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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Abril de 2014 - Vol.19 - Nº 4

História da Psiquiatria

FABRICANTES DE ANGÚSTIA

Walmor J.Piccinini

Introdução

    Na minha juventude frequentei um colégio religioso e das muitas lembranças uma em especial vou colocar no papel. Certo padre, muito temido, caminhava pelo pátio de recreio e apontava os masturbadores. Eu ficava estupefato pelo fato dele sempre acertar. Mais tarde, mais experiente me dei conta que era impossível errar, pois todos se masturbavam. Esta prática tão comum, durante séculos serviu para pseudo cientistas, charlatães e religiosos infernizarem a vida de todos. Alex Confort em seu livro “Los médicos fabricantes de angustia” (Granica editor, 1977 Barcelona. Espanha tradução de The Anxiety Makers editado por Thomas Nelson & sons). Compara as perseguições e maldades praticadas com os cidadãos, com a caça ás bruxas na Idade Media.

   Os atos sexuais provocariam um esgotamento físico e mental, contrapartida médica a ideia de pecado, de que todos os atos que não sirvam a reprodução sexual são viciosos.

    Boerhaave (1708), citado por Confort, nos informa que a “brusca emissão de sêmen produz lassidão, frouxidão, enfraquecimento da marcha, paroxismos, esgotamento, secura, febres, dores nas membranas cerebrais, obscurecimento dos sentidos, sobretudo da visão, deterioração d medula espinhal, loucura e outros males análogos”.

Os médicos diziam que é perigoso em excesso para o corpo, como contra partida da profunda convicção eclesiástica de que todo prazer,  particularmente o sexual, é perigoso para alma.

    O sêmen era visto como uma ameaça terrível para o homem, mantido no organismo, poderia provocar a loucura, expelido por práticas masturbatórias, provocava enfraquecimento, ano mia e loucura. Numa área tão sujeita a conflitos, pululava os charlatães médicos, religiosos e pedagogos.

     Alguns médicos propuseram a esterilização, outros a clitoridia, muitos outros vendiam suas poções milagrosas o que demonstrava uma esperteza comercial típica de uma época.

    Um fato é facilmente constatável, até o Relatório Kinsey tratar de assuntos sexuais era um terreno minado e dominado por charlatães. Só nos anos sessenta, com Masters e Johnson que foram recebidos com muito descrédito, se começou a abordar a fisiologia sexual.

     Revisando publicações da Liga Brasileira de Hygiene Mental me deparei com um resumo de livro feito por Cunha Lopes e trago aos leitores como mais um detalhe histórico e como se pensava na época.

Resenha do Livro (1)

Nos “Archivos Brasileiros de Hygiene Mental”, na seção de análise de livros encontramos uma avaliação de Cunha Lopes sobre o livro de Hans Von Petzold – Sobre a questão do onanismo (Zur Onanie Frage) “Zeit, fur Psychische Hygiene, 6. BD1. Heft, 1933.

    O trabalho divide-se em quatro partes, havendo o autor traçado inicialmente a história da questão que empreende tratar. Aí faz referências a trechos bíblicos e, da indagação através da Escritura até a fase médica, realça pormenores do Antigo Testamento e o parecer de doutores da igreja, a começar de Santo Agostinho, Santo Affonso de Liguori, etc. Divide a história do onanismo em quatro períodos, a saber:

    1º. Período: A tradição, segundo o Antigo Testamento, ensina que Judá pedira em casamento para seu primogênito Her uma mulher de nome Tamar: Incorreu Her no desagrado de Jeová, que por isso fê-lo morrer. Então Judá ordenou a seu outro filho, Onan, que tomasse Tamar para esposa e formasse a descendência. Onan, porém soube que os filhos não lhe deveriam pertencer e, para furtar-se à fecundação, ejaculava antes (sêmen fundebat in terram) e, assim, muitas vezes coabitou com a cunhada. Tal fato desagradou Jeová, e por isso deixou que ele também morresse.

    A falta de Onan não foi, pois o que hoje chamamos onanismo. Ele foi castigado, não por causa de erro moral, mas por faltar ao cumprimento da lei levítica sobre o matrimonio. (Isto é o que consta no Livro I de Moisés, capítulo 38).

    2º. Período: É da era cristã. A religião, pela voz de Santo Affonso Maria de Liguori, que aos 16 anos era formado em leis e em cânones e, aos 27, doutor da igreja, de Santo Agostinho de Pádua, de São Jerônimo e de inúmeros ascetas, eremitas e médicos da alma, sustenta intensiva campanha pelos bons costumes, declarando guerra de extermínio a todos os vícios. Finalmente, o nome onanismo foi reservado pela Igreja Católica para traduzir o que nos Evangelhos vem designado pelas expressões “pollutio” (in senso morali) e “mollities” ou manustupracio.

