Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Abril de 2014 - Vol.19 - Nº 4 Psiquiatria Forense O USO DE TRATAMENTOS “OFF LABEL” EM PSIQUIATRIA Quirino Cordeiro (1) O uso de tratamentos “off label” em Psiquiatria No mês de fevereiro deste ano de 2014, o Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) manifestou-se, por meio
do Parecer 167761 (Consulta 134.221/13), acerca do uso da droga ketamina para o tratamento da depressão. O consulente começou seu questionamento ao CREMESP
informando o que segue: “há cerca de 10 anos a Ketamina,
em doses subanestésicas, vem sendo utilizado como
antidepressivo, sempre com a assistência de anestesista, em centros
qualificados. A dose é de 0,5 mg/kg, e não requer
entubação traqueal. A melhora em geral é rápida, e o método tem sido empregado
até para pacientes que foram resistentes à ECT. Os efeitos
colaterais são mínimos e passageiros, quando ocorrem (estado confusional de
breve duração; como a dose é baixa, praticamente não se observam alterações
sensoperceptivas e etc.)”. Além disso, o consulente apresentou artigos
científicos publicados em periódicos internacionais de grande impacto, todos
convergindo em atestar a eficácia do método, assim como a sua segurança. Diante do exposto, foram
apresentadas as seguintes perguntas ao CREMESP: “1. Já é possível
utilizarmos o método em hospitais qualificados (a exemplo do Hospital 9 de Julho, com anestesista) para pacientes refratários às
abordagens existentes? 2. Se possível, devemos
informar o CRM? 3. Há necessidade de
consentimento informado?” O CREMESP, então, manifestou-se da seguinte forma, em
face dos questionamentos propostos: “A ANVISA estabelece o uso de medicamentos
não aprovados (a Ketamina somente está autorizada
para fins anestésicos), somente em protocolos de pesquisas e uso ‘off label’ respeitando-se as
legislações do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde será feito a
pesquisa ou o uso ‘off label’ da medicação… O uso ‘off
label’ de medicação aprovada para outro fim, é por definição não autorizado
pela agência reguladora ANVISA, mas isso não implica que seja incorreto. O uso
é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a
caracterizar um erro médico. A ANVISA não aceita resultados de estudos
preliminares, incompletos ou ensaios clínicos feitos em outro país”. Apesar de ter sido específica, por conta da consulta
realizada, a resposta do Parecer do CREMESP traz consigo uma discussão ainda
mais ampla, qual seja, o uso de tratamentos “off label” (fora da bula/rótulo) em Psiquiatria. Para que uma
medicação tenha seu uso autorizado pelas agências nacionais de regulação (no
caso do Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA), é
necessária a realização de estudos científicos que comprovem cabalmente sua
eficácia e segurança. No entanto, a realização desses estudos representa altos
custos para a indústria farmacêutica, que muitas vezes não se mobilizam para
realizá-los, inviabilizando, por isso, a regulamentação de muitas medicações
para os seus diversos fins. Além disso, outro problema também acontece com frequencia, ou seja, mesmo existindo, por vezes, evidências
científicas de eficácia e segurança para indicação clínica de determinado
tratamento, seu processo de regulamentação pode percorrer um longo caminho
burocrático até ser finalizado. Diante disso, muitas vezes o médico acaba prescrevendo
determinada medicação ao paciente, porém com indicação “off
label”, ou seja, sem a liberação formal para aquele
determinado fim. Tais situações acontecem frequentemente
na prática médica como um todo, e em especial na Psiquiatria, no entanto,
muitas das vezes, tal fato se dá sem o médico saber 1.
Muitos clínicos, na verdade, desconhecem que muitas daquelas que seriam
indicações clínicas de determinados medicamentos são, na verdade, indicações “off label” 1. Essa
realidade é bastante grave, pois representa, no fim das contas, um risco para seu
paciente, já que o mesmo acaba sendo exposto ao uso de medicamentos que não têm
sua eficácia e segurança, muitas vezes, devidamente comprovadas. Por exemplo,
estima-se que na Pediatria de 7 a 20% das reações adversas causadas pelo uso
de drogas, em indicação “off label”
são consideradas graves 2. Muitas vezes,
certa “confusão” que se estabelece no meio médico entre o uso regulamentado e
aquele considerado “off label”
acaba sendo provocado deliberadamente pelo marketing farmacêutico. Nos Estados
Unidos, inclusive, algumas situações de condenação de indústrias farmacêuticas
têm acontecido por conta disso. No ano de 2009, a empresa Eli Lilly foi multada em quinhentos e quinze milhões de dólares
por promover o antipsicótico Zyprexa®
(olanzapina) para uso em indicações ainda não
aprovadas, como por exemplo no manejo de pacientes com
demência de Alzheimer 2. A empresa
Pfizer também pagou multa de mais de dois bilhões de dólares nos Estados Unidos
por incentivar o uso “off label”
de determinados medicamentos, inclusive alguns de uso psiquiátrico, como o Geodon® (ziprasidona) 2. Diante desse
cenário, é muito importante que a classe médica fique atenta às indicações
precisas dos tratamentos que prescreve aos seus pacientes. Vale lembrar aqui,
no entanto, que o uso ‘off label’ de
medicação aprovada para outro fim, conforme o próprio Parecer 167761 do CREMESP, “não implica que seja incorreto”. Porém, o
médico precisa estar ciente que o uso é feito por sua “conta e risco”, podendo
ser “eventualmente vir a caracterizar um erro médico”. Alguns pontos devem
sempre ser observados pelo médico quando da prescrição de um tratamento “off label”: outras possibilidades
de tratamento devem ter sido esgotadas; há necessidade de fundamentação técnica
e científica; além disso, o médico deve obter autorização por escrito do
paciente ou de seu representante legal, dando ciência da excepcionalidade do
tratamento, que ainda não foi aprovado e que pode ter questões em aberto quanto
à eficácia e segurança. Referências
Bibliográficas: 1- Chen DT, Wynia MK, Moloney RM, Alexander GC. U.S.
physician knowledge of the FDA-approved indications and evidence base for
commonly prescribed drugs: results of a national survey. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2009;18(11):1094-100. 2- http://www.esapergs.org.br/site/arquivos/tese_1299781765.pdf.
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