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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Dezembro de 2014 - Vol.19 - Nº 12

Artigo do mês

SONHOS EM PSIQUIATRIA E EM PSICOTERAPIA – PARTE 12

Carlos Alberto Crespo de Souza*

1.      Introdução.

No artigo anterior – Parte 11 – prosseguindo na caminhada do estudo, foi iniciada a análise das ideias sobre os sonhos de Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, psicoterapeuta e fundador da chamada “psicologia analítica”. Conforme descrito, notabilizou-se por desenvolver os conceitos de personalidade extrovertida e introvertida, arquétipos e inconsciente coletivo, além de reconhecido como um dos mais influentes pensadores do século XX. 1

Embora embasado em concepções psicanalíticas de Freud – com o reconhecimento da existência de um inconsciente, como visto nesse artigo -, após reflexões sustentadas por seus estudos com pacientes e culturas diversas, criou entendimentos próprios, divergentes de Freud. Em virtude de sua extensa obra, como mencionado, e de dificuldades em sumarizá-la, interpretamos como bem-vindos, neste momento inicial, estudos sobre suas ideias realizados na contemporaneidade, assim como fizemos ao utilizar, como fontes de estudo, o Dicionário Crítico de Análise Junguiana e o de Carla Lindolfo (rever artigo 11). Sobre isso, cabe lembrar que as ideias de Jung não tiveram a mesma divulgação científica internacional que as de Freud, mormente entre o universo cultural ou leigo. 

Dentro deste contexto, o trabalho de conclusão de curso de Magnus Cesar de Macedo, aluno da The Society of Analytical Psychology – London – affiliated to the Centre of Psychoanalytical Studies of Essex University, Colchester, Essex, United Kington e traduzido por Geraldo Ballone, merece ser divulgado em alguns de seus tópicos principais. 2 O texto, traduzido por Ballone, evidencia como Magnus Cesar captou o ideário de Jung em suas concepções, conseguindo interpretá-las de forma compreensível e inteligente à luz da modernidade. Este texto deve ser considerado como mais um entre os já divulgados, a elucidar a difícil, ampla e complexa obra de Jung, embora ainda permaneça como algo preliminar e facilitador ao entendimento ou compreensão das ideias junguianas no presente estudo.       

No texto apresentado por Ballone sobre o trabalho de Magnus Cesar, pode-se ler que Jung entendia por “psique” o conjunto de todos os processos psíquicos, tanto conscientes como inconscientes. A psique, portanto, seria constituída por imagens refletidas e processadas no cérebro, as quais já foram demonstradas pela neurociência moderna (através da neuroimagem os pesquisadores são capazes de detectar e registrar os movimentos mais refinados da energia que ocorre em todo o cérebro).

De acordo com Magnus Cesar, a verdadeira natureza da psique ainda está muito além da compreensão objetiva, mecanicista e reducionista da neurologia, da psicopatologia, psiquiatria e das neurociências de um modo geral. Jung defendia a ideia de que as imagens e objetos assumem o caráter de consciência apenas quando têm alguma associação ao ego, e caso não se associem esse material permanece em nível inconsciente (a perda de memória seria um exemplo típico deste fenômeno psicológico).

Alguns tópicos desenvolvidos por Magnus Cesar de Macedo, em sua tese junto à Society of Analytical Psychology sobre o ideário junguiano, permitem-nos aprofundar seu conhecimento e, por isso, são dispostos logo abaixo (transcritos integralmente na tradução de Ballone, sendo que os destaques em negrito ou as pequenas mudanças foram feitas por nós, sem alterar seus conteúdos): 

2.                                                                                                                                                                                                               A Consciência.

 Segundo Jung, a consciência é um fenômeno diretamente relacionado ao ego. Para ele existiriam quatro funções da consciência: sensação, razão, imaginação e entendimento. Em uma comparação do fluxo da consciência com um feixe de luz de uma tocha concluiu: tudo o que pertence ao feixe de luz visível se torna consciente, aquilo que está fora desse feixe de luz, apesar de tenuamente iluminado, é inconsciente. Assim, tudo o que é visto, ouvido, sentido subliminarmente é armazenado no inconsciente, sem mesmo percebermos.

