Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Setembro de 2014 - Vol.19 - Nº 9 Artigo do mês
SONHOS EM PSIQUIATRIA E EM PSICOTERAPIA – PARTE 9*
Carlos Alberto Crespo de Souza** 1.
Introdução. No
artigo anterior – Parte 8 – foi estudado, igualmente de forma sumária, o quinto
capítulo do livro de Medard Boss, “Na
noite passada eu sonhei...”, denominado “A natureza do sonhar e do estar desperto” em seu subtítulo
primeiro, sob o nome de “Noções
históricas da diferença entre estar desperto e sonhar”. Neste
capítulo, como pode ser lido no artigo, Boss inicia afirmando que somente
quando tivermos êxito em estabelecer uma distinção fundamental entre os estados
de sonhar e de estar desperto da existência humana é que poderemos alegar ter
contribuído com alguma coisa significativa para a compreensão do sonhar em si.
Refere que todos nós reconhecemos que o sonhar é de alguma forma diferente do
estar desperto. 1 Segundo
ele, assim que começamos a definir essa diferença, encontramo-nos apalpando no
escuro. De maneira a tentar clarear essa escuridão, sugere que devemos
desmantelar os nossos preconceitos, pedaço por pedaço, para limpar o caminho
para uma atitude fenomenológica que se apegue estritamente àquilo que foi visto
e experienciado nos fenômenos oníricos em si, e que chegou a hora de reunir
todos esses preconceitos populares e científicos e sujeitá-los a um exame
cuidadoso. É
o que faz neste subtítulo, iniciando por desfazer o mito de que “temos” sonhos.
Na verdade, como afirma, “ter sonhos” é existir ou ser de um modo específico,
modo este distinto do estar desperto. Ao avançar neste tópico, o psiquiatra
suíço realiza uma verdadeira dissecação dos conteúdos oníricos, tudo feito de
uma maneira simples e com exemplos de sonhos e de suas repercussões entre as
pessoas de um modo geral. Sua capacidade descritiva é notável, o que torna sua
leitura agradável, embora de difícil assimilação vez por outra. 2 Seguindo no rumo do estudo, o artigo, em
sua Parte 9, contemplará, a seguir, o primeiro subtítulo de seu capítulo quinto
denominado “O que o estar desperto e o sonhar possuem em comum”. Os dois outros
subtítulos, denominados “A distinção fenomenológica essencial entre estar
desperto e sonhar” e “Conclusão” serão apresentados e discutidos no próximo
artigo, em sua Parte 10, os quais finalizam o livro de Boss. 2. O que o estar desperto e o sonhar possuem em comum. Boss inicia este texto evocando o passado, ao mencionar o que alguns autores, como Ludwig Binswanger
e Erich Fromm, afirmaram sobre os sonhos. Eles, na época de seus escritos,
concluíram que o sonhar significava submeter-se passivamente a uma corrente de
imagens, ser um brinquedo da vida, não saber o que está acontecendo consigo
próprio, viver simplesmente sem intelecto ou história mental. Ou, ainda, de que
o sonhar é o estado no qual as pessoas caem quando deixam de exercer sua
própria vontade e que, reciprocamente, estar desperto e ter vontade é uma coisa
só. Segundo esse entendimento, até mesmo a linguagem coloquial descreve como
sonhador alguém que deixa a vida passar como imagens fugazes. Entretanto, na opinião de Boss, a
observação mostrará que tais afirmações descrevem apenas uma entre muitas
possibilidades comportamentais abertas ao sonhador. Vezes e vezes repetidas
sucede que o sonhador propositadamente decide intervir nos eventos sonhados, e
aí leva a cabo a sua decisão ao pé da letra. Até mesmo pessoas que não sabem
muito bem o que está acontecendo a elas em suas vidas despertas, permitindo-se
serem levadas pelos seus ânimos momentâneos, frequentemente revelam uma força
de vontade surpreendente enquanto sonham. Por isso, segue afirmando o psiquiatra
suíço, “Assim como a tomada de decisão
voluntária concernente a entes caracteriza tanto o estar desperto quanto o
sonhar, qualquer outro modo de comportamento aberto aos seres humanos despertos
pode ocorrer também durante o sonhar”. Então, descreve que, no decorrer de sua
própria pesquisa, conseguiu identificar e demonstrar a existência das seguintes
maneiras de atuar em pessoas sonhando: ·
Ficar
assustado ou com medo. ·
Atitude
resoluta, decidida. ·
Atitude
meditativa, reflexiva. ·
A
relação com seres do mundo do sonho. ·
Reflexão
científica acerca de um problema. ·
Mentir. ·
“Lapsos
inconscientes de linguagem” e outros comportamentos análogos. ·
Habilidade
de “interpretar sonhos” no decorrer do sonhar. ·
Habilidade
de acordar enquanto sonha. ·
Relação
artística, criativa com o mundo do sonho. ·
Julgamento
moralista. ·
Relação
com a divindade. ·
Percepção
telepática e “profética” durante o sonhar. ·
A
relação com a própria mortalidade pessoal.