    3º. Período: Data de 200 anos a esta parte, aproximadamente. Antes, com os santos padres (Inocêncio) e doutores da igreja viam no onanismo um pecado mortal; ai entra a medicina e o considera crime perpetrado contra a própria saúde.  Tissot, médico e professor em Lausanne, há cerca de 150 anos, publicou uma obra sobre as doenças causadas pelo onanismo. Bekker, de Londres, refere-se à diminuição das forças, da memória, da vista, da audição, como consequência da masturbação. Ainda, palpitações, sonolências, tosse salivação calcárea, e tísica surgem como castigo para o vício. A incontinência de urinas, a espermatorréa e supurações fétidas são frequentes. Sofrem os viciados de incomoda dispersão de urina, hematurias, diarreias e impotência.

    Das doenças do sistema nervoso, tratou O.Retan no livro que publicou no século passado sob o título “A Preservação Pessoal” (Die Selbstervahrung). Diz ele que este vício horrendo perverte o corpo e a alma e conduz a estupidez, à loucura, finalmente a morte, através de padecimentos da medula, da tuberculose, cegueira, surdez, paralisia, convulsões e mesmo da gota. Segundo Retan, é bem conhecido que os eunucos nunca sofrem de gota (?). (Essa obra de Retan e semelhantes, foram classificadas por A.Forel, “como escritos sensacionalistas e charlatanescos”). O autor cita o livrinho do Dr. Voll – Der Liebe Licht um Dunkel - que considera de agradável leitura.

4º. Período: Nesta última etapa encontra-se o ponto capital da questão. É a criança de nosso século em que a psicanálise de Freud vai desvendar as tendências libidinosas. Termina aqui a história do onanismo, traçada por Hans von Pezold.

    Na sua segunda parte, o trabalho que ora noticiamos, cuida da literatura médico-pedagógica, e alude às teorias pregadas por J.J. Rousseau, em seu conhecidíssimo e celebre livro, “Emile”, e por Leon Tolstoi em “Sonata de Kreutzer”.

    Na terceira, toma o problema da estatística e insiste na insegurança dos dados numéricos sobre a frequência do onanismo, lembrando a falta de um conceito unívoco. Cita Hoche, de Freiburg, que fez larga observação em uma escola de convento, e Freud, que vê o germe do impulso sexual já no recém-nascido. Menciona o onanismo de necessidade –Notonanie - por falta de mulher, o que se verifica nos presídios, etc.

    Em quarta e última parte indaga da realidade dos males que pode causar o onanismo. Falam dos chamados “característicos infalíveis”, dos onanistas, os quais carecem de valor. Dentre tais características, é mesmo enumeradas a verruga do dedo, e nas moças o pendor para fumar. O medo infundado tem sido causa de muitos suicídios; O desejo de ver-se livre do vício conduz não raro à castração. As desordens nervosas consequentes à masturbação infrene são a ejaculação precoce no homem e a frigidez na mulher, bem como alquebramento, timidez, fraqueza de memória, incapacidade produtiva, etc.

    Neste ponto de vista, tratam-se naturalmente mais vezes de neuropatas do que de indivíduos sadios. O coração masturbante (das Masturbatenherz), bem considerando, é uma neurose cardíaca.

    Hoche admite como consequências do onanismo uma ilusão das relações representativas entre a copula e seu objeto normal, a qual alarga o terreno para desenvolvimento de todas as anomalias possíveis(exibicionismo, homossexualidade). Kraepelin fala de uma transposição da finalidade sexual (Verschiebung dês Geschlechtszieles).

    O onanismo significa, quase sem discrepância, grave impressão psíquica que tem causa moral. Constituem quadros de hipocondria sexual, neurastenia e neurose coacta, estados esses que, aliás, não são consequentes do onanismo, mas do sentimento de culpabilidade ou do excesso.

    Para fazer-se uma ideia aproximada à que altura pode chegar o excesso no onanismo, descreve Furbringer o caso de um rapaz que praticava até cinco atos à noite e 18 no dia, e outro de um advogado que se masturbava diariamente 15 vezes.

    Hans von Petzold, que durante 25 anos foi médico de um internato de rapazes, é incontestavelmente uma autoridade na matéria. Diz ele que lidou com numerosos onanistas de 10 a 16 anos. Procurou desenvolver a profilaxia do mal. Somente ali mentos não excitantes são permitidos; nunca álcool nem tabaco. Calças sem bolsos, muita devoção, muito trato do corpo, banhos, esporte, ginástica, privadas de portas baixas, vigilância intensiva, e apesar de tudo isso, o onanismo. Então o autor, para debelar o vício, explica os males que podem advir pelo excesso de masturbação, e propõe ao viciado ir sucessivamente aumentando os intervalos. Mostra-se satisfeito com tal método, que, ao fim de oito dias, tem exibido resultado. Em nenhum caso, porém, tem visto permanecer danos. Diversos adultos lhe tem agradecido à cura, que lhe devem de quando rapazes. Acha mesmo que os seus Exerzitien lhes tem fortalecido o caráter, à vontade, a confiança em si mesmo e a personalidade.

    Por final, resumindo, conclui: Para o médico, o onanismo, é antes vício que doença. Não se beneficia da terapêutica medicamentosa, mas da terapêutica psíquica, e pertence aos domínios da higiene mental.

 

Bibliografia

1. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental. Ano VI, Julho-Setembro de 1933, n3 p239-242.


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