Jung chamou a atenção sobre o fato de que as imagens de experiências vividas, apesar de inconscientes, não deixam de existir. Apesar de não percebermos claramente esses elementos não significa que eles não estejam lá, eles simplesmente não estão à disposição da consciência. Por sua vez, o material vivencial apreendido pela pessoa pode ter representações que variam desde simples lembranças agradáveis da infância, com intensa e gostosa luminosidade resistente ao tempo, até terríveis experiências traumáticas envolvendo todo tipo de abusos psicológicos e físicos dolorosos fixados em nossas memórias. São essas vivências que Jung chamou de “complexos psicológicos autônomos”.

Normalmente, essas experiências traumáticas, pelo fato de serem perturbadoras e desagradáveis, são reprimidas, consciente ou inconscientemente, pelos chamados “mecanismos psíquicos de autodefesa”, os quais, com funções psicológicas lenitivas, acomodam-nas na profundidade do inconsciente. Por sua vez, algumas dessas vivências reprimidas jamais voltarão a emergir para a superfície de nossa consciência e serão praticamente esquecidas na profundidade de nosso mundo mental. Entretanto é comum que essas experiências emocionais se revistam de alguma energia afetiva e, dependendo do nível de energia agregada a esses complexos psíquicos, alguns deles se façam presentes na consciência indefinidamente, de forma independente de nossa vontade, de nosso conhecimento ou de nosso controle consciente.

Dependendo da intensidade das experiências vividas e da quantidade de libido (energia) associada a elas, poderão permanecer ativas por longo período de tempo, às vezes por décadas, às vezes para sempre. Os complexos psíquicos fortemente carregados de energia (libido), mesmo estando reclusos na profundidade do inconsciente, poderão se manifestar sutilmente e indiretamente através de nossas atitudes, de nosso humor, de nossa fala, audição, visões, sonhos e fantasias, enfim, esses complexos psíquicos poderão “contaminar” toda atitude existencial.  

A influência que o material psíquico reprimido exerce na vida da pessoa é, além de inegável, variada, de acordo com sua carga energética (libidinal). Os casos de repressão com intensidade libidinal muito forte podem estar relacionados a patologias mentais francas, assim como, inversamente, podem se relacionar apenas a certos desconfortos emocionais, muitas vezes considerados “normais”, os complexos psíquicos impregnados por energia mais tênue e fraca.

Jung relacionava os atos falhos, como, por exemplo, os pequenos lapsos inexplicáveis de memória, como acontecem quando uma pessoa substitui o nome de um amigo por outro, de uma namorada por outra, quando um objeto é exaustivamente procurado apesar de estar bastante visível ou mesmo quando se diz algo chocante, como um deslize da língua ou do vocabulário, sem sentido aparente. Há inúmeros exemplos destas ocorrências cotidianas embaraçantes que nada mais são do que reflexos dos complexos psíquicos presentes na vida de todos nós. Freud chamou alguns destes fenômenos de parapraxis, os quais surgem quando os complexos autônomos do inconsciente explodem em eloquente disseminação de energia na consciência, geralmente através de algum impulso. Para Jung, a neurose surgia quando a “consciência era inundada por material inconsciente”.

Jung argumentava ainda que o inconsciente deve ser considerado “um órgão natural, com sua energia específica própria e criativa”, e definia seu conteúdo da seguinte forma:

  • Tudo aquilo eu sei, mas que não estou pensando no momento
  • Tudo que me foi uma vez consciente, mas agora está esquecido
  • Tudo o que foi percebido pelos meus sentidos, mas não notado pela minha mente consciente
  • Tudo que involuntariamente sentido, pensado, lembrado e feito sem que tenha prestado atenção
  • Todas as coisas futuras que vão tomando forma em mim e chegarão, em algum tempo, à consciência

Todo esse conjunto comporia o inconsciente, além de toda repressão mais ou menos intencional de pensamentos e sentimentos dolorosos. Ao mesmo tempo, Jung atribuiu ao inconsciente também uma função compensatória à consciência. Daí a existência dos sonhos, devaneios e fantasias que a humanidade experimenta desde tempos imemoráveis. 

