Psyquiatry online Brazil
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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Agosto de 2015 - Vol.20 - Nº 8

História da Psiquiatria

NOTA BIOGRÁFICA DO PSIQUATRA MÁRCIO PINHEIRO

Karla Maria Barbosa Miranda


Nota breve: Márcio Pinheiro

Faleceu recentemente nosso colega Márcio Pinheiro que durante anos foi um dos membros mais ativos da já tradicional Lista Brasileira de Psiquiatria. O necrológio do Márcio foi escrito por sua discípula, amiga e colega Karla Miranda, pulicado nesse número da Psychiatry Online, e aqui quero apenas traduzir as homenagens da LBP ao ilustre companheiro que se foi.
Márcio viveu muitos anos nos EUA onde exerceu a psiquiatria e foi um ativo combatente do managed care que afetou muito a medicina complementar daquele país, e cujo modelo foi exportado para o Brasil, com todos os prejuízos e distorções que esse carrega. Márcio nos chamou a atenção sobre o que isto iria nos causar e tivemos, na época, excelentes debates. Mas ele também era um experiente psiquiatra e conhecia profundamente a psiquiatria dinâmica, tendo introduzido seus conceitos e abordagens entre nós e em sua cidade, Belo Horizonte.
Uma marca de Márcio, que recordo com carinho, era a sua gentileza e tolerância. Sua paciência era imperturbável, e a todos tratava com cordialidade e nunca impunha seus pontos de vista. Sempre que emitia uma opinião, no final ele acrescentava: “escrevo isso a lápis”, para denotar que não pontificava, apenas debatia, ou então “é claro que não tenho opinião definitiva sobre isso”. Ele sempre intervia com um timing perfeito, e sempre que possível nos atualizava sobre a evolução da prática e política psiquiátricas. A melhor forma de conhecê-lo e apreciar seu estilo suave, elegante e claro, é visitar seu blog, que acredito estar ainda ativo.
Márcio era um gentleman, um amigo querido e um psiquiatra por vocação. Deixou para nós seu exemplo e a lembrança terna do bom companheiro.

(Fernando Portela Câmara)


Conheci Dr. Marcio de Vasconcellos Pinheiro em 1981, no meu décimo segundo período da Faculdade de Medicina. Tinha desistido de ser psiquiatra, uma vez que as residências de psiquiatria disponíveis na época em BH eram todas em Hospitais que me pareciam extremamente desumanas; um dia eu e alguns colegas vimos no saguão da Faculdade um pequeno anúncio convocando estagiários para um Hospital Psicanalítico que seria fundado sob sua coordenação e de mais cinco colegas. Candidatei-me e fui selecionada, curiosa para conhecer o método inovador que se anunciava para o tratamento de pacientes graves no recém-fundado Centro Psicoterapêutico. Soube então que já funcionava em frente, um Hospital Dia, coordenado pela mesma equipe.

Dr. Márcio, já então cidadão americano, e com vasta experiência de trabalho como psiquiatra e psicanalista em Baltimore, tinha voltado ao Brasil em 1974,  saudoso das Minas Gerais, e ansioso por compartilhar os conhecimentos acumulados durante seus anos na América, como gostava de dizer. Veio passar um período em BH, onde se dedicou a ensinar aos estudantes de final de curso de medicina, psicologia, enfermagem, terapia ocupacional, e serviço social. Tinha uma visão privilegiada do trabalho em equipe, e de como usar o relacionamento entre membros da equipe como termômetro das projeções dos pacientes, e torná-lo instrumento terapêutico.

Lá aprendemos de tudo: desde a psicofarmacologia, psicoterapia de grupo, psicanálise, psicopatologia, nosologia psiquiátrica, análise institucional, socioterapia, e terapia familiar, seja em discussões clínicas ou em cursos formais. Éramos também estimulados a complementar nossa formação participando de cursos oferecidos na comunidade. E estudávamos dia e noite, dávamos plantão, e todos, todos, mesmo, deitávamos nos divã dos nossos analistas para elaborar as nossas neuroses (naquele tempo tínhamos convicção de que éramos todos neuróticos, no mínimo). Anos intensos e felizes. Esperávamos ansiosos as quartas feiras e sábados, quando enfim, nas reuniões clínicas, íamos ter alguns minutos de VOZ nas reuniões de equipe sob sua coordenação, e com sorte, sairmos aliviados da tensão acumulada durante a semana. Vez por outra ele levantava um questionamento que nos angustiava em dobro e nos deixava mais conscientes da nossa ignorância e da nossa miséria humana... e então...sessão extra de análise, era o máximo que poderíamos ter como alento. Bons  tempos. Sabíamos que tudo aquilo tinha um propósito maior... que estávamos caminhando a passos largos rumo ao amadurecimento e em breve seríamos verdadeiros psiquiatras e psicoterapeutas bem preparados, como tanto desejávamos. 

Retomei meu gosto pela psiquiatria, mas outra psiquiatria, aquela que contempla o ser humano em todas as suas dimensões. Depois da graduação, continuei no Centro Psicoterapêutico por mais três anos aprendendo com ele, antes de seguir minha carreira solo.

Dr. Márcio costumava dizer que queria ser jornalista. Como médico, publicava em um blog: http://www.drmarciovasconcellospinheiro.com. Foi aluno da mesma Faculdade que eu, a Faculdade de Medicina da UFMG, e era militante do movimento estudantil, tendo fundado um jornalzinho para o Diretório Acadêmico. Formou-se na UFMG em 1957, e seguiu para fazer residência em Clínica Médica nos EUA, tendo posteriormente optado pela psiquiatria. Casou-se nos Estados Unidos com Erika Pinheiro, paulista de Bauru, companheira de toda uma vida. Em Maryland, exerceu brilhantemente a psiquiatria durante 30 anos. Foi pioneiro na luta contra o domínio das operadoras de planos de saúde na América do Norte, encabeçando um forte movimento do qual saiu vencido. Trabalhou junto a importantes nomes da Psiquiatria da Psiquiatria e Psicanálise Norte Americana, experimentando modelos inovadores de tratamento de doentes mentais,  notadamente psicóticos esquizofrênicos.

Foi também analista didata do Círculo Psicanalítico de MG, entidade conceituada na época. Sempre questionador e polêmico, por onde ele passava nunca as coisas permaneciam no mesmo lugar.

Cansado das trapalhadas do nosso país tupiniquim, lá foi  ele de volta para a América, em 1987, de mala e cuia...até a volta definitiva 2001, já aposentado das suas atividades em Baltimore. 

Mas aposentar mesmo, ele nunca aposentou... Adorava seu trabalho. Trabalhou até os últimos dias de sua vida, aos 82 anos, antes da sua hospitalização. E nem sempre por dinheiro. As vezes cobrava, outras não. O prazer de ser útil e minorar o sofrimento das pessoas muitas vezes eram sua recompensa.

Tive a alegria de ter meu consultório junto com ele e sua querida esposa Erika Pinheiro, em sua casa por 3 anos, de 2009 a 2013. Formávamos um trio profissional, os dois psiquiatras e a Erika, uma expert em Psicoterapia de família. Anos fecundos. Agradeço à vida estes 34 anos de profunda amizade e muita aprendizagem. Deixou três filhos maravilhosos, todos residentes em Los Angeles: Vanessa, Marcos e Alessandra; a neta Sofia, e um bebê que está por vir.

 


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