Advoga
Boss que o estar desperto e o sonhar compartilham algo ainda mais profundo do
que possibilidades comuns de se relacionar com “entes” (Nota: o que existe ou pode
existir; aquilo que existe, coisa, objeto, matéria, substância, ser; pessoa –
cf. Aurélio)
encontrados, uma vez que ambos os estados são modos de existir do mesmo ser
humano individual. Reforça, afirmando “O
sonhar e o estar desperto da pessoa pertencem sempre e exclusivamente a ela
como existência humana individual. E embora o sonhar e o estar desperto sejam
diferentes, são estados ou condições igualmente autóctones da mesma existência
humana”. Este modo de pensar de Boss reflete seu
entendimento do quanto o sonhar e o estar desperto constituem-se como
propriedades comuns do ser humano, totalmente individualizadas. Vale a pena
acompanhar seu pensamento a respeito, sem dúvida, uma compreensão inestimável
ao conhecimento psicológico: “A
existência sonhada e desperta de um dado ser humano pertencem juntas
fundamentalmente ao Dasein e exclusivo que estende ininterruptamente por toda a
vida, e é estritamente e para sempre dele, isto é, estritamente pessoal
(je-meinigen). Consequentemente, uma compreensão apropriada da natureza da
individualidade e do Dasein humano, que às vezes leva a cabo o seu Ser-no-mundo
estando desperto e outras vezes sonhando, constitui o pré-requisito imaterial,
inobjetificável, não só para um entendimento dos fenômenos existenciais humanos
particulares, mas também para uma distinção clara entre os estados do sonhar e
estar desperto”. Ao avançarmos na leitura deste texto de
Boss, dentro deste subtítulo, vamos encontrar outras preciosidades de seu
pensamento. Devo reconhecer, como em outras vezes, o quanto é difícil
absorvê-las ou incorporá-las, porém não nos deixam dúvidas de sua importância
sobre as condições humanas no sonhar e no estar desperto, tal sua profundidade.
A seguir, de modo a identificar esse seu
discernimento, registro alguns parágrafos desse autor logo abaixo: ·
“O existir-humano, ou Dasein, que é matriz
comum tanto do estar desperto quanto do sonhar, revela-se a um observador não
tendencioso como um ´ek-statico` abrir-se dessa clareira que chamamos mundo. É
a erupção de um campo amplo de sensibilidade, de abertura
significado-compreensão”. ·
“Esta abertura-de-mundo, como qual cada ser
humano fundamentalmente existe, é muito distinta do vazio de um recipiente
físico, no qual às vezes as coisas podem simplesmente cair e então estar-aí. Em
vez disso, quando pensamos fundamentalmente, nós nos vemos existindo como nada
mais do que um campo iluminador único de abertura compreensiva, que abrange o
mundo inteiro”. ·
“Assim, o nosso ser ´aberto` nunca existe
como algo em si e por si. A nossa existência é abertura ´apenas` na medida em
que é solicitada por aquilo que encontra. É exclusivamente abertura para alguma
coisa, ou seja, para perceber e lidar receptivamente com tudo que encontramos
em nosso mundo”. ·
“Em contraste com os seres não humanos, não
podemos ser caracterizados pela descrição de qualidades físicas objetivas. Em
vez disso, como campo de abertura e compreensão, o traço básico da existência
humana é de caráter absolutamente imaterial, inobjetificável, ilimitável”. ·
“Ela consiste numa abertura perceptiva
´para`, e capacidade de responder a qualquer presença que venha a surgir, e
portanto ser, nesse campo mundano de abertura como qual o ser humano existe.