Sobre os sonhos, em 1954, aos setenta e nove anos, Jung escreveu: “Por muitos anos tenho cuidadosamente analisado cerca de 2.000 sonhos por ano, assim eu ter adquirido certa experiência neste assunto”. Em consequência de seu profundo conhecimento da alquimia, da mitologia grega, das culturas indígenas, da filosofia clássica e oriental e da psiquiatria tornaram-no um dos grandes especialistas em sonhos de nosso tempo. Desse vastíssimo material sobre o assunto pode-se sublinhar alguns conceitos de inestimável valor para o conhecimento da psique humana.

De acordo com Jung, um sonho é um produto psíquico originário do estado de sono e sem motivação consciente. Em um sonho a consciência não está completamente extinta, há sempre um pequeno fragmento atuante. Na maioria dos sonhos, por exemplo, ainda há a consciência do ego, embora seja um ego muito limitado e distorcido, curiosamente conhecido como o ego onírico; é um mero fragmento ou sombra do ego vigil consciente.

Como acontece no estado de vigília, onde as pessoas reais e as coisas entram em nosso campo de visão, no sonho as imagens são inseridas em outro tipo de realidade, a qual faz parte do campo da consciência do ego onírico. Não nos sentimos como se estivéssemos produzindo sonhos conscientemente, pois eles, além de não estarem sujeitos ao nosso controle, obedecem às suas próprias leis. Os sonhos são, obviamente, complexos psíquicos autônomos que se formam por conta própria e de seu próprio material. Por outro lado, a origem das motivações dos sonhos não é de nosso conhecimento consciente e pode-se dizer que os sonhos vêm diretamente do inconsciente.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

Jung também afirmou que a existência de fantasias inconscientes não realizadas aumenta a frequência e a intensidade dos sonhos. Quando essas fantasias se tornam conscientes, os sonhos mudam seu caráter e se tornam menos intensos e menos frequentes. A partir desse pressuposto, pode-se concluir que os sonhos muitas vezes contêm fantasias que “desejam” tornarem-se conscientes. Outra significativa afirmação de Jung diz respeito ao seu entendimento de que os sonhos não enganam, não distorcem, não mentem e não disfarçam; eles sempre procuram expressar algo que o Ego não compreende ou não sabe. Um sonho é um autorretrato espontâneo e de forma simbólica da realidade e da situação do inconsciente. 

Outras afirmativas de Jung sobre os sonhos merecem ser reproduzidas. Entre elas, a de que assim como o corpo reage fisiologicamente às agressões, ferimentos, infecções ou qualquer outra condição anormal, as funções psíquicas também reagem às perturbações emocionais perigosas com mecanismos de defesa intencionais. Entre as reações defensivas propositais (compensatórias) do inconsciente estão incluídos os sonhos.

Para Jung, assim como a atividade psíquica consciente pode criar mecanismos defensivos, inconscientemente nossa atividade psíquica produz sonhos, fantasias, etc. Um sonho que se nos apresenta não é criado conscientemente, apesar de termos consciência de sua percepção e mesmo reprodução. O sonho continua sendo uma fonte de atividade criativa inconsciente. Sobre isso, vale a pena ler o que disse Jung: “... O inconsciente tem uma função compensatória à consciência, mas especularmos o que o inconsciente é em si, pode ser uma atitude estéril... Por sua própria natureza, a compreensão do inconsciente vai além de toda nossa cognição e o que conseguimos, apenas, é ter acesso aos produtos do inconsciente, tais como sonhos e fantasias, mas não temos acesso ao inconsciente em si. Um fato cientificamente comprovado é que os sonhos, por exemplo, quase sempre têm um conteúdo que pode aliviar e corrigir a atitude da consciência. Por isso falamos da função compensatória do inconsciente”.   

3.                                                                                                                                                                                                               O inconsciente coletivo.                       

