, e o Parecer da Procuradoria Federal No.
0043/2014/CGMAD/PFE-INSS/PGF/AGU. Diante desse pedido de
esclarecimento, o CREMESP publicou o Parecer No. 70.906/2014, manifestando sua
posição sobre essa questão que engloba as esferas penal e
previdenciária. Incialmente, o Parecer No.
70.906/2014 esclarece que a divergência de entendimento entre a Nota Técnica
No. 01/2014 do CREMESP e o Parecer da Procuradoria Federal ocorre
devido a diferentes interpretações da Lei Federal No. 12.830/2013. Assim,
diante dessa questão jurídica, o Parecer No. 70.906/2014, emitido pelo CREMESP,
foi baseado em manifestação de seu Departamento Jurídico. No Parecer No. 70.906/2014, o CREMESP
informa que qualquer discussão acerca de segredo médico precisa passar
necessariamente pelo Artigo 73 do Código de Ética Médica, que versa sobre o sigilo
médico e que já foi apresentado acima. No
entanto, em que pese o exposto no Código de Ética Médica, a posição da
Procuradoria Federal concluiu pela possibilidade de encaminhamento de cópias de
laudos médicos aos Delegados de Polícia, fundamentando sua posição nos Artigos
2º e 21 da Lei 12.830/13. Assim, a Procuradoria Federal afirma que o Delegado
de Polícia tem a prerrogativa de requisitar perícias, o que justificaria os
eventuais encaminhamentos de laudos médicos periciais à autoridade policial. Não
obstante, há que fique claro que o caso em discussão não é de natureza penal,
mas sim previdenciária, tendo, por isso, escopo totalmente distinto daquele
previsto pela Lei Federal No. 12.830/13. Outro aspecto que foi utilizado pela
Procuradoria Federal para embasar seu entendimento foi um
outro aspecto do Artigo 21 da Lei No. 12.850/13: “Recusar ou omitir
dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz,
Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2
(dois) anos, e multa”. Entretanto, há necessidade de interpretação da Lei no
seu conjunto, e não de maneira isolada, como faz a Procuradoria Federal. Desse
modo, é importante avaliar o que diz o Artigo 15 da mesma Lei: “O delegado de
polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização
judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem
exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela
Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores
de internet e administradoras de cartão de crédito”. Assim sendo, a
interpretação mais apropriada deste Artigo da Lei No. 12.850/13 impõe que, no
que diz respeito às informações de natureza médica, sem que haja autorização
judicial, apenas é possível fornecer aos Delegados de Polícia as informações
que constam de seu Artigo 15, a saber, qualificação pessoal, filiação e
endereço. Desse
modo, diante do exposto,
caso a autoridade policial pretenda acesso a conteúdo de laudo médico
previdenciário, há que requisitar perícia para a análise do material, nos
exatos termos da Resolução CFM 1.605/00, como também já apresentado
anteriormente. Sendo assim, embora não haja o mesmo
entendimento da Procuradoria Federal e do CREMESP sobre o encaminhamento por
parte de peritos do INSS de laudos médicos previdenciários para Delegados de
Polícia, o Conselho, por meio do Parecer CREMESP No. 70.906/2014, reitera sua posição, afirmando que “a forma mais adequada de se preservar o
sigilo médico e atender à requisição da autoridade policial é a observância do
artigo 4º da Resolução CFM 1.605/2000”. Assim, o CREMESP entende que o acesso a
documentos médicos por parte de Delegados de Polícia, inclusive laudos previdenciários,
deverá ocorrer por meio de perícia médica, que será requisitada pela própria
autoridade policial.
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