Ela consiste na habilidade de abranger compreensivamente a totalidade de
significados e contextos referenciais, que fazem com que a presença específica
seja o que ela é”. Neste subtítulo de sua obra, Boss
demonstra em seu texto a forte influência do pensamento filosófico de Heidegger,
o que torna sua leitura complexa e de difícil assimilação. Entretanto, cabe a
nós, como psiquiatras e estudiosos do ser humano em suas variadas facetas
existenciais, procurar, através de nossos recursos intelectuais e fortemente
alicerçados em nossa prática psiquiátrica, tentar compreender ou decifrar tais
desafios nesse campo limítrofe entre a filosofia e a psiquiatria. Por outro
lado, cabe-nos reconhecer a importância dessa interface como possibilidade de amplificação
de nossos horizontes enquanto profissionais dedicados ao entendimento e
tratamento dos padecentes. No contexto, vale lembrar que os
desafios dessa interface entre a psiquiatria e a filosofia têm levado muitos e
expressivos estudiosos do ser humano a romper suas barreiras, passando de um
lado para o outro, sempre à procura de um melhor entendimento da alma humana.
Isso ocorreu, por exemplo, com Karl Jaspers há mais de cem anos e, mais
recentemente, com Renato Mezan (autor de “Freud, Pensador da Cultura”, 1985).
Possivelmente, a compreensão da alma humana seja tão inextricável que a busca
por mais subsídios ao seu entendimento promova tal postura de aprofundamento. Isto posto, retorno ao pensamento de
Boss. No texto ele analisa alguns significados de palavras alemãs, às vezes
interpretadas de forma inadequada. Cita Sartre e Binswanger como exemplos dessa
inadequação quando se disseram aderentes ao termo heideggeriano “Ser-no-mundo”.
Em seu entendimento, nos escritos de ambos permanece o mistério como a
subjetividade, tomada como a imanência (que existe sempre em um dado objeto e
inseparável dele, cf. Aurélio) primordial, chega a transcender a si própria de
modo a apreender os objetos do mundo exterior. Com isso, eles, na realidade, se
rendem ao antigo subjetivismo cartesiano. Aí, Boss questiona: “Como poderia tal subjetividade chegar a
intuir a existência de algo como um
´mundo exterior`?” Em resposta ao seu próprio questionamento, afirma: “Mas ninguém experiencia a si próprio dessa
maneira. Em alemão, a projeção subjetiva do significado na matéria bruta é
comumente designada como ´Welt-ent-wurf`, isto é, conforme é subjetivamente
entendido, ´jogar o mundo fora`(para fora de um objeto fechado, em cima da
matéria anteriormente sem sentido).Entretanto, o significado e derivação
originais da palavra alemã proporcionam uma compreensão da natureza essencial
do fenômeno entendido por este termo”. A seguir, ele prossegue: “O ´ente` significa ´weg`- caminho, ou então
´auf`- que é uma partícula que indica abertura. Welt-ent-wurf , em relação a
sua origem, significa então abrir-se do mundo. Da mesma forma, o termo de
Martin Heidegger ´Entschlossenheit´ é frequentemente mal-entendido como
´resolução` no sentido de uma relação subjetivamente desejada dos seres com o
mundo. Porém, ele emprega o termo no seu sentido original de
´Er-Schlossenheit`, isto é, o desvelamento de abertura e liberdade”. Em sequência, Boss afirma que uma pessoa
pode ver por si só que ela existe basicamente como um campo aberto de
perceptividade receptiva para a presença dos seres. Por sua vez, as
significações e os contextos referenciais que constituem a natureza essencial
de tudo que é encontrado lhe são imediatamente iluminadas; isso vale dizer: a
natureza de tudo o que a pessoa encontra é acessível à sua percepção e que isto
se aplica a todos os entes encontrados, sejam eles humanos ou não. Sobre isso,
eis suas palavras: “Todavia, mesmo
existindo de maneira não-física como esta, o Dasein, o existir humano está
desde o começo ´aí fora` , junto com
os entes do mundo – em tal medida que, de
fato, nenhum mundo interior, subjetivo, pode ser demonstrado”. Logo depois, ele amplia: “Pois até mesmo quando estamos supostamente
apenas imaginando algo ´dentro`,´internamente`, com o olhar da nossa mente, não
nos limitamos à visão de uma mera representação intrapsíquica imaginária de
alguma coisa. Em vez disso, a nossa percepção – isto é, nós mesmos enquanto
seres humanos existentes – é oriunda do ente visualizado, do ponto no campo espaço-tempo
do qual ele se dirige a nós como presença visualizada. Pois, despertos ou
sonhando, como poderíamos perceber ou compreender qualquer coisa na sua
verdadeira importância, isto é, como aquilo que ela é, ou como poderíamos
responder com conhecimento e compreensão, se já não fôssemos percebidos e
compreendidos por ela como sendo basicamente seres perceptivamente abertos?” A seguir, ele exemplifica: “Se, por exemplo, eu tivesse que pegar um
trem na estação daqui a meia hora, jamais poderia encontrar o meu caminho para
lá se eu, embora fisicamente presente no meu apartamento, já não existisse como