 Para Jung, os instintos e os arquétipos formam o chamado inconsciente coletivo. Coletivo porque, ao contrário do inconsciente pessoal, este tipo de inconsciente não tem características únicas e individuais, mas ocorrência universal, regular e coletiva. Tal como acontece com os instintos, o inconsciente coletivo é um fenômeno comum a toda a humanidade.

Tal aspecto universal explicaria, na ideia desse autor, ter encontrado as mesmas similaridades mitológicas (arquetípicas) nos sonhos de seus pacientes em Basileia, na Suíça, e os aborígines na Austrália. Encontrou, ainda, as mesmas semelhanças dos sonhos entre os afroamericanos e os europeus arianos e, da mesma forma, entre os insanos e não insanos.

Cabe ressaltar que, do ponto de vista junguiano, existem cinco grupos principais de fatores instintivos: a fome, a sexualidade, a criatividade, a atividade e a reflexão, sendo esta última de natureza cultural por excelência. Jung, ao contrário do filósofo inglês John Locke, acreditava que “o homem não nasce como uma tábula rasa”, mas com um cérebro que é o resultado do desenvolvimento de uma longa sucessão e cadeia de antepassados.

Sobre isso, as palavras de Jung:

O filósofo inglês John Locke (1632-1704), considerado o protagonista do empirismo, detalhou a teoria da Tábula Rasa em seu livro. Ensaio acerca do Entendimento do Humano (1690). Para Locke, todas as pessoas nascem sem saber de absolutamente nada, sem impressões alguma, sem conhecimento algum. Então, todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, depois do nascimento pela tentativa de acerto e erro (isto é, o homem nasce como se fosse uma folha em branco)”.

Segundo Jung, “Se o inconsciente coletivo não existisse tudo poderia ser alcançado através da educação; esta poderia reduzir o ser humano a uma máquina psíquica com a impunidade, ou transformá-lo em um ideal”. Em última análise, o inconsciente coletivo seria um depositário do mundo, da existência humana, e estaria inserido na estrutura do cérebro e do sistema nervoso simpático.   

4.                                                                                                                                                                                                               A Unidade “Self” e “Alma”.

Jung entendia o “self” como “toda gama de fenômenos psíquicos no ser humano”, expressando a unidade da personalidade como um todo. Por “alma”, entendia como “complexo funcional definido que pode ser mais bem descrito como uma personalidade”. Para ele, a unidade do Self e da Alma representa a razão da nossa própria existência. Esta unidade, ou personalidade, tem características únicas em cada um de nós. Por conta dessa particularidade, o nosso inconsciente não age apenas de forma instintiva e coletiva, mas, sobretudo, de forma subjetiva e pessoal.

Jung desenvolveu uma teoria caracterizando a alma através de quatro conceitos psicológicos: anima/animus, ego, persona e sombra. Ao falar de alma como “anima”, refere-se ao aspecto feminino dos seres humanos, enquanto que “animus” é referente ao aspecto masculino. Porém, o homem, apesar de masculino, possui uma alma feminina, ou anima, enquanto a mulher, apesar de feminina, tem uma alma masculina, ou um animus. O motivo dessa diferença é que um lado compensa o outro. A anima geralmente compensa todas as qualidades que faltam na atitude consciente de um ser masculino. Isto explica porque apenas os homens viris estão mais sujeitos a fraquezas e sugestionabilidade das características do sexo feminino. Por outro lado, apenas as mulheres mais femininas podem mostrar uma intratabilidade, obstinação e teimosia em sua vida interior, comparável apenas às atitudes externas masculinas.

Partindo do ponto de vista junguiano de que a “alma” é o mesmo que “personalidade” ou o mesmo que anima/animus, isso nos levaria a pensar que deve existir uma dissociação da personalidade mesmo diante da normalidade, como se fosse “anjo para o exterior e o diabo em casa”, ou vice-versa, uma forma muito comum em nossa experiência cotidiana. Dependendo da situação do Ego com a situação, e se isso se torna uma atitude habitual, em seguida o indivíduo desenvolverá uma personalidade dividida, uma parte adaptada à vida doméstica e outra (persona) para a vida social, casos comuns em nossa sociedade.

