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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Outubro de 2015 - Vol.20 - Nº 10

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

A SEGUNDA VINDA

Fernando Portela Câmara


Ao longo de sua evolução o Homem também evoluiu psicologicamente. Ficou claro que este desenvolvimento partiu do nível mais primitivo, onde um indivíduo não se distingue do outro, vivendo uma vida coletiva indiferenciada, para um nível em que pouco a pouco a individualidade se conformou, passando a viver cada qual individualmente dentro de uma coletividade em que todos cooperam e trabalham. A civilização, a filosofia, a ciência, e a própria religião são frutos dessa evolução.

A evolução da tecnologia, da informática e da sociedade em geral não significa que, para alcançarmos o bem estar social temos que retroceder, como pensam os que dirigem a politica fracassada da América Latina de hoje. Em outras palavras, de forma alguma teremos de submergir nossas individualidades em um coletivo indiferenciado, pois a evolução não pode ser revertida. Haverá uma reação contrária de dentro para fora, e é o que estamos vendo. Ela vem dos genes, “visceralmente”, e é por isso que estamos vendo a reação de muitos brasileiros contra a força que quer nos obrigar, pela artimanha e ilusão, à coletivização geral.

Destruam-se os núcleos familiares e as instituições que os sedimentam, destruam-se os papeis borrando os liames da sociedade destruam-se a moralidade e a ética reguladora, apague-se a divisória entre o cidadão e o bandido, permita-se que os matadores proliferem e lancem o terror aos últimos pensantes e extermine-os para que a serpente volte a reinar livremente, queimem todas as almas em nome do Grande Pai e da Grande Mãe para que o escravo coletivo possa enfim emergir e adorar seus aberrantes genitores.

O coletivo é por natureza escravo. A individualidade é a revolta da escravidão. A luta para ser livre e pensante amaldiçoa a coletivização do ser. Todos que vivemos em nossas individualidades somos luciferinos, roubamos o fogo celeste. Prometeu foi acorrentado porque ensinou as pessoas a pensarem; Lúcifer foi lançado aos infernos porque questionou a arbitrária e cruel autoridade do Demiurgo, essa projeção paranoide que muitos acreditam ser um deus; e o Homem, outrora o idiota inquilino do paraíso, foi expulso e castigado por que aprendeu a questionar, investigar, saber. Somos nós o perigo, caçados desde priscas eras por termos cometido o crime imperdoável de nos tornamos pensantes e cultivarmos um eu pessoal. O Demiurgo não permite ser contrariado. Mas o Adão menino, a pureza dos anjinhos barrocos, continua por aqui tal o poder ilusório do Grande Herói. Nada mais angelical inocente que esses que pregam a coletivização anulando-se a si mesmos para viverem, como criancinhas felizes sob a saia da Grande Mãe e do Grande Pai. Deles serão o reino dos céus, enquanto alguns de nós, filhos de Lúcifer, estaremos condenados ao inferno da pura razão cartesiana.

O propósito da vida é dar um significado a nós mesmos, realizar-se como um self. Todos nós somos obras em andamento, só concluída com a morte. O ser humano abomina ser atomizado em um coletivo ideológico inventado por algum bêbado que sonhava ser imperador do universo. Os que se diluíram anonimamente no coletivo perderam toda humanidade, e nem mesmo sabem se irão morrer, beatificaram-se por toda eternidade, estão livres de toda angústia da responsabilidade, o Demiurgo diz o que devem fazer, não precisam pensar e nem decidir por si mesmos, assim é o reino dos céus.

E enquanto a ingênua maioria dormia ou estava distraída, uma massa disforme se formava da espuma de seus sonhos infantis, e daí saiu a coisa que se apresentou como nosso salvador. Mas os que não adormeceram – ou não enlouqueceram – percebem que essa forma não tem estágio cognitivo para tomar decisões em elevado patamares, pois é um organismo coletivo, regredido, indiferenciado, como exige tais naturezas, e que por tal precisa oprimir individualidades pensantes para poder existir no seu próprio caos. Não é mais que uma força cega, irreflexiva, talâmica, que apenas range, abomina o que não é sua crença, agita sua cauda venenosa, lança fogo sobre todos os que a contrariam. Eis o salvador, a segunda vinda dos tolos esperançosos.

E este ser já está entre nós, e agora termina seu primeiro estágio larvário. E então virá muito ódio e ranger de dentes, muitos perderão suas vidas, suas esperanças, sua fé, pois sobre matéria morta O Parasita partirá para o seu segundo estágio, a cercária invasora.

Mas ele não passará, causará muita destruição, mas será abortado, pois o que é em si monstruoso, não chega a alcançar uma forma. Quando toda ilusão se acabar, o poder do Demiurgo será apenas fumaça. Ninguém vive de sonhos.


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