capacidade de perceber algo como aquilo que é: neste caso, o trem e a estação
visualizados no centro da cidade, onde podem ser encontrados fisicamente”. Em acréscimo, reforça: “Há mais um ponto a destacar; para que a
estação ferroviária, ou qualquer outro ente, venha a ser de um modo que possa
ser experienciado pelos humanos, deve existir primeiro uma habilidade humana
correspondente para perceber. Sem a abertura, o alcance dessa percepção, não
haveria nenhum ´aí` em geral, e nenhuma região específica na qual as coisas
pudessem se manifestar. Até mesmo as minúsculas, embora portentosas, palavras
´é` e ´ser` perderiam todo o seu significado na ausência da abertura da
existência humana”. Insistindo na importância da abertura
humana como fonte primária para o encontro com outros seres da existência e
consigo mesmo, Boss faz uma comparação significativa: “Como analogia, a existência humana pode ser comparada à luz física que
ilumina uma área específica. Também ela está, desde o início, com as coisas, no
sentido de que, sem luz, nada é visível, nada ´vem à luz`. E exatamente da mesma maneira que todos os
raios individuais de qualquer fonte de luz física contribuem para a claridade
de uma área iluminada, assim também todo ser humano ajuda a constituir a
iluminação que caracteriza a abertura perceptual da espécie aos significados
dos entes encontrados no mundo”. Outros parágrafos de seu texto
robustecem seu pensamento acerca da “abertura” acima referida. Por exemplo,
contrapõe ao afirmar que “Certo é que a
analogia entre o ser humano enquanto abertura de mundo perceptivo e a luz
física é inadequada porque a luz não pode por si só perceber algo como algo,
como aquilo que é. A luz não pode ver. Ademais, o campo de abertura-de-mundo,
clareira (Lichtung) que é mantida comunalmente por todos os seres humanos não
pode ser bem entendido através de uma analogia com o conceito de claridade
física. A clareira (Lichtung) desta abertura-de-mundo (Weltlichtung) deve sim
ser comparada com a clareira numa floresta (Waldlichtung), uma área livre e
aberta que foi ganha da escuridão e da obscuridade, e que contra elas deve ser
constantemente defendida”. Logo adiante, segue dizendo: “Sem essa abertura primordial, o componente
espacial do mundo humano, com todos seus pontos de localização, jamais poderia
ser; tampouco qualquer visão mental no sentido de compreensão, e tampouco
qualquer tipo de percepção. Nem sequer seria possível ouvir, tocar, provar ou
cheirar as coisas com discriminação”. Ao avançar em suas ideias e ao término
desse subtítulo, Boss analisa o estar desperto e o sonhar de forma mais
específica, tendo por base seus argumentos anteriormente descritos. Vale a pena
transcrever suas palavras, embora o parágrafo seja longo: “O estar desperto e o sonhar, que não passam de dois modos diferentes de
conduzir a realização da mesma existência humana histórica, pertencem
fundamentalmente juntas a essa mesma existência. Isso explica porque a
continuidade do eu histórico não é interrompido nem mesmo nos sonhos. Enquanto
sonhamos, a nossa continuidade histórica é preservada na medida em que pelo
menos reconhecemos a nós mesmos como a mesma pessoa que fomos quando estávamos
despertos. É claro que com muita frequência ocorre que quando adormecemos e
começamos a sonhar os entes que haviam estado fisicamente presentes aos nossos
sentidos já não estão mais. Em vez disso, nos nossos sonhos nos encontramos com
objetos e pessoas totalmente distintos. Todavia, nunca confundimos nossos entes
essenciais com à existência de outros seres humanos”. Prosseguindo em seu pensamento sobre o
sonhar, mencionou que “É verdade que
ocasionalmente posso me encontrar em sonho transformado em alguma pessoa ou
animal que vejo caminhando ao meu lado. No entanto, durante toda essa
transformação, permaneço eu mesmo, o mesmo ´eu` que sempre fui. Eu sou o ´eu` que
existia no estado desperto anterior, independente do fato de poder haver me
tornado subitamente o Imperador da China, ou um trapo jogado no chão, ou um
moleque de doze anos, em vez dos meus cinquenta, ou – embora isto seja mais
raro – um octogenário cheio de rugas”. Em relação a essa frase, Boss argumenta
que conhece apenas uma única exceção a esta regra, onde o sonhador perde todo o
seu senso de continuidade pessoal. Ele não sabe onde está durante o sonhar,
quem é ou se realmente existe. O estado de espírito desses sonhos geralmente é
de considerável ansiedade, às vezes de verdadeiro horror. Sobre essas experiências
oníricas afirma: “As experiências
oníricas de perda tão extensiva do eu ocorrem, pelo que tenho visto, apenas em
pessoas que tenham sentido essa perda do eu e do mundo também em suas vidas
despertas. Sem exceção, trata-se de pessoas cuja manifestação existencial
desperta é deficiente, e que a psiquiatria descreveria como esquizofrênicas.