Jung definia a “persona” como “... O sistema individual de adaptação ao mundo. Toda vocação, profissão ou papel social, por exemplo, tem a sua própria persona característica. Pode-se dizer, com um pouco de exagero, que a persona é aquilo que na realidade não é, mas tanto si mesmo, quanto os outros acham que é”.

Quanto ao quarto conceito de Jung, o complexo funcional chamado “sombra”, talvez o mais complicado deles, foi entendido por ele como “aquilo que a pessoa não deseja ser”. Ou seja, é a obscuridade, a peça de origem coletiva da personalidade inconsciente, misteriosa e nebulosa.

A sombra compreende todo o aspecto histórico do inconsciente, compõe-se de sentimentos ocultos, reprimidos em sua maior parte, complexo de culpa e de inferioridade, cujas origens remontam ao reino animal do qual fazemos e fazia parte de nossos ancestrais. Acreditava-se que a sombra do ser humano era a fonte natural de todo o mal, porém, através da investigação do inconsciente humano, sabe-se agora que sua sombra não é constituída apenas de tendências moralmente condenáveis, mas também de uma série de boas qualidades, como, por exemplo, os instintos normais, as reações adequadas à sobrevivência, compreensão realista, impulsos criativos, etc.

Em sua última definição, Jung observa que a sombra é também a sede da criatividade, racionalidade, força e outras boas qualidades da psique humana. Mas os maus aspectos da sombra realmente podem ser esmagadores. O fisiológico caráter egoísta deste aspecto de nossa personalidade é preocupante. É assim que uma pessoa tende a projetar suas próprias características negativas sobre as outras. Devemos perceber que, em geral, todas as más qualidades que constatamos em outros vêm, de fato, de nós mesmos. É fácil atribuir aos projetos alheios alguns defeitos que justifiquem nossa intolerância.

Segundo Jung, geralmente, acusamos nosso inimigo de nossas próprias falhas. A psicologia da guerra fez isso de forma bem clara: “Tudo que meu país faz é bom, tudo o que os outros países fazem é mau”. De acordo com suas palavras, como os indivíduos têm esse tipo de psicologia primitiva, toda tentativa de trazer tais projeções antigas para a consciência é tida como irritante. Naturalmente gostaríamos de ter melhores relações com os companheiros, mas apenas na condição deles viverem tal como nossas expectativas, em outras palavras, que os outros estejam dispostos à nossa expectativa.

Jung acreditava que tocar o mal levava ao risco de sucumbir a ele e não devemos sucumbir nem ao bem e nem ao mal. Sucumbir ao que crie unilateralidade é uma espécie de vício, o que também não cria uma personalidade saudável. Segundo suas palavras, “O mal tem que ser ponderado, tanto quanto o bem, afinal, o bem e o mal não são extensões de um ideal e de fazer abstrações, ambos pertencem ao claro-escuro da vida..., em última instancia, não há nenhum bem que não possa produzir o mal e nenhum mal que não possa produzir o bem”.

5.                                                                                                                                                                                                               O entendimento do Ego para Jung.                                                    

 Jung compreendia o Ego como um complexo psíquico com a mesma natureza da consciência, daí ter falado em “ego-complexo”, que seria apenas mais um complexo psíquico entre outros. Mesmo se ocupasse o centro da psique, ele não representaria a totalidade do Self. Seria um complexo que não compreende o ser humano total, uma função que esquece infinitamente mais do que sabe. Não obstante, embora tenha funções psíquicas de alerta (consciência, pensamento, orientação, etc.), nem tudo se torna consciente. Há pensamentos e sentimentos completamente formados que surgem fora do alcance da consciência, dos quais o Ego nada sabe.

6.                                                                                                                                                                                                               Extroversão e introversão.

     Emprestado da fisiologia e de Goethe, Jung usou diástole e sístole como bases para desenvolver sua teoria da “Extroversão-Introversão”, os tipos básicos de personalidade. Diástole, na fisiologia da cardiologia, significa o momento em que o coração relaxa e deixa o sangue fluir para dentro dele. Sístole, pelo contrário, é quando os músculos cardíacos se contraem para bombear o sangue para fora dele.

      Admirador de Goethe é possível que tenha utilizado essa metáfora, a mesma empregada por este admirável pensador alemão, em sua famosa obra Fausto. * Ao referendar esse autor, de forma comparativa, interpretou a si mesmo como um “pensador introvertido” e a Goethe como um “pensador extrovertido”, ambos como sua segunda função mais forte. 

      * A guisa de reconhecimento e informação, cabe dizer que Fausto é um poema trágico do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, dividido em duas partes. Foi redigido como uma peça de teatro com diálogos rimados, pensado mais para ser lido do que encenado, e considerado como uma das grandes obras-primas da literatura alemã. A criação da obra ocupou toda a vida de Goethe, ainda que não de maneira contínua. A primeira versão foi composta em 1775 e a definitiva em 1808, sob o título de “Fausto, uma Tragédia” (Faust, eine Tragödie). A problemática humana expressada no Fausto foi retomada a partir de 1826, quando ele começou a escrever uma segunda parte. Esta foi publicada postumamente em 1832, sob o nome de “Fausto. Segunda parte da tragédia, em cinco atos”. 3       

        Goethe nasceu na cidade de Frankfurt em 28/08/1749 e faleceu em 22/03/1832. Escreveu várias obras, porém sua maior foi “Fausto”, a qual relata a vida de Dr. Fausto, que vendeu sua alma para o diabo (Mefistófeles) em troca de prazeres terrenos, riqueza e poderes ilimitados. 4 Rica em alusões clássicas, na Parte II o enredo romântico da primeira é deixado de lado. De fato, é uma obra totalmente diferente da primeira quanto aos termos abordados que abrangem aspectos políticos e sociais. Reconhecido como uma obra-prima literária, inúmeras traduções do “Fausto” foram realizadas a muitas línguas. Em português, a primeira delas foi feita pelo diplomata português Agostinho de Ornelas na década de 1860. No Brasil, destacam-se as traduções de Sílvio Meira, publicada em 1974 e a de Jenny Klabin Segall, de 1981. 3   

        Feita essa pequena digressão de interesse intelectual, voltemos aos objetivos de nosso estudo. Para Jung, no estado extrovertido as pessoas pensam, sentem e agem em função do objeto. Em certo sentido, a extroversão é uma transferência de interesse do sujeito para o objeto. A extroversão é “ativa” quando intencional e “passiva” quando o objeto contém um interesse subjetivo.  Dependendo da situação que nos encontramos, todos nós podemos ser introvertidos ou extrovertidos, embora exista também uma condição herdada geneticamente capaz de influir sobre a predominância de um tipo ou outro.

        Extrovertidos e introvertidos também podem ser subdivididos em quatro subtítulos, de acordo com as quatro funções psicológicas.  Isso resultará em oito tipos categoriais: extrovertido tipo pensamento, tipo sensação, tipo intuitivo, tipo sentimento e introvertido tipo pensamento, tipo sensação, tipo intuitivo e tipo sentimento.           

       Na realidade, estas funções não estão igualmente presentes na vida real, havendo sempre uma predominância de uma delas sobre as demais, as quais ficam em segundo plano, isto é, uma disposição predominantemente emocional não pode também de forma predominante pensar racionalmente. Algumas pessoas são guiadas em suas vidas por seus sentimentos, enquanto que outras por seu pensamento, outras ainda por sua sensibilidade e, finalmente, outras por intuição, independentemente de serem extro ou introvertidos.     

       No ideário junguiano, muitas dessas pessoas podem ser extrovertidas ou introvertidas na dependência do seu ambiente cultural e de sua carga genética. Para ele, há introvertidos e extrovertidos otimistas, bem como introvertidos e extrovertidos pessimistas. De igual forma, em seu pensamento, apesar das classificações não bastarem para explicar a psique da pessoa em sua individualidade, uma compreensão dos tipos psicológicos abre caminho para um melhor entendimento da psicologia humana em geral.