Todavia, até mesmo esquizofrênicos despertos retêm algum rudimentar senso de
eu, e do seu lugar no mundo, pois de outra forma jamais poderiam experienciar a
perda dessas coisas, quer acordados quer sonhando. E se a perda desses traços
humanos essenciais fosse de fato total tais pessoas não mais seriam seres
humanos”. Outro ponto significativo referido por
Boss é de que os conteúdos de sonhos passados possuem o mesmo caráter histórico
que a vida passada desperta: ambos podem ser recordados. Por isso, afirma: “Portanto, o verbo no passado no título deste
livro está tecnicamente incorreto, pois as noites que passamos sonhando nunca
desaparecem e nem se vão. Elas permanecem como uma parte vital de nossas vidas
presentes e futuras, tal como qualquer evento passado da vida desperta”. Finalizando os conteúdos desse
subtítulo, vale transcrever, novamente, as palavras de Boss: “Para onde quer que dirijamos o nosso olhar,
então, descobrimos que ambos os modos existenciais, sonhar e estar desperto,
compartilham as mesmas características básicas. As mais importantes entre estas
são a espacialidade, a temporalidade, a afinação ou a disposição, a
historicidade, a mortalidade e a corporeidade. Não fosse assim, necessariamente
experienciaríamos a nós mesmos enquanto sonhando como ´meros sonhadores`, e não
seres humanos plenamente presentes. Algumas ocorrências excepcionais que
mencionamos – momentos de transição do sonhar para a vida desperta, quando
declaramos aliviados: Graças a Deus, foi só um sonho – servem apenas para
confirmar a regra”. 3. Comentários Sempre tenho mencionado que os textos
produzidos neste estudo são sumários, ou seja, apenas tentam captar algumas
ideias ou pensamentos dos autores que foram entendidos por mim como
significativos ou exemplares. As escolhas de suas frases ou parágrafos
correspondem a minha compreensão sobre a leitura que fiz, jamais possuindo um
caráter de representar a totalidade do texto integral. Por isso, recomendo que
os autores referidos por mim neste estudo sejam lidos em seus originais, pois
eles são bastante mais extensos, completos e ricos. Assim fazendo, poderão
realizar uma leitura própria e tirar suas conclusões, possivelmente até
diferentes das minhas, o que seria muito bom. Mostro, com isso, minha tentativa
de não querer ser dogmático ou dono da verdade, abrindo a possibilidade de
outros olhares e/ou interpretações. Isto colocado, registro que este texto de
Boss é capaz de nos revelar ensinamentos importantes ou descrições valiosas
sobre o que possuem em comum o estar desperto e o sonhar. Seu entendimento,
mais uma vez, nos mostra o quanto o existir humano é complexo e belo pelo
caráter amplificado de suas características, as quais incluem essa segunda
linguagem ou expressão de si mesmo encontrada no sonhar. O artigo seguinte – Parte 10 - abordará
os dois subtítulos seguintes do último capítulo do livro de Boss. Como referido
acima, são denominados de “A distinção
fenomenológica essencial entre estar
desperto e sonhar” e a “Conclusão”.
Com eles nos despediremos do pensamento de Boss, agradecendo por tê-lo
encontrado. 4. Referências 1.
Crespo
de Souza CA. Sonhos em Psiquiatria e Psicoterapia – Parte 8. Psychiatry on line
Brasil. Agosto 2014, vol.19, nº 8. 2.
Boss Medard. “Na noite passada eu sonhei...”. São Paulo: Summus, 2ed., 1979.
(Novas buscas em psicoterapia; v. 9). *
Estudo realizado no Departamento de Pesquisa do Centro de Estudos José de
Barros Falcão – Porto Alegre, RS. **
Professor e Doutor em Psiquiatria. Endereço
p/correspondência: [email protected]
|