7.                                            Individuação.                                                                     

       A individuação é um processo natural que ocorre a todos nós em um determinado período de nossas vidas. Normalmente acontece entre meados dos trinta e o final dos quarenta anos. É o momento em que o indivíduo começa a se tornar uma pessoa com afirmações próprias características de atitudes diante da vida. Mesmo assim, no entendimento de Jung, a maioria de nós nunca será capaz de dissociar completamente o comportamento de massa do pensamento coletivo e, por isso, o processo de individuação é crucial para nos diferenciarmos. Nós, seres humanos, somos animais sociais por natureza e, naturalmente, nos influenciamos mutuamente de várias e distintas maneiras.

        O processo de individuação retorna o ser humano ao seu interior, ao seu mundo subjetivo, que certamente estará cheio de novas descobertas e realizações de seu próprio eu. Poderia ser chamado de “maturidade da alma humana”, quando a morte parece mais à vista e questões existenciais, inevitavelmente, começam a surgir. Finalizando esse tópico, as palavras de Jung, escritas em 1906, ainda podem ser validadas como atuais: “Um homem deve ser capaz de conhecer sua própria capacidade de fazer o bem e o mal (...). O ser humano é rico em conhecimento, mas pobre em sabedoria...”.                                                  

8.      Comentários.

     As ideias de Jung, de acordo com o que nos foi dado a ler, mostram sua capacidade de compreender ou de interpretar as ações humanas. A psique é revelada através de seus estudos e comentários, trazendo não apenas contribuições teóricas a respeito, mas demonstrando, na prática diária, como funcionamos em nossas vidas interpessoais com os outros. Seus conceitos possibilitam auxiliar-nos nessa compreensão, reforçando a necessidade de que cada um procure um caminho à sua individuação.

     Cabe ressaltar que as concepções gerais de Jung são inestimáveis para a compreensão de suas ideias sobre os sonhos, daí a necessidade de deixá-las esclarecidas nestes momentos iniciais. Assim dizendo, fica consignado que o objetivo maior deste estudo segue sendo a onirocrisia.  

Por outro lado, reforçamos, mais uma vez, que o texto aqui referenciado é obra de Magnus Cesar de Macedo em sua tese junto à Society of Analytical Psychology da Essex University, UK, e somente acessível a nós graças à tradução de Ballone. Qualquer mérito, portanto, deve ser atribuído a ambos. Utilizamos o texto, como afirmado anteriormente, para compreender e tornar compreensível aos que o leem, passo a passo, o complexo e abrangente ideário junguiano.

Seguindo adiante, no artigo seguinte, em sua Parte 13, depois de vencidas essas etapas iniciais ou preliminares, em que as ideias de Jung foram detalhadas de maneira a facilitar sua compreensão, estudaremos o livro “O Homem e seus Símbolos”. Este livro foi coordenado pelo próprio Jung e contêm capítulos escritos por seus principais seguidores (escolhidos por ele) um pouco antes de seu falecimento, em junho de 1961.

O livro contém, ainda, o último escrito de Jung, um capítulo fundamental sob o título de “Chegando ao inconsciente”. Uma passagem interessante no histórico desse livro é que Jung somente aceitou fazê-lo graças a um sonho que teve anteriormente a sua decisão. Isso tudo será desnudado no próximo artigo e, certamente, em 2015. 

9.      Referências.                     

       Crespo de Souza CA. Sonhos em Psiquiatria e Psicoterapia – Parte 11.  Psychiatry on line Brasil. Novembro 2014, vol.19, nº 11.

       Ballone GJ. Jung, Sonhos e Autoconsciência. Um resumo de Magnus Macedo sobre parte da obra de Jung. Disponível em http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticiasHYPERLINK "http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticias&idNoticia=330"&HYPERLINK "http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticias&idNoticia=330"idNoticia=330

       Fausto (Goethe). Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Fausto_(Goethe)

       GOETHE – biografia, obras, frases, Fausto, pensamentos de Goethe. Disponível em http://www.suapesquisa.com/pesquisa/goethe.htm   

* Estudo realizado no Departamento de Pesquisa do Centro de Estudos José de Barros Falcão – Porto Alegre, RS.

** Professor e Doutor em Psiquiatria.

Endereço p/correspondência: [email